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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

DO ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO



Outro dia lembrei dos meus tempos de solteiro. Chegava em casa apressado para tirar meu uniforme – muito pouco discreto para uma pizzaria italiana - e sair para jantar com minha namorada. Ademais, ainda não consegui desenhar um bolso fashion para guardar a carteira nele. O telefone tocou e era Bruce perguntando onde eu estava:


- Estou chegando em casa Bee. – Eu o chamava assim no celular. Era só uma espécie de código, nada a ver com as companheiras bibas.

Como era bem do conhecimento do morcegão, morávamos em partes distantes de Gotham, separadas por uma Golden Gate, e nós dois também sabíamos que naquele horário o trânsito andava lento como o raciocínio do Monstro do Pântano.

Dârrrr...

- Hoje é dia dos namorados...

- Eu sei Bee, até comprei flores pra BeeGee. – Ora, eu havia comprado flores pra Batgirl, estava carregando o buque, o equipamento de trabalho, falando ao telefone e tentando entrar em casa pela janela com minha capa amarela esvoaçante. Depois as mulheres dizem que não conseguimos fazer muitas coisas ao mesmo tempo...

 
- E você lembrou de mandar flores para a minha namorada? Em meu nome, obviamente. Lembrou, por acaso, de reservar uma mesa no restaurante italiano daquele professor do Darwin aqui de Gotham, que tem um raviolli que a gente gosta?

- Eu não Bee, mal consegui lembrar de comprar flores pra minha! Aliás, do jeito que a violência vai, ter conseguido lembrar foi um feito extraordinário... - Poderia até ter dito “ducaralho”, mas não gosto de usar palavrões com Bruce, ele é meu superior e é aquele tipo careta que pensa que ser educado é não falar palavrão e, no entanto, faz grosserias e humilha as pessoas...

- Então é melhor deixar do jeito que está para ver como é que fica? – Detesto quando ele vem com frases feitas que escutou da boca dos detetives da 10ª DPG, ou mesmo dos meliantes. Bruce não percebe, mas usa várias expressões idiotas do Coringa.

- É difícil, né Bee? Eu sei que a mulher gato tem lá seus problemas de insônia, mas quando eu resolver isso até ela já vai ter conseguido dormir.



- Então tá certo menino prodígio: o que não tem solução, solucionado está...

Olha aí outra daquelas frases imbecis! Dei câmbio final e desliguei o Batcelular antes que ele engatasse uma terceira. Eu sei que caí no conceito do Batman naquele dia, mas ele jamais vai saber o quanto também despencou no meu... 

Deixa eu ir pegar a Batgirl que é o melhor que eu faço.


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

ANTES DE DESTRUIR GUITARRAS



Lembro de ter quadrinhos nas mãos antes ainda de aprender a ler, especialmente uma revista em preto e branco do Homem Aranha, acho que foi a minha primeira. Meu pai a comprou para mim numa banca que tinha na Reta da Penha, no mesmo lugar que tem uma até hoje, em frente ao Boulevard da Praia, só que naquela época ali ficava a Maternidade São José, do Dr. Arnaldo Ferreira. Pode até ser que papai estivesse na banquinha fazendo hora comigo, olhando os jornais, por conta do nascimento de minha irmã mais nova ou do filho de algum parente.

Nós morávamos numa casinha de dois andares – o que as pessoas chamavam de “sobrado” - na Rua Aleixo Netto pelo lado de Santa Lucia, onde hoje ainda funciona a clínica Pape Praia. Moramos lá até os meus doze anos, ou seja, toda minha infância. Nossa casa ficava quase na esquina com a Reta da Penha que na época era ainda pavimentada com paralelepípedos e eu adorava essa palavra, gostava de repeti-la, sílaba por sílaba: PA-RA-LE-LE-PÍ-PE-DO! Eu a achava grande e “sonora”. 

 
Me vejo folheando a revistinha, deitado no tapete felpudo do quarto onde papai costumava ouvir seus discos. Meus pais gostavam de música de maneira diferente. Papai gostava de curtir a música, mamãe gostava da música como curtição. Os balõezinhos me intrigavam, minhas irmãs que já sabiam ler diziam que havia conversas ali e eu ficava doido para entender. Havia movimento nos saltos que o Aranha dava, na teia que ele lançava, na paixão que tinha pela Gwen Stacy. Lembro de não ter gostado quando ele acabou casando com a Mary Jane, Gwen era loira e eu, que vivia num mundo de morenas, achava as loiras o máximo.

 
Eu vivia tanto agarrado com as revistas em quadrinhos – que os mais velhos chamavam de “Gibi” – e queria tanto ser também um “super”, que os amigos de papai me chamavam de “Super-Juca”. Quando alguém me chama assim, até hoje, quase saio voando e arrebentando janelas. Fiz isso uma vez, tomei vários pontos na perna, foi um rebu porque meus pais estavam viajando e quem me socorreu foi o Tio Chico, mais conhecido como Doutor Tertuliano, pediatra de toda uma geração de capixabas.

