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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Pequena Mensagem de Fim de Ano

Amiguinho, amiguinho, tão cioso de seu destino. Tantos caminhos a percorrer e sempre o tempo a recuperar. Quero ver dia chegar que nada mais vai satisfazer a sua ânsia de ser e seu desejo de estar. Eu também sou humano amiguinho, também quero viver e não gosto de esperar. O tempo não é meu companheiro amiguinho: ele passará e eu - saravá Quintana - passarinho.

É verdade, hoje é o dia em que o Lorde Summer se instala em Gaia, com sua majestosa corte, em alguma montanha mágica, sim é também o dia em que eu apareci nesse mundo. Não sou seu representante, nem me dispus a cantar seus feitos: eu apenas o observo amiguinho. Igor, o belo pássaro de fogo me falou que em algum lugar da montanha os povos ainda contam lendas a seu respeito ao redor da fogueira.

A Primavera se foi magoada, após derramar lágrimas de amargura que transbordaram o rios e encharcaram a terra, com o próprio destino que escolheu para si. Outono reformou sua casa e caiu em depressão, poucas folhas restaram em sua vasta cabeleira. Inverno se foi, mas uma hora vai voltar. Eu também amiguinho não precisa se preocupar...

A Letra Elektrônica fará uma pequena pausa para merecidas férias na terra da garôa, fuçarei sebos e visitarei museus, comerei pizza e abraçarei aos meus e vocês tratem de se comportar e serem felizes, uma hora eu vou voltar e poderemos continuar aquilo que nunca realmente começamos. Paz no mundo, assim como o que está em baixo (a terra) como no céu. Amém!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O ESPÍRITO É SANTO E NÃO ESPÍRITO, SANTA...


Recebo texto pela Internet de uma pessoa indignada com uma Lei que periga ser aprovada, tornando crime a discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) no Brasil, semelhante à Lei que já existe (e funciona) contra o preconceito racial. Pelo que entendi do email os mais revoltados com a idéia seriam os pastores evangélicos ante a perspectiva de não mais poder pregar abertamente contra as práticas homossexuais e com a tal mensagem tentavam dar início a um movimento para impedir a aprovação da Lei.


Passado tanto tempo, me pergunto o que um homem como o Jesus, que por aqui muitos demonstram supor conhecer, diria dessa revolta em favor do preconceito de verbo rasgado, gritado em auto-falantes no centro e nas periferias. Será que ele estaria sentado lá no primeiro banco do templo gritando “aleluia”? Ou será que se voltaria para os pregadores, hoje fiéis representantes de sua palavra, e calmamente diria: “Aquele que não tiver pecado em seu coração que atire a primeira pedra.”?


Com tantos desafios sociais nesse mundo de asfalto e cimento que escolhemos viver, nesse calor infernal de carros e xatomóveis engarrafados, será que o amor e as demonstrações de afeto entre pessoas do mesmo sexo seria um problema tão grave como é a violência física e mental que testemunhamos todos os dias e à qual vivemos submetidos ou o caos insano da saúde pública, constrangendo pessoas doentes e acelerando sua morte e – porque não poderia faltar – a corrupção violenta que se espalhou como um câncer pelos três poderes que governam o Brasil... Nada disso até agora foi capaz de nos indignar.


Certamente é muito mais fácil e cômodo denegrir e apedrejar uma minoria que ainda sofre com a rejeição social, do que exigir a apuração desses crimes covardes de mando e de pistolagem cometidos por aqui a “bangu”, como está retratado no livro Espírito Santo de Rodney Miranda, Carlos Eduardo Lemos e Luiz Eduardo Soares. Eu estava indo para a UFES numa segunda feira de calor infernal, era final da tarde, mas horário de verão que eu detesto. Li a parte em que o pistoleiro descreve seus crimes, a filosofia do assassinato a sangue frio, coisas que gostaria de esquecer. Como pode um homem descer tão baixo?


Meu estômago embrulhou, fiquei me sentindo mal noite adentro, nem sei como consegui dar aquela aula sem ter caído duro pra trás. O livro não é nenhuma obra prima da literatura, mas como informação é realmente contundente. Nesse momento muito se discute o que ali é verdade ou não, quem é que fez o quê, porém só de olhar para aquele retrato já é o suficiente para pedir ao motorista: “Pare o mundo que eu quero descer”. Escancara algumas situações que já se falavam por aí das conexões criminosas entre todos os níveis das principais instituições sociais que todos os dias decidem os rumos de nossas vidas...


