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domingo, 16 de junho de 2013

OUVIDO OBSOLETO



Uns têm ouvido absoluto, o meu é obsoleto...
Bolão, citado por Henrique Cazes

Cansado, mas muito cansado mesmo, deitei no sofá e tentei terminar de ver “Por trás do Candelabro” (Behind The Candelabra, 2013) a cinebriografia do polêmico caso de amor entre o pianista Liberace e um rapazinho que não sabia o que era um Popótis, mas sonhava em ser veterinário, aliás, como Hitler. Fama, grana e poder, uma provisão contínua de bofes e alguns implantes nas áreas certas, a vida de Liberace era; foi sua morte também, aliás, “my lifestyle determines my deathstyle”.

 
Chamado de Lee pelos íntimos, o pianista precursor do Glam e das fantasias de bailes de carnaval nunca saiu do armário, sua história é, portanto, triste, sufocada, EGOísta; é também fruto dos tempos atuais, quando o drama dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo não se presta mais a ser piadinha para relaxar as tensões da classe média. O ponto alto está na interpretação engajada de Michael Douglas e Matt Damon, um casal inusitado vamos combinar...

Acabei dormindo ali mesmo, o sofá ganhou, quer dizer, o sono venceu, capotei. Lugar de dormir é na cama e a alvorada seria com o Algazarra. Fui dormir e ao invés de ler a bíblia, peguei uma revistinha do Drácula, uma história idiota em que o senhor das trevas se envolvia com os nazistas. Não consegui ler nem dois quadros apaguei de vez.

Sabe quando você mergulha e vai voltando para a superfície e vê o céu lá em cima, mas não consegue ouvir nada porque seus ouvidos ainda estão debaixo d’água? Pois é, acordei assim, com aquela sensação de que um barulho estava lá na superfície, mas eu não sabia o que era. Porém, o barulho me acordou... E era uma mulher gemendo bem alto, “ais” e “uis” com aquela característica mesmo que vocês estão aí imaginando com suas mentes poluídas.

É coisa muito rara um barulho me despertar. Na verdade penso que o que me acordou não foi o som em si, mas o inusitado daqueles gemidos em meio ao silêncio. Fiquei lutando contra a curiosidade porque sabia que precisava continuar a dormir, descansar. Pensei em levantar e ver em qual apartamento estava rolando o babado, depois pensei em pegar o gravador e registrar aquela magistral e sonora trepada para depois mostrar pros amigos e, sobretudo, ao síndico.  

Quando acordei contei o caso para Alice, minha mulher, que achou super engraçado e disse que não tinha ouvido nada e ela tem o sono mais leve do que o meu. Esqueci e fomos tocar, quando voltamos vem Alice me dizer com aquela peculiar excitação: eu acho que eles tão transando de novo! Corremos para a área de serviço e lá estavam os gemidos: altos e espaçados...

Não eram de prazer, aquilo era dor! Havia alguém sofrendo em nosso prédio, enquanto eu pensava as mais cabeludas bobagens.

Comecei a matutar sobre as impressões erradas que temos de outras pessoas. Nessa nossa mania de adivinhar o que o outro está pensado e como não temos direito de nos meter na vida de ninguém. Não podemos viver das impressões sonoras que o mundo traz até nossos ouvidos, precisamos exercitar a cautela com relação às interpretações de nossa mente, porque, além de ficar uma hora dessas com cara de babaca, podemos, sem querer, sermos muito cruéis...


terça-feira, 11 de junho de 2013

13 COMÉDIAS ROMÂNTICAS PARA O DIA DOS NAMORADOS!



Para comemorar o dia dos namorados - aliás, tema do primeiro post da Letra Elektrônica no longínquo ano de 2008 quando então eu reclamava da data – resolvi fazer uma listinha com treze (pra dar sorte) comédias românticas. É filme pra fazer qualquer marmanjo suspirar disfarçadamente, quanto mais às meninas que já naturalmente nos obrigam a ir ao cinema com cara de emburrado ver filme meloso de Drew Barrymore.