Sábado passado fui a um evento no centro da cidade e acabei passando na banca de revistas do Zenor, uma espécie de sebo que fica atrás dos Correios, quase em frente da Estação Porto. O cara me reconheceu, apesar dos anos que vão passando, e me chamou de “menino” como sempre fez, ainda reclamou que eu estava sumido. Ah o tempo é um sacana, um moleque, a gente quase nunca dá conta dele ou consegue fazer o que se quer. Folheei as dezenas de opções que tinha lá: Vingadores, Homem-Coisa, Super-Tudo.

Zenor estava para fechar a banca, mas ficou satisfeito de ver um cliente antigo, sentou em seu banquinho atrás do balcão e ficou “puxando conversa”. Disse que os tempos estavam difíceis, que não entrava mais nem um menino ali para comprar um Homem-Aranha, um Wolverine, um Batman que fosse! Para ele estão todos pela Internet ou enfiados nos jogos de computador. Sorri solidário e surpreso com aquela notícia triste, muito triste. O que seria do mundo sem a crença nos Super-Heróis?

 
Passei a mão numas revistas dos Vingadores, uma série nova – pelo menos para mim – chamada “A Essência do Medo” e comprei o arco com os primeiros oito números. Não fiz isso só para animar o meu antigo fornecedor de aventuras inesquecíveis, nem o fiz pelos velhos tempos que não voltam mais. Fiz, porque, lá pros lados do cemitério das guitarras destruídas, aquele menino que o Zenor falou - e que me anda esquecido em algum lugar - sente uma falta danada de mim também.

domingo, 11 de agosto de 2013

O SONO DOS JUSTOS



As vezes tenho mais facilidade em lembrar das palavras que não gosto do que daquelas que me agradam. O mesmo não acontece com comida, música ou pessoas, por exemplo, mas com as palavras... Tem umas muito indiferentes, mas eu tenho implicância... Não é a sonoridade, são as conexões. Tive uma implicância danada com palavras que achava pedantes ou “bestas”, por exemplo: elegância, sofisticado e moderno. Já notou que o “ser moderno” virou sinônimo de coisa velha? Já o adjetivo “atrevida” eu gosto, apesar de se enquadrar na descrição acima.

Conheci pessoas que morreram e palavras que perderam o sentido ou vice versa. Meu mundo é atual, mas utilizo muitas expressões em desuso, os novos habitantes morrem de rir. “Urucubaca, mandinga, esquenta e racha a moringa”, por exemplo, nunca mais vi ninguém falar, mas vivem pedindo pra tocar Raul. Gíria, jargão e outras expressões são coisas muito perecíveis. Tomar um toco, dar uma pala e levar um esbregue, por exemplo, são agora motivos de “zoação”.

Já reparou que quando um termo ou um assunto vira moda, embora não queira dizer nada, rapidamente aparecem vários especialistas para explicar o que é? Tem gente que adora explicar as coisas, especialmente aquelas que não têm explicação. Grilo Falante mesmo, na porta do cinema de Colatina, rodeado por dezenas de pessoas ávidas (cujo?) por entender o significado do filme “2001, uma odisséia no espaço”. Velho: Odisséia e Espaço, juntos?

Isso me fez lembrar da minha única experiência séria com a espiritualidade, as religiões são campeãs em reunir figuras sábias e explicativas, se é que você me entendem...

Era domingo na manhã do Dia dos Pais e eu havia combinado de ir almoçar com o meu velho. Houve uma reunião de membros, como muitas do gênero, intermináveis e tediosas. Eu tinha pouca paciência para as pessoas e era muito, mas muito mais crítico do que sou hoje. Ficava abismado porque os anos passavam e algumas pessoas levantavam sempre as mesmas questões e o problema é que eram do tipo “sexo dos anjos”, portanto, as respostas mudavam com o tempo porque, obviamente, não estava se falando de algo plausível, quem tivesse ouvidos que se virasse.

Era já meio dia e cacetada quando a pessoa que presidia a reunião desandou a discutir com o cunhado se a alma imortal morria ou não. Não lembro agora, mas acho que tentei dar um basta na discussão dando ideia de esperarmos passar a eternidade para ver morrer o Conde Drácula ou o Sarney e fui-me embora ruim da vida.

Do lado de fora meu amigo notou minha expressão aborrecida, falei que achava sacanagem abusarem do tempo da gente daquela maneira, afinal, ninguém era obrigado a ficar naquelas reuniões, mas ir embora pegava mal. Ele riu e disse que era coisa de meu ego.

- Então a culpa é minha agora? Você não viu que eles ficaram horas discutindo se a alma imortal morria ou não?

- Não vi... Deve ter sido numa daquelas horas em que eu cochilei...