Tacar pedra na “bicharada” é moleza, quero ver fazer o que o juiz Alexandre Martins fez. Fosse o amor homossexual praticado por poderosos líderes, como nos tempos romanos ou de Alexandre o Grande, me pergunto se haveriam tantos sujeitos indignados atrás de proibir e criticar a forma que eles escolheram amar. Enquanto isso colocaram “o bode na sala” e o lobo pra tomar conta das ovelhas... É uma vergonha ter que usar da força de uma Lei para resguardar o direito de amar das pessoas! Não deveria bastar o amor incondicional dos cristãos que se estende ao próximo como a ti mesmo? Infelizmente parece que não.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

LANÇAMENTO INÉDITO: FILME PORNÔ COM ATORES IMPOTENTES E ATRIZES FRÍGIDAS!


Tá legal, eu sei que é o maior baixo astral ficar chutando cachorro morto e gastar vela com defunto ruim, mas ficar quieto não é coisa fácil quando a gente se depara com um filmezinho lindinho, fófis, adolescentinho chamado Lua Nova. Zuzo bem que é um daqueles clássicos filmes pro inocente público de Malhação, embarquei esperando o pior, mas acaba que me surpreendi: o troço é tão ruim que acabou ficando muito engraçado. É sério gente, dei boas risadas e não fui só eu, tinha muita gente rachando o bico no cinema.


Pra começar, será que aquele menino deprê precisa mesmo ficar o filme inteiro com aquela cara de quem toma banho de água sanitária e não vê comida há séculos porque escapou de algum campo de concentração nazista? Dá vontade de mandar ele pegar uma prainha, comer uma picanha, curtir a vida! Parece uma madalena arrependida fazendo drama o tempo todo com a namoradinha porque perdeu a alma. Ora, o divertido de ser do mal é justamente pecar. Solta essa franga mané! Mas aí é que está o problema, o rapaz é um vampiro bonzinho, tipo um vegetariano da espécie, uma moda incongruente e subversiva que começou com a danada da Anne Rice e seus mortos-vivos efeminadinhos, com pinta de drogados e eternamente adolescentes.


Mas cara, vampiro que não morde o pescocinho da donzela porque entrou numa de ser politicamente correto é o fim da picada, aliás, literalmente. Só nesses tempos caretas e bicudos que vivemos é que se poderia imaginar uma parada idiota dessas. Como é que pode passar um filme de vampiro inteirinho e ninguém tomar uma mordida? Aliás, o Grilo Falante, nosso assessor para assuntos psicodélicos, defende a tese de que quando o dente do vampiro cresce é a mesma coisa de que... Bem, da paudurescência. E isso é o que é o pior dessa Lua Nova sem sal e sem brilho: é como um filme pornô com atores impotentes e atrizes totalmente frígidas!


A coisa já começa com o pé esquerdo fazendo referência à história de Romeu e Julieta, tentando transpor a clássica lenda do amor impossível para o universo vampiresco: um casal separado pela dicotomia irreconciliável entre a vida e a morte. Até aí tudo bem, mas a tônica é romance água com açúcar e não as questões que permeiam a sociedade de consumo, especialmente nos filmes de terror, por exemplo: porque existem pessoas que se alimentam da vitalidade das outras? Por essas e por outras o tal do vampirismo é freqüentemente transposto para outros cenários da vida cotidiana, nem sempre da maneira certa, como acontece nesse filme.


A cada resolução dos draminhas fúteis que iam sendo construídos eu caia na risada, era tão ridículo que beirava o inacreditável. A heroína é uma menina tão enjoada que dá vontade de estapear, ou então colocar o sobrenome de merda, Bella Merda. A infeliz fala o tempo todo numa tediosa narração em off, fica meses depressiva olhando para o nada e grita de noite que nem uma virgem doida sendo currada por uma matilha de lobisomens. No final eu já estava com pena do pai dela que, sendo a única personagem plausível da história, fala: olha filha eu vou te mandar de volta pra sua mãe. Nem ele estava mais agüentando aquela mala sem alça.


E na hora que o vampirinho camarada, o Gasparzinho de baton, fala pra ela assim: você é a pessoa que mais amei nos últimos cem anos? Fico me perguntando se o roteirista quis dar uma de cult e fazer menção a Gabriel Garcia Marques... Not! E quando o lobisomem saradão – aquele cachorrão molhado - fica puto com a heroína maníaco depressiva, porque ela não quer abrir o buraco para ele enterrar o osso? Rárararara!Bella M. passa o filme inteiro dando mole pro lobisomem, mas gostando do vampiro, só faltou a mula sem cabeça!


Agora o auge mesmo é o fim da história que, obviamente, não acontece né mané? Ficou para o próximo filme, aliás, deveriam distribuir um passe pra gente entrar nesse outro, porque pagar de novo para continuar a ver a mesma história é sacanagem. Pensando bem, isso deveria dar até queixa no Procon, o roteiro desse filme fere o código de defesa do consumidor! Eu vou contar o final só de sacanagem, quem leu até aqui só vai se dar ao trabalho de assistir pra ver as idiotices mesmo: Gasparzinho – o vampirinho assexuado – disputa a heroína com o lobisomem e do nada vira para ela e fala: Bella, você quer casar comigo? A tela fica escura, você espera ouvir o “plin-plin” dos comerciais e ao invés disso começam a aparecer os créditos... É ou não é imperdível? NoOot!!!