Os filmes estão apresentados pela ordem do ano em que foram produzidos e não sei direito quando ou como foi que os vi - alguns no cinema e outros na televisão. Para mim é Impossível fazer um ranking entre esses filmes, todos me fizeram chorar de rir e de emoção, então os apresento por ordem de produção. Segue, porém, a pontuação do IMDB (Internet Movie Database) que é sempre muito influente como referência:

  1. Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot, 1959) IMDB: 8.4. Marlyn Monroe, Tony Curtiss e Jack Lemmon.
Quer ver como se faz uma comédia matadora? Junte um galã, um comediante e a maior gata da época, qualquer época. Pegue um roteiro que tenha uma premissa maluca, mas verossímil, embora muitas vezes isso não seja necessário, e, contando com uma química inexplicável temos “Quanto mais quente melhor”. Tudo deu certo. Nesse filme a Marilyn estabelece o padrão para o que seria chamado de “loira burra” e, com curvas abundantes e insinuantes quilinhos a mais, faria as modelos atuais parecerem postes ou gravetos.


  1. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977) IMDB: 8.2. Woody Allen e Diane Keaton.
É preciso amadurecer para gostar desse filme, considerado a obra prima de Woody Allen. Tem piadas surpreendentes e bastante citadas como “masturbação é fazer sexo com a pessoa que a gente mais ama” e por aí vai. Algumas piadas ficaram datadas, mas o principal para se entender esse filme de título tão idiota em português (quem será que cometeu esse vacilo?) é saber que às vezes precisamos passar por grandes desilusões, separações dolorosas e criar calos no coração para entender e se identificar com uma história de amor.


 3. O Céu Pode Esperar (Heaven Can Wait, 1978) IMDB: 6.8
Warren Beatty e Julie Christie

É uma daqueles filmes que parecem ter alguma coisa de mágico e nos capta pelo eterno sentimento de separação de algo que nos complete, a lenda do amor romântico que seremos capazes de reconhecer mesmo após morrer e renascer. Não tão bem ranqueado quanto os outros, esse filme passava muito na televisão quando eu era guri, uma hora achei vendendo o DVD nas Lojas Americanas e passei a o rever eventualmente. O final é bonito de chorar.

 
  1. Victor ou Victória (Victor Victoria, 1982) IMDB: 7.4. Julie Andrews e James Gardner
  1. Tootsie (1982) IMDB: 7.4. Dustin Hoffman e Jessica Lange.
São duas produções muito românticas, matadoras e deliciosamente bem interpretadas, podem também serem entendidas uma como o inverso da outra, já que no primeiro uma mulher se faz passar por homem e no segundo é o contrário - como já disse, premissas malucas e atuações magníficas, especialmente do baixinho Dustin Hoffman - mas quem levou o Oscar de melhor atriz foi Jessica Lange, provando que além de linda era também talentosa.

 
Em Victor ou Victória temos uma trilha sonora muito inspirada do imortal Henri Mancini e Julie Andrews bela e respeitável em meio a uma história cheia de piadas contra o preconceito machista e referências à alegria do universo gay. O elenco de atores coadjuvantes é fabuloso, muito melhor do que os principais no que diz respeito á performance teatral, com destaque para Lesley Ann Warren e Robert Preston.

 
  1. Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993) IMDB: 8.1Bill Murray e Andie MacDowell
Imagine-se preso no mesmo dia, e ainda por cima sendo o mal humorado do Bill Murray. O filme foi visto como uma metáfora por várias correntes religiosas, mesmo porque tem um lance do bem que o atravessa, de deixar o egoísmo de lado e valorizar as pessoas e seus sentimentos. É bonito, é romântico e é também muito engraçado, tudo na medida certa.

 
  1. Muito Barulho Por Nada (Much Ado About Nothing, 1993) IMDB: 7.3. Kenneth Branagh e Emma Thompson.
  1. Quatro Casamentos e um Funeral (Four Weddings and A Funeral, 1994) IMDB: 7.0. Hugh Grant e Andie MacDowell. 

Esses dois filmes têm em comum a força do casamento no ideário humano, a importância do encontro pré-estabelecido entre a virilidade masculina e o encanto feminino numa união que representa a fertilidade e a continuidade não só da raça humana, mas do eu, daquilo que somos e do quanto é importante festejar esse encontro. Especialmente a versão Shakespeareana de Branagh é celebração e êxtase num elenco estelar e inspiradíssimo. Lindos todos os dois.


