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sábado, 31 de janeiro de 2015

QUANDO O PASSADO TE CONDENA



 
“Em 1925, surgiu um novo e sério problema: São Paulo passou por uma seca severa.”

Roniwalter Jatobá em “O Jovem Monteiro Lobato”

Não é a primeira vez que uma seca assola a terra da garoa e, Aqui no Deserto constatamos, o mesmo agora preocupa o Espírito Santo. Não entendo bulufas do assunto, mas fico me perguntando o que ocasionou aquela tragédia datando de quase um século. Porque na grave estiagem atual já colocaram a culpa num bocado de coisas: na falta de consciência ambiental dos “homens humanos”, nos desmatamentos e queimadas, na poluição insana das fábricas e dos automóveis e, especialmente, na incompetência dos tucanos e também no governo da Dilma.

A tragédia de 1925 foi muito séria e, como agora, também ocasionou interrupções no fornecimento de energia elétrica. Monteiro Lobato, que era um tremendo visionário, pioneiro do setor livreiro no Brasil, quebrou de verde e amarelo:

“Aí, por causa da falta de água, a Light foi obrigada a racionar energia, já que as geradoras da empresa eram hidrelétricas. Consequência: as máquinas da editora não puderam funcionar. – Eu podia prever tudo no negócio, menos uma seca do Ceará em São Paulo – lembraria Lobato. - Se durasse um mês, tudo estaria salvo. Mas durou um ano. Verdadeira calamidade. E a editora, que estava endividada, afundou de vez. A solução não poderia ser outra: pedi autofalência.”

Esse triste episódio vivido pelo pai da literatura infantil brasileira dá um medo danado de que os problemas causados por mais de um mês sem chuvas na Grande Vitória estarem apenas começando.

Antes de prosseguir vale lembrar aquela advertência atribuída a Che Guevara “um povo que não conhece a sua história está fadado a repeti-la”, porque alertas relativos à dita “questão hídrica” vem rolando desde há muito. Em 1972 na primeira edição da revista “Espírito Santo Agora”, o mais célebre defensor do meio ambiente no Espírito Santo, Augusto Ruschi, deu uma entrevista famosa na qual fez denúncias contra os desmatamentos praticados pela então Aracruz Florestal, a poluição do rio Formate pela Braspérola e o - até hoje insolúvel - problema do pó de minério.

Aquelas pioneiras ponderações ambientais foram rechaçadas veementemente pelo articulista Gutman Uchoa de Mendonça, numa longa carta publicada na edição seguinte do periódico. Colocando-se simplesmente na posição de assessor, provavelmente de alguma das empresas mencionadas ou do Governo, Uchoa achou por bem dar ao futuro patrono da ecologia no Brasil uma lição de biologia:

“Muitos brasileiros estão se impressionando muito com a questão relativa à poluição e passaram a ver em tudo agente contaminador até o pó de minério que levanta do carregamento dos navios e é levado pelo vento às residências. (...) Nunca, em parte alguma do mundo o pó de minério foi agente poluidor como não o são também os dejectos (sic) humanos lançados à maré de forma ordenada. (...) A entrevista do sr. Augusto Ruschi  é de um primarismo lamentável e demonstra perfeitamente o quanto distante ele anda de um problema que para se ter conhecimento não é preciso ser sábio ou coisa parecida mas simplesmente observador, ler e aprender e ter uma noção do desenvolvimento biológico que habita a natureza e que a torna num dos mais extraordinários espetáculos.”  

Pior foi o debate para governador em 1994, no qual a possibilidade de escassez das reservas hídricas era especificamente motivo de preocupação, mas também de discussões pitorescas. De um lado o médico Vitor Buaiz, homem de postura comedida e educada, do outro o candidato ultra-direita-popular Cabo Camata, um notório e assumido ignorante nas acepções que o termo permite.

Antecipando o estilo de apresentadores esporrentos como Ratinho – que apareceu pra fama no SBT em 1998 empunhando um porrete – Cabo Camata tinha como objeto fálico uma infame “vara de gurubumba”. O pesquisador Ueber José de Oliveira tem um texto interessante sobre esse pleito - publicado no volume 11 da revista Ágora de 2010 - no qual cita Perly Cipriano para fornecer uma dimensão do fenômeno:

“Cabo Camata se lança candidato a governador (...) sem programa nenhum, apenas dizendo que ia usar a gurugumba para combater os bandidos e os corruptos e um tempo de televisão muito pequeno, mas ele bateu naquela mesma tecla da gurugumba, um discurso seco, direto e teve a Polícia Militar como um grande cabo eleitoral”.    

Nessa brincadeira o candidato menos provável foi para o segundo turno, desbancando pesos pesados da política como o ex-governador Max Mauro e a atual senadora Rose de Freitas. Só para dar uma ideia do nível do debate, Vitor Buaiz perguntou o que o adversário pretendia fazer com relação à questão hídrica. Reagindo como quem “tá preparado”, o candidato respondeu: “Você acha que eu não sei o que é esse negócio não? É água!” E lá pelas tantas alertou os eleitores para uma questão social nada importante: “Vocês sabiam que esse homem num come carne?! Se vocês chamarem ele pra um churrasco na sua casa ele num vai comer não!”  

Ainda bem que a gurugumba perdeu, mas foi por pouco. Já o que aconteceu no governo de Vitor Buaiz... Bom, aí é outra historia. 

P.S. Dejair "Cabo" Camata faleceu no dia 26 de março de 2000 com apenas 43 anos.

sábado, 24 de janeiro de 2015

UM CONSUMIDOR SEXY QUE NEM O WANDO


Dizem as más línguas que o Cerveró, em suas andanças multinacionais, inspirou o pessoal da Disney na criação do Quasímodo de O Corcunda de Notre Dame.