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

NAVEGAR É PRECISO: NEM QUE SEJA PELA NET


Nunca fiquei tanto tempo sem escrever nem postar na Letra Elektrônica, nunca tantos fizeram tão pouco por tantos em tão pouco tempo. Mas foi a chuva que choveu, o sol que rachou, o estômago que embrulhou e o tempo que de repente me desapareceu, passou, escorreu por entre os dedos. Que diferença faz? Por causa daquela chuva medonha a empresa que me fornecia Internet ficou semanas fora do ar. Que loucura impensável é hoje ser um excluído virtual! É como se desaparecêssemos do mundo real também. Pessoas não conseguem mais nos contatar, muito menos conseguimos responder, simplesmente ridículo e impensável comparado com o que vivíamos a dez, quinze anos, mas hoje é assim.


Daí, puto da vida com a situação e empolgadão com a tal da banda larga resolvi luxar e contratar os tais 10 megas da GVT, ia ter até que mudar o número da linha de telefone que está comigo faz coisa de trinta anos, mas que diferença isso faz? Hoje em dia as pessoas se falam e se encontram mesmo é pela Internet, o telefone que se dane! Pra começar, apesar de tanta velocidade, levaram sete dias fúteis (eu sei que parece conta de mentiroso) pra vir aqui instalar a parada: o que se revelou impossível. No meio do caminho tinha uma tubulação obstruída - canos silenciosos, nervosa calmaria - quando viram o problema me largaram falando sozinho, a velocidade deles é outra meu irmão! Uma alternativa que me deram foi a de cancelar o pedido, achei simpática, inclusive. Ainda assim reclamei, mas o supervisor local nem quis avaliar a situação, mandou dizer que eu teria que fazer a obra - ou seja: quebrar piso e paredes do corredor do meu prédio - para ter a honra de ser atendido. São as a dores e as delícias de se abocanhar um mercado e navegar em céu de brigadeiro.


Pior foi a tal da Oi que já dominou esse mercado também, se não me engano foi a última a dropar essa onda da Internet com pacotes como o Oi Conta Total que virou febre a coisa de um ano, passando a perna na concorrência. A linha telefônica que uso vem lá da época da saudosa Telest, naquele tempo obscuro uma linha destas valia um dinheirão e não era nada fácil de conseguir, hoje é moleza o difícil é pagar a conta. Fui lá ver questões de portabilidade, na mesma rua do Rosário de tantas lembranças infantis, lugar onde meus pais tiveram uma redação do Jornal da Cidade nos anos setenta. Fui recepcionado por um grupo de três ou quatro patetas vestidos de palhaços que faziam uma fuzarca de dar dó, era uma e pouco da tarde, estava quente pra burro e eu ainda não tinha almoçado...


Não a Oi não resolveria meu problema, nem de “obas e olás”, nem um cantinho e um violão, nenhum orixá pra fazer uma rima. Que saco! Quando a GVT furou, resolvi apelar para o Velox, mas assim me disseram que no meu prédio não tinha barramento para proceder a instalação, me senti um morador do “cafundó dos Judas” como diria Lavínia, aquela velha desgrenhada. O pior de tudo é ser atendido por uma fulana com voz assexuada de máquina de gravação eletrônica que nem sabe onde fica Bento Ferreira. E eu falava: querida, eu moro a duas quadras da Prefeitura da Capital do Estado, como assim aqui não tem barramento, como assim o sistema não atende? Bom, eles nem tchunfs...


Quem acabou me salvando foi a Net, fato curioso é que vivi a mesma situação com eles há pouco mais de um ano quando também dropavam sozinhos a onda do mercado, fartos de demanda e clientes e não se coçaram muito em achar uma solução para meu problema, acabei sendo salvo pela SuperI que lutava cliente a cliente por uma fatia do mercado, pena que entraram nessa barafunda. Esse desprezo infantil de quem está bombando me lembrou aquela piada do português que ouviu falar que no Brasil o sujeito tropeçava no dinheiro pela rua, daí ele emigrou e, por alguma coincidência, logo que desembarcou se deparou com uma grande maçaroca do vil metal caída no chão, deu de ombros e comentou cansado da travessia atlântica: amanhã começo a catar.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

CHUCK BEARRY ALLEN KING KONG SIZE!


Que surpresa bacana ter um feedback de personagens involuntários aqui da Lektra, eles, baseados em gente do mundo real, eles, transparentes e invisíveis, eles: “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança”. Se vocês tiverem a curiosidade de dar uma olhada nos comentários a este texto verificarão que meu amigo Barry e a própria Julia Roberts em carne e osso digital apareceram de um distante sumiço para saudar a minha iniciativa e, o que é pior: corroborar os fatos, qual seja, o meu mico King Kong Size. Putz! Fiquei emocionadão, quase caí duro também.