  1. Melhor É Impossível (As Good As it Gets, 1997) IMDB: 7.7. Jack Nicholson e Helen Hunt
O amor e o mau humor, a superação não só de uma condição física, mas emocional na busca da realização e da capacidade acessar afeto. Para mim é a atuação definitiva de Jack Nicholson e a consagração merecida do talento de Helen Hunt. É, seguramente, o melhor filme daquela década onde tudo é perfeito e Mr. Nicholson ainda consegue extrapolar e roubar cada centímetro de cada cena...  



  1. Um lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill, 1999) IMDB: 6.9. Hugh Grant e Julia Roberts
Equilíbrio perfeito entre o casal que forma o par romântico do elenco, atores coadjuvantes muito bem escolhidos em atuações hilárias e um roteiro verossímil e emotivo na medida certa. Uma produção, permeada pelo capricho, bom gosto e, especialmente, equilíbrio entre humor e emoção. A cena que mostra a passagem do tempo na rua em que acontece a feira é de uma criatividade e delicadeza que agora me pergunto qual a razão de ser tão pouco lembrada e valorizada.


  1. Alta Fidelidade (High Fidelity, 2000) IMDB: 7.5. John Cusack, Jack Black, etc...
É uma rara comédia romântica mais para meninos do que para meninas, como o é também o filme a seguir. Ora, os brutos também amam e, às vezes, abrem o coração. Também é um filme de amor pela música e a influência dela nas relações, a trilha sonora dos namoros é coisa que todo mundo guarda com carinho na memória. Mesmo que depois não sejamos mais assim, é muito legal de vez em quando alguém vir nos lembrar.


  1. Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembrança (Eternal Sunshine Of a Spotless Mind, 2004) Jim Carrey e Kate Winslet. IMDB: 8.4
Vi esse filme no cinema e passei um meio vexame, porque depois que ele acabou eu não conseguia parar de chorar e nunca nada do gênero havia acontecido comigo antes. Se você tem preconceito com Jim Carrey saiba que esse é um filme sério (melhor dizendo, as partes engraçadas não são com ele) e, de longe, a sua melhor atuação no cinema. O final é doloroso como um grito de amor que não quer mais calar.


  1. A Garota Ideal (Lars and The Real Girl, 2007) IMDB: 7.4. Ryan Gosling.

É o mais maluco da lista, disparadamente o mais criativo e o único que envolve o amor como um todo social. A dificuldade de amar ou, como em Melhor é Impossível, acessar o afeto é o tema, elaborado de maneira criativa e doce. Muitas vezes é preciso cruzar oceanos para encontrar o que precisamos, às vezes precisamos da ajuda dos outros, de compreensão e do carinho. É uma história sobre alteridade, bonita de doer e surpreendentemente inteligente; é pura fantasia, mas, depois de o ver, ficamos com muita vontade de ajudar o mundo a mudar para melhor. E esse deve ser o objetivo de qualquer obra de arte.
Feliz Dia dos Namorados Galera!

sábado, 8 de junho de 2013

LIVRE PARA TODAS AS IDADES



Um menino é educado nas precariedades de um cárcere, para quando crescer se tornar seu próprio carcereiro.
Sócrates Nolasco

Às vezes me encontro tão “experiente” que até me lembro da TV em preto e branco, coisa que de menesgueio, aliás, originou o velho bordão “ao vivo e a cores”, ainda usado por tantos colegas de locução, embora hoje seja duro achar na multidão quem saiba realmente o que isso quer dizer.

Pesquisando rasteiramente pela Internet descobri que a primeira transmissão “em cores para todo o Brasil” foi lá em 1972 numa Festa da Uva em Caxias do Sul. Não lembro se foi esse evento, mas eu e minhas irmãs assistíamos na TV um desfile militar daqueles comuns na época da ditadura e o repórter o tempo todo falava com entonação de Amaral Neto:

- É a primeira transmissão em cores para todo o Brasil! Vocês estão assistindo à primeira transmissão em cores para todo o Brasil! ... Ou a pororoca que o valha...