Daí que a tampa de meu Ultrabook da Samsung começou a descolar, essa marca anda pisando na bola ultimamente. Estava até pensando em comprar um smartphone da linha Galaxy, mesma do meu tablet, mas depois de uma pesquisa mudei de ideia. Optei pela nova sensação do momento cujo (cujo?) nome me pareceu divertido e contraditório para um telefone: Zenfone. Já me imagino cedendo às tentações “Zenvergonhas” do Zap-Zap com o qual nunca simpatizei, fiquei uns dois anos esperando a moda passar, mas se você não pode vencê-los jogue uma praga...

Era uma e tanto da tarde – traduzindo pro horário de verão capixaba: sol de meio dia a pino, do mais estorricante verão de todos os tempos - caminhei debaixo daquela lua pela Praia do Suá, até uma oficina na Cezar Hilal, pra ver se algum infeliz colava a repimbela da parafuseta do computer. Bicho, não deu tempo nem de sentar. De lá veio um sujeito corpulento e suarento – o que atualmente é até desculpável – com um computador igual ao meu na mão e distraído me jogou o orçamento de R$588,00 (!) Agradeci educado e falei que por um pouco mais comprava outro.

No Boulevard da Praia achei duas “oficinas” do gênero: na primeira o técnico tinha ido almoçar, embora saibamos e convenhamos o quanto é difícil arrumar um self-service às duas da tarde aqui em Vitória, então fui pra outra. Não lembro mais a grosseria que a moça da recepção me fez, mas dei-lhe uma patada sagitariana daquelas que depois fico pensando “porra hoje eu não tô bom!” Fui socorrido por um rapaz muito mais educado chamado Surrean, ou algo assim. Até pensei em perguntar se o pai dele era destaque de escola de samba, mas o menino investigou o Ultrabook, sugeriu um conserto que custaria noventa paus e disse que eu poderia passar para pegar no fim da tarde. Que legal, problema resolvido. “Hashtag, só que não!”.

- O senhor tem cadastro aqui na loja? – Ora, era a primeira vez que entrava ali. Daí Surrean começou a perguntar meu CFP, telefone, endereço, email e – como diz o ex-presidente Lula - o diabo aquático.

- Peralá gente, eu só quero consertar o computador. Pra que é preciso esse monte de informações pessoais? – A recepcionista, que devia estar babando pra devolver a grosseria, correu pra se meter onde não fora chamada:

- Tem que fazer cadastro, senão não pode fazer o serviço!

- Ah não? Então fala pra mãe de vocês que eu achei ela bonita, tá? - Peguei o computador, meti de volta na mochila e antes de sair ainda perguntei pros dois: - Vocês têm certeza? - Tiveram.
Volto eu pra ver se o outro cara já tinha quebrado a cara no almoço. Dito e feito. Só que esse também não ia me ajudar e ainda sugeriu a outra lá do cabresto, quer dizer, do cadastro. Contei a história, comentando que com a quantidade de golpes na praça, uma loja de informática não era o lugar mais indicado para se deixar todas as informações pessoais, né? O cara apenas sorriu aparentemente satisfeito com a lambança da concorrência.

Como quem clama sozinho no deserto, retomei a peregrinação ensolarada, me recuperando de uma bronquite o perigo era desidratar. Parei pra tomar uma água de coco, pedi uma garrafa logo. O cara perguntou: é piquê ou grã?

- Hein? – Retirei o fone, estava ouvindo a sinfonia Titã, a primeira de Mahler e até lembrei que o maestro Helder comentou que esse ano nossa sinfônica vai a apresentar. Escolhi a grande imaginando que seria aquela garrafinha branca fosca. Vem o cara com uma garrafa pet de todo tamanho. Saio pela rua carregando minha enorme garrafa pet, assombrado pela inefável sensação de imbecilidade e o canudinho não chegava nem na metade.

Voltei pra casa pensando em consultar o Procon e acabei esquecendo. De noite postei o assunto no Facebook, mas de maneira geral, porque de uns tempos para cá mesmo em compras à vista os lojistas têm insistido em tentar arrancar nossas informações pessoais. Detesto telemarketing, portanto, da mesma maneira não costumo passar meu telefone pras lojas. Fico imaginando que esse cadastro pode ser depois revendido ou usado em falcatruas, todos os dias os telejornais alertam para golpes desse naipe. O post não abalou muita gente, mas depois de um comentário de minha prima Bernadete lembrei dum causo pra contar que bombou com mais de cento e tantos likes e comentários...

Vinha pela rua quando o meu celular tocou. Era uma moça da Vivo querendo me falar de uma “promoção” e antes de dizer o que era perguntou se eu trabalhava como autônomo ou “de carteira assinada”. Primeiro que eu não tinha pedido pra ninguém me ligar, segundo que o que eu faço não é da conta da Vivo, daí respondi mal criado: “nem uma coisa nem outra”. A boboca, ao invés de me pedir para explicar, perguntou surpresa: “O senhor não trabalha?” Num surto de presença de espírito confessei, sexy que nem o Wando: “Sabe qual é querida? Tem aí uma loira que me sustenta em troca de favores sexuais”. Ora, sabe-se-lá-por-que, nunca mais me ligaram.

P.S. Só a título de final feliz. Acabei consertando o computador ainda naquele dia, num lugar chamado Intervip, ali da Praia do Suá. Pasmem, por apenas R$60,00... Sinceramente espero que a pessoa que colocou o dela pra consertar na outra por quase 600 contos não esteja me lendo neste instante...