Sobre esse texto teve até uma outra história gozada: eu o enviei por email para um grupo de duzentas pessoas que me correspondo com mais freqüência com o título abreviado “O Adeus à Julia Roberts”. Daí estava conversando anteontem com Marco Antonio da Gráfica A1, meu editor para assuntos do Livro do Pó, que me falou chateado em tom de quem dá puxão de orelha:


- Pô cara você quer me matar do coração? Quando vi aquele seu email anunciando a morte da Julia Roberts fiquei abalado. É engraçado, porque nunca me considerei fã dela nem nada, mas quando vi a mensagem me bateu uma tristeza, comecei a lembrar dos filmes... Fiquei imaginando o texto até mesmo antes de o abrir: hoje no dia tal faleceu a atriz Julia Roberts... Daí quando fui ler a mensagem vi que era uma coisa completamente diferente...


Só pra arrematar a personagem, eu ia até colocar essa no texto passado, mas vivo tentando economizar espaço na mente dos outros, embora muita gente ache meus textos grandes demais, vide meu amigo Paulo Rubens, que o acha para ruim e o Washington que admira a criatividade. Sempre tento suprimir comentários desnecessários e ir direto ao ponto, mas nem sempre isso é possível sem arranhar a estrutura melódica da frase e o acontecimento real dos fatos. Falando em real, o Barry mencionou em sua mensagem a minha boa memória: ora, tem muitos detalhes de coisas que não lembro que simplesmente imagino que podem ter acontecido daquela forma e vou adicionando quando tem a ver, até mesmo para pontuar a estrutura harmônica ou florear a borda de um parágrafo.


Novamente, explicando a personagem do Barry: as alcunhas aqui mencionadas são apenasmente (Odorico Paraguaçu - sic) invencionices de minha imaginação fértil, mania curiosa que sempre tive de colocar apelido nas pessoas. Falei que o cara era meio neurótico né? Pois então. O Ligeirinho é guitarrista lá daquele passado distante, recorte temporal em que foi sumariamente apelidado de Berry, baseado no Chuck; porém, como ele era um solista ágil e veloz, o nome bem que poderia se remeter igualmente ao do super-herói velocista The Flash cuja identidade secreta era, Barry Allen. Assumida a alcunha e seguindo seu “modus operandi” todo pessoal Barry escolheu ser grafado com “A” ao invés de “E”. Lembrei desse detalhe quando fiz o texto, o que não lembrei foi a preferência da grafia e, como tinha cinqüenta por cento de chance de acertar, errei. Basta reparar que ele assina o seu comentário com um sonoro “A”...


Mais um mico para minha coleção, foi mal Ligeirinho...


Pode parecer bobagem retificar um detalhe besta desses num simples apelido, visto que o nome bacana de meu amigo nada tem a ver com as referidas alcunhas, mas vocês acreditariam se eu lhes contasse que ele, em determinada ocasião, ligou para a redação do Jornal A Gazeta e fez o editor corrigir de “E” para “A”? Eu tinha feito um release de nossa banda e enviado pro jornal, quando ele viu o texto ficou danado da vida e saiu atrás de acertar minha falha gravíssima, antes que saísse publicada para todo o Brasil. O engraçado foi a paciência do jornalista: “Mas meu filho, você tem certeza que isso vai fazer alguma diferença para alguém, aqui e agora ou em qualquer outro lugar e tempo do espaço infinito?” O guitarreiro (guitar hero?) respondeu aborrecido, brandindo um manual do tamanho da lista telefônica da cidade de São Paulo: “Vai fazer diferença sim, pode mudar!!!”


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

MEU AGRIDOCE ADEUS À JULIA ROBERTS


Não sei porque cargas d’água estava eu vendo um pedacinho do programa da Xuxa em que Luana Piovani era entrevistada, muito bonitona e cada vez mais com cara de mulher madura. Ficaram as duas (apresentadora e convidada) naquela tradicional rasgação de seda, daí um participante da platéia perguntou pra “atriz” se em alguma ocasião ela teria ficado nervosa na hora de contracenar com um grande ator. La Piovanesca vem então e me cita o cada vez mais canastrão José Wilker. Disse que na novela em que trabalharam juntos, fazia o papel de filha do cara e que havia um texto de várias páginas para decorar. Contou que Wilker sentou, leu o texto, foi lá e fez a cena...


Tem ator da Globo que pensa que é Jack Nicholson e que já está tão inserido naquele feijão com arroz que nem se dá mais ao trabalho de criar um papel. Por essas e por outras, entra novela sai novela, as atuações são quase sempre insossas e sem graça. Dessa turma são muito poucos os que se salvam. Vide, num exemplo contrário, o show que deu a atriz Dira Paes no papel de Norminha. No meio televisivo parece que a coisa vai ficando automática e a maioria responde com interpretações negligentes, somente quem é mesmo do ramo trabalha para construir uma persona e naturalmente se sobressai, “rouba a cena” como eles mesmos dizem.