Se as contas dessa galera estiverem certas, na época eu tinha sete anos de idade e fiquei encafifado com o que aquele cara dizia. Porque, ora, seus altos brados não vieram colorizar a pátria amada da nossa televisão. Como é que podia? Minhas irmãs estranhavam também a transmissão ser “ao vivo e a cores” e a nossa televisão continuar teimosa no preto e branco... Depois de concentrar bastante para encontrar um amarelinho qualquer ou uma verde oliva que fosse, um de nós bradou espantado:

- Olha as cores lá!

Foi um auê! Descemos em desabalada carreira as escadas de nossa casa para contar pra mamãe que a televisão agora era colorida. Lembro dela sorrindo sem graça, sentada e posuda, porque tinha visita estranha na sala e provavelmente era alguém que sabia muito bem que em Vitória não chegaria televisão colorida tão cedo, ainda mais na casa de classe média como a gente. Coube de me perguntar se ela se constrangera com nossa euforia ignorante ou se naquele instante ela se dera conta de que não era tão moderna e, especialmente, “antenada” como tentava aparentar.

De 1976 para 77 entrou no ar a novela Estúpido Cupido que durante muito tempo costumei dizer ter sido a única do gênero que eu me dera o trabalho de acompanhar, sobretudo porque a piada ficava melhor à medida que o tempo passava, mas depois não encontrei mais quem achasse graça. E eu acompanhei mesmo, adorava especialmente na trilha sonora aquela música do maluco (Neurastênico) numa gravação de Betinho e seu conjunto, segundo li na Wiki, considerada a primeira banda de Rock’n’roll do Brasil. Pois calhou que, entre lambretas, jaquetas de couro e Ney Latorraca pagando de Mederix, aquela novela seria a última da rede Globo em preto e branco. 






















Eu estudava de tarde no Sacré Cour, encarcerado como fora o Papillon - olhando o mar e o céu azul da janela da escola - matutando uma forma de conseguir escapar. Na hora do almoço passava um programa que, acabo de desenterrar, se chamava “Globo Cor Especial”, título que nos dá a dimensão do quanto a TV colorida era tratada como novidade. Achei no Youtube a vinheta de abertura do programa e estranhei a música que para mim era o maior rock, ouvindo agora trocentos anos depois constato que era na verdade uma cançãozinha bem MPB na praia do Toquinho.

Segue o link do vídeo que é de levantar as lembranças mais defuntas:


http://www.youtube.com/watch?v=p3tZ8iJ2gUs 
 
Hora boa era aquela quando chegava em casa! Entrava correndo que nem um doido para frente da televisão e então rolou a surpresa! No meio da tarde uns caras passaram lá e entregaram uma TV colorida novinha! Corri pra ligar e a biruta da Lavínia (para saber mais sobre essa persona leiam O Livro do Pó) tentou embarreirar, coisa que adorava, quanto maior o desejo frustrado maior a sua diversão. Entrou numa de dizer para não mexer, que eu ia quebrar a televisão e o cacete. Só que aí eu já devia ter meus dez, onze anos e a má fama de meu cruzado de esquerda grassava a vizinhança, além do mais era só puxar um botão. Nem o capeta seria capaz de me segurar...

Dane-se caso tenha sido outra coisa, mas estava passando uma versão em desenho animado da série “De Volta ao Planeta dos Macacos”. Era, inclusive, um episódio que tinha um avião Curtiss P40 Warhawk, aquele caça da segunda guerra com uma boca pintada e cheia de dentes. Pois, não é que eu achei isso também no Youtube, dublado e tudo o mais? A empolgação dessa descoberta me fez pensar no passado e, posteriormente, nos inúmeros cárceres que ainda vivemos; naqueles impostos, como a escola, e nas “escolhas direcionadas” que fizemos depois de maduros, porque estas também vieram nos encarcerar em um compasso de estranha espera.

De Volta ao Planeta dos Macacos – Episódio 10: Ataque das Nuvens:

http://www.youtube.com/watch?v=U6UqOdkcxOs
 

Pergunto pra gente se realmente tivemos outras opções ao fazer as escolhas que fizemos ou apenas seguimos o único fluxo das convenções sociais e comerciais em nossa comunidade: do preto e branco ao colorido, loiras ou morenas e as camisas Dudalina. Será que nossas escolhas foram direcionadas pela censura de um mundo cheio de regras e achismos ou nosso coração falou mais alto? E pergunto ainda, por último: será que existe realmente alguma coisa nesse mundo que seja “livre para todas as idades”? Ou, pelo contrário, estamos presos em todas as idades: presos ao passado.

domingo, 2 de junho de 2013

COMO ESQUECER UMA NOITE INESQUECÍVEL?