A atuação amadoresca e decorativa de Luana Piovani no filme “A Mulher Invisível” é outro exemplo grosseiro. Já que o roteiro requeria uma loira gostosa que ficasse de lingerie erótica o filme inteiro, pra quê dar falas para ela também? É pedir demais né seu diretor? A “interpretação” de Luana é tão recitadinha que me lembrou os tempos de teatro amador no segundo grau, não faz uma pausa para respirar, o diálogo não tem vida, coisa mais sem graça para uma mulher linda como a Vênus de Boticelli. O que salva o filme - não inteiramente - é a interpretação de Selton Mello e o fato de Paulo Betti ter ficado quietinho na dele, sé é que vocês me entendem.



Durante a entrevista com a Xuxa, Luana contou de um mico em que estava desfilando com um cachorro e o bicho fez cocô na passarela, daí lembrei de minhas crises de riso, coisa também conhecida por aí como ataque de bobeira. Tive algumas muito chatas, como a que narro a seguir:


Num domingo eu estava voltando da praia e lavava a velha Brasília na garagem de casa, coisa que devo ter feito duas vezes a vida inteira, quando tocou o telefone avisando do falecimento de um amigo num daqueles acidentes de carro das madrugadas alcoólicas hoje tão combatidas. No dia seguinte foi o enterro e toda aquela comoção que marca o dramático desaparecimento das pessoas jovens.


Meu amigo Berry, o ligeirinho, estava de caso com o acaso em cartas de Tarot, mais precisamente com a irmã desse amigo nosso falecido e, logo depois do enterro, me chamou para dar uma passada no hospital e pagar uma visita pra moça que estava, obviamente, ferida e muito abalada. O sacana do Ligeirinho - ou Speedy Gonzáles se preferirem - era um dos caras mais certinhos e neuras que já conheci, levava a vida pelo manual, sabe como é? Eu sempre fui a esculhambação em pessoa e de vez em quando nossas criações muito diferentes faziam soltar faíscas estremecendo nossa amizade, mas o atrito é bom, do atrito vem o fogo, Nero queimou Roma e jogou a culpa nos cristãos...


Fazia um calor do cacete naquele final de manhã e Berry estava em jejum, eu sabia lá desses detalhes! Fumava um cigarro atrás do outro e parava pra tomar café em toda birosca que encontrava. Na hora que chegamos não conseguimos visitar a irmã de nosso amigo, para não perder a viagem fomos ver como estava a melhor amiga dela, uma linda menina que eu mesmo, com minhas doideiras capixabescas, tinha apelidado de Julia Roberts. No início da noite de sábado eu havia encontrado as duas amigas na Cachaçaria do Tremendão, arrumadíssimas para a tal da festa, o acidente aconteceu na volta. Foi um choque ver a moça ferida com hematomas no rosto e escoriações, um puta contraste com aquela noite em que estavam as duas lindas, alegres e exuberantes.


Nos colocamos ao lado de seu leito hospitalar, Julia Roberts parecia contente de nos ver e a fim de conversar, contou detalhes do que lembrava do acidente, falou da desorientação e do tempo levou para entender o que tinha acontecido. Estávamos os dois de pé ao seu lado, nesse meio tempo notei que Berry estava adernando que nem nau à deriva. Sem dar tempo de pensar, nem chance de reação, o cara afundou de cara na barriga da menina. Fiquei espantado e continuei sem ação, nos entreolhamos e ela falou: o que está acontecendo? Peguei meu amigo pelos cabelos e levantando sua cabeça falei: Berry, você pirou cara? Ele nem me respondeu, seus olhos estavam fora de órbita, virados lá pra trás, o Ligeirinho tinha sofrido um apagão!


Com dificuldade arrastei seu corpo mariamolente até uma poltroninha de visitas, Julia Roberts estava catatônica em cima da cama, a perna imobilizada por uma daquelas amarrações ortopédicas. Estávamos num hospital, mas o gênio aqui ao invés de pedir ajuda, disparou bofetadas na cara desmaiada do Ligeirinho: Plaft! Nesse meio tempo começou a juntar gente, a porta do quarto estava aberta, ou talvez a paciente tenha pedido socorro a alguém, não me lembro mais. Plaft!! O dia virou noite, o sol foi pro além, eu preciso de alguém! Plaft!!! O terceiro bofete finalmente fez efeito. Berry piscou os olhos e me fitou surpreso: Ué cara o quê foi que aconteceu?


Você desmaiou Berry! – Imediatamente me veio a crise de riso, do nada, inexplicável - e o que é pior - imparável (sic). Surgiram aquelas senhoras expeditas (íça!) oferecendo água gelada e suco de laranja. “Tadinho, ele desmaiou”. Tem horas em que esse tipo de solidariedade acaba soando mais como curiosidade mórbida e aumenta o embaraço. Era como se as pessoas esperassem alguma declaração bombástica que finalmente alterasse o tédio de suas existências, como se meu amigo dissesse dramaticamente olhando para as câmeras: estou grávido! Berry piscava os olhos entre surpreso e assustado, aquela auto-rebelião não estava no manual!


Eu seguia rindo que nem um doido, as gargalhadas jorravam estrepitosas, era preciso abandonar o local, antes que fosse mal interpretado, afinal, um grande amigo tinha morrido, as meninas estavam hospitalizadas, Berry tinha “passado mal” e eu estava rindo do quê porra?! Acenei um vergonhoso e risonho adeus à Julia Roberts e saí quase correndo pelo corredor, o Ligeirinho vinha logo atrás tentando me cobrir de porrada: para de rir porra! Para de rir seu mané!! - Não sei dizer o que me fez rir daquele jeito, foi só o “nervoso” me explicaram depois, ou talvez a cena do Ligeirinho caindo por cima da menina tenha me lembrado o filme “Corra que a Polícia vem aí”, sei lá. Foi uma armadilha de minha psique como diriam os “psis” ou simplesmente uma prova de que sou humano, e como estes: às vezes muito doido.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

CORRESPONDÊNCIA ELEKTRÔNICA ZIG-ZAG


Estava procurando umas coisas aqui em casa e me deparei com um texto que fiz em 2003 para a jornalista Veruska Seibel - que na época assinava a coluna Zig-zag – puto da vida que fiquei com uma foto que ela tinha publicado afirmando que homem ligava pra moda, porque a sunga tradicional havia desaparecido nos últimos verões. Resolvi contar pra ela a historinha bacana que segue:


SERÁ A MODA UMA FORMA DE DITADURA?


Não foi com muita alegria que eu e meus colegas da época (a maioria tirados a surfistas) saudamos a chegada da sunga em nossas praias, falo - por quê qui-lo - das sungas anos oitenta e não daquelas geringonças de super-homem que usavam as pessoas mais velhas. Nosso descontentamento vinha - como acontece com adolescentes - carregado de preconceito, porque no início daquela década o Fernando Gabeira apareceu com a famigerada tanguinha considerada trés indecente e, guri, você sabe como é: cheio de paranóia, quer chamar atenção só que sem pagar mico. A maioria da galera compartilhava a opinião de que sunga era coisa de gay e ponto final, o mais indicado para a categoria era o então chamado “calção de surf”.


Foi só pro final dos anos oitenta que acabei aderindo à sunga, por sinal, graças a uma sacação meio sexual que tive. Estava em plena onda de saltar de para-quedas e naquele outono fazia um calor dos diabos. Em dias assim, a piscina do aeroclube da Barra do Jucu virava o “point” onde a galera se reunia. Nos dias de saltos e atividades da equipe rolava também muito churrasco e cerveja, dependendo do estado do motorista era bem mais perigoso voltar dirigindo pra casa (a terceira ponte ainda não havia sido inaugurada) do que efetivamente se jogar de cabeça de um teco-teco em movimento.


Em um desses dias carcomidos pelo tempo, enquanto rolava a maior atividade na piscina do aeroclube, eu estava de fora porque não tinha lembrado de levar o meu calção. Os amigos insistiam pra que eu participasse da bagunça de qualquer jeito.


- Pega um calção ahê emprestado com alguém! - Procurei, mas ninguém tinha. Até que um dos colegas, que estava com a perna engessada, falou:

- Cara, eu sempre trago minha sunga pra dar um mergulho, mas com a perna desse jeito não vai dar mesmo... Se você quiser usar...

- É muito pequena? – Perguntei desconfiado.

- Que nada... - Não pintou outra alternativa, fui no banheiro e vesti a sunga que acabou servindo; porém fiquei que nem menino arteiro depois de aprontar: todo escabreado. Fui chegando junto da galera me sentindo “à vontade” como se estivesse peladão de tudo. Sentei na borda da piscina, perto de uma garota que estava tomando sol estendida em uma canga. Fiquei batendo os pés na água até que falei.

- Cara, tô morrendo de vergonha com essa sunga. – Sem nem mudar a posição da cabeça ela falou.

- Eu achei que você ficou um gato. - Não bastasse o elogio disparado à queima roupa, percebi na fala dela uma onda sexy que nunca tinha me passado pela cabeça de mulher ter, ainda mais pra cima de mim e que reparar e desejar o corpo das pessoas não era bem uma exclusividade da homarada. Obviamente, daí pra frente adotei oficialmente a sunga como “roupa de praia”.


Deixando essas memórias bizarras de lado, vamos dar um salto até o momento em que pintou o tal do sungão.


Quando chegou dezembro de 2002, eu não agüentava mais a encheção de saco de minha mulher contra a minha velha e valente sunginha. Seus argumentos entravam por um ouvido e saíam pelo outro sem a mínima cerimônia. Só resolvi tomar uma atitude mesmo quando outras pessoas começaram a perguntar se aquela sunga não era a mesma de outros anos, etc... Eu, que nunca reparo neste tipo de coisa, achava muito ingênuo que ninguém reparava também. Como estava errado, dei a mão à palmatória e, por mais que a missão não me agradasse, fui às compras em busca de uma substituta à altura da minha velha sunguinha.


Procurando evitar a muvuca do Shopping Vitória, ainda mais em tempos desesperados e aflitos de final de ano, rodei o Centro da Praia, onde, aliás, tinha adquirido a tal da sunga. Fui, inclusive, na mesma loja e o que encontrei? Um tal de Sungão. Uma enorme e colorida coleção de sungas largas e esquisitas que estavam sendo lançadas com estardalhaço. Tomado pelo pânico falei pra vendedora.


- Não tem mais aquelas sungas normais? - Ela pareceu surpresa com minha pergunta, e com um certo ar professoral de indiferença respondeu:

- Não moço. A moda agora é este tipo de sunga. – Atordoado ainda respondi, que nem uma criança em frente a um prato de buchada.

- Mas eu não gosto desses sungão. – Desdenhosamente a moça me lançou uma maldição.

- É moço, você vai ter dificuldades neste verão.


Daí pra frente rodei mais umas dez lojas (boutiques?) atrás de uma sunga pelo menos semelhante à que eu estava acostumado a usar e nada. Só encontrava o diabo do sungão e explicações idem: - Agora a moda é essa. - Fiquei puto. Então é assim? Lançam uma nova moda e o resto que se dane? Aquilo era extremamente grave, quase a volta da ditadura. Já pensou se, por exemplo, aquela moda de homem usar saia tivesse pegado e, de repente, ninguém mais conseguisse comprar calças? O pior era a expressão incrédula estampada na face dos jovens vendedores das lojas que visitei, como se eles não conseguissem me classificar como incrivelmente antiquado, ou simplesmente gay. Não sabiam se o que eu queria era a tanguinha do Gabeira, ou o calção do super-homem. E eu não queria nenhuma das duas coisas.


Finalmente cansei. Já tinha rodado a rua Aleixo Neto toda e não estava mais com saco de procurar nada, estava resolvido a mandar todo mundo cuidar da vida e continuar usando minha boa e velha sunguinha. Foi só com muita insistência de minha mulher (que resolvera fiscalizar a minha “via crucis”) que entrei na última loja, já desenganado, pra fazer a derradeira tentativa. E não é que lá achei uma sunga que me atendeu? Não era tão legal como a outra, mas dava pro gasto. Acho que comprei aquela só pra acabar com o sofrimento, fui vencido pelo cansaço, o que é uma merda para um consumidor nada consumista.


Portanto e mais um pouco, cara jornalista, não se apresse tanto a alardear a volúpia do macho com relação à moda, porque, na verdade, quase todos os que conheço acham comprar roupa um saco! Deveria era se denunciar essa ditadura infeliz, que nos obriga a vestir o que dá na cabeça dos outros como se isso fosse uma coisa muito natural. Espero não ter tomado seu tempo tanto assim (se é que você leu até aqui este textículo), desculpe o desabafo. Quem sabe não nos vemos algum dia destes em Manguinhos? Mas, seguramente, sem sungão!


No dia 24 de fevereiro ela me respondeu com a mensagem acima agradecendo o email, disse que tinha morrido de rir com o texto e que meu comentário ia virar uma nota de resposta... Que eu saiba isso nunca aconteceu. Então para sanar essa injustiça publico aqui na Lektra para deleite de vocês que estão entediados em casa com tanta chuva nesse feriadão desinfeliz.


Beijo do coiso!


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O BARCO DO ROCK NÃO É TITANIC MAS AFUNDA!


“Fomos criados vendo televisão para acreditarmos que um dia seríamos milionários, deuses do cinema e estrelas do rock, mas nós não somos. Devagar vamos aprendendo isso.”


Trecho do filme Clube da Luta


Nos meus dois últimos textos falei de sexo, depois das drogas e agora – pra arrematar – resolvi falar de Rock And Roll. Um tempo atrás eu criticava a forma que a indústria cinematográfica tenta atrair o público feminino usando sempre as mesmas três palavras mágicas: amor, coração e paixão, gênero cinematográfico que um jornalista local classificou carinhosamente de “filme de menininha”. A minha mesmo se derrete toda quando vê um desses “tags” - apesar de minha expressão de tédio – e enquanto eu sacaneava essa onda dela tomei na cabeça uma resposta bem inesperada: “Não vem não, que quando o filme tem Rock no título você também fica doido pra ver”.

Pior que é verdade, nunca tinha parado pra pensar nisso... A gente se faz de esperto, se reveste de um elaborado verniz intelectualóide, mas a indústria cultural existe há muito mais tempo, de maneira que nem nos damos conta de que foram esses mesmo “empresários inescrupulosos” que formaram nossos hábitos – tudo bem que à custa do trabalho de muitos bons artistas – mas de repente me descobri um rebelde de boutique. Ter um gosto, o meu gosto, me faz ser apenas “diferenciado” e para a indústria cultural isso não tem o menor problema: sou só mais um consumidor para o qual ela já estava pronta a atender.


Todo esse longo colóquio introdutório está rolando porque vi ontem o novo filme “O Barco do Rock” - uma produção do mesmo pessoal que fez os deliciosos “Quatro Casamentos e um Funeral” e “Um Lugar Chamado Notting Hill”. Como era de se esperar a película é caprichada e conta com a presença de vários atores de peso, inclusive Philip Seymour, Keneth Branagh e Rhys Ifans que desde sua aparição como “Spike” - o atrapalhado e maluco inquilino do filme Notting Hill – vem nos devendo atuações mais marcantes e convincentes.


Não tem catzo nenhum a ver, mas esse negócio de barco do rock me lembrou daquele Catamaran que ficava no meio do mar da Curva da Jurema, lembram? Fui em uns dois bons roquenrous ali, um dos poucos lugares realmente diferentes para se ir em Vitória. Que fim terá levado?



O Barco do Rock é uma rádio pirata que funciona em um navio atracado no Mar do Norte e, para desespero das autoridades, tinha grande popularidade na sisuda Inglaterra dos anos 60. A Grã-Bretanha vivia o auge de bandas fundamentais para a história do gênero como os Beatles e os Rolling Stones, estes, por sinal, mencionados verbal e musicalmente diversas vezes, diferente do quarteto de Liverpool que, apesar do imenso sucesso, pareceria óbvio demais para a trilha sonora de um filme sobre a rebeldia e a contestação do Status Quo. Amigos: são muitas referências ao longo do filme e, desnecessário dizer, a trilha sonora é deliciosa. O ponto fraco vem do roteiro que parece indeciso na condução do drama e o resultado final é frouxo e indefinido.


Talvez o problema desse filme é que somente a história da rádio pirata não seria suficiente para sustentar a trama de um longa-metragem, então vêm os tradicionais dramas paralelos: falta de mulher do homem embarcado, adolescente que não sabe quem é o próprio pai e prestes a perder a virgindade, o cara do governo que é malvadão e caricato. Enfim, temas recorrentes no cinema e que no final soam desgastados e ingênuos para o público de roqueiros maduros ao qual se destina. Antes que eu esqueça, essa coisa do menino no meio da bagunça dos marmanjos roqueiros me lembrou de cara o ótimo “Quase Famosos”, que surfa em ondas bastante semelhantes à dessa produção, só que com mais sucesso.


Faltou ao Barco do Rock pelo menos uma personagem central carismática que justificasse o tanto de gente boa trabalhando no filme, a sensação ao final é de desperdício de talento. Todos papéis são equilibrados demais e por isso ninguém se destaca pro bom ou pro ruim, no final fica aquela sensação de leite morno. As revelações e os desfechos vão sendo cozinhados, mas acontecem sem surpresas, viram anti-clímax. As músicas – classificar de ótimas seria pouco, como já disse – não refletem muito bem a trama ou o drama de um personagem, como acontece tão naturalmente em Notting Hill, isso só para dar um exemplo. Enfim, o filme é tudo o que poderia ser e não é...


É um filme de Rock antes de tudo, uma homenagem a esse gênero musical que revolucionou o mundo certinho dos ingleses, porém soa oportunista como o lançamento de uma boa coletânea de músicas dos anos sessenta e muito pouco mais do que isso. Compare com o fundamental “A Festa Nunca Termina” que narra a história da cena de Manchester e você vai entender melhor a diferença. Minha garota acertou, sou um fanático por rock mesmo e caio que nem um patinho toda vez que vejo a lingüinha do Rolling Stones ou a placa da Route 66, o problema é descobrir que eu também fui criado pela televisão acreditando que seria um astro do roquenrou e que por mais que critique a indústria cultural de uma forma ou de outra estarei sempre inserido em seu contexto, pensando dentro de uma bolha, e isso também vale para você que se deu ao trabalho de me ler até aqui.


No filme O Clube da Luta tem também uma outra frase muito boa que nos leva a várias reflexões: “as coisas que você possui acabam te possuindo.” Pegando esse gancho eu pergunto: até onde somos o que pensamos ser porque fomos criados para ser assim? Ou melhor: se percebemos que não somos exatamente aquilo que a sociedade que nos criou nos fez acreditar ser, então o que somos e o que verdadeiramente precisamos para sermos felizes? Essas são perguntas muito boas não é