O terceiro filme do Homem de Ferro é um bom entretenimento, como os outros foram, mas parece que dessa vez ficou faltando alguma coisa. Desde a investida inicial a grande qualidade desse que é o mais divertido da franquia Marvel foi ter conseguido equilibrar ação com humor e fazer a escolha de atores na medida certa. A “Pepper” de Gwyneth Poltrow deu novo gás a sua carreira e é um bom exemplo de que ao fazer menos a moça apareceu mais.

Mas nem quero ficar falando muito do Homem de Ferro III não, quero usar o vilão pra chegar num causo lá do passado, porque o grande lance desse filme é disparado a atuação, de novo, do genial Ben Kingsley. Não posso explicar porque o Mandarim é o melhor do filme pra mó de não estragar a diversão alheia, mesmo porque todo mundo sabe que em filme de ação quem rouba a cena é o vilão.

Kingsley debutou para o mundo com sua interpretação fabulosa de Gandhi. O filme foi lançado em 1983 e eu estava lá na pré-estreia (ou estreia, sei lá) que aconteceu no (eternamente em reforma) Teatro Glória que na época funcionava como cinema. Vi vários filmes legais lá, inclusive, numa dessas dei meu primeiro beijo, com uma colega de escola chamada... Cristina? Cristiane? Enfim, não lembro, mas acho que o filme era “Hair”. Depois tem gente que diz que eu tenho memória boa.

Gandhi foi a produção que bombou naquele ano, portanto, os mil lugares do Glória estavam ocupados. Fui assistir ao filme junto com minha querida e saudosa amiga Ingrid Vervloet, precocemente falecida ainda lá nos anos oitenta. Aquela era uma época em que a gente lia crítica de cinema no jornal, porque tinha o Amylton de Almeida - noves fora seu peculiar costume de elogiar os filmes do Van Dame – o saudoso autor de documentários premiados como “Os Pomeranos” e “Lugar de Toda a Pobreza” era um gênio, e como todos, ir atrás de seus conselhos era um perigo.

Como lembro agora com saudade daquela entrada do Glória! A bomboniere do foyer que parecia um guichê de estação de trem, cheia de bombons serenata e pastilha forte, a grossa cortina vermelha que dava para a sala de exibição, o piso de madeira, o cheiro do cinema! Quando conseguimos entrar a plateia estava já lotada, daí fomos nos aboletar no balcão, uma espécie de camarote lá em cima, de onde cuspiram na minha cabeça, salvo engano, no mesmo dia em que rolou aquele primeiro beijo.

Não me pergunte quem era o mestre de cerimônias daquela peculiar “Opening night” do Gandhi no Cine Glória, mas o cara convidou Amylton, como cineasta e entendido da coisa, para trazer um breve speach aos presentes. Eu-sei-lá quem teve a brilhante ideia de colocar discursos antes da plateia encarar um filme de três horas de duração. Obviamente, o jornalista foi recebido por um sonoro e gélido silêncio, se rolasse aplauso perigava um monte de gente resolver falar. Aquele suspense soou como um aviso, sinal amarelo, mas teve quem ousasse avançar.

A cena foi a seguinte: Amylton caminhou para o palco com um blazer colocado sobre os ombros, o que era uma espécie de moda entre os descolados da época, se é que vocês vão me entendendo. Duas pessoas então ousaram romper o constrangedor silêncio: um rapaz que aplaudiu - animado e solitário que nem ele só - e um garoto sem noção que se estrebuchou de rir da cena...

Esse garoto, como diria o Baleia, era eu!

Minha gargalhada ribombou, Ingrid me estapeou, Amylton falou e a vida seguiu. Quer dizer, o filme finalmente começou e se revelou interminável. Imagine só, depois de tanto entrevero, acabei dormindo e acordei com o tremendo barulho do motor à hélice de um hidroavião. Tomei um baita susto danado, quase caí da poltrona. 

De repente estava eu aqui e só agora me dei conta: era já trinta anos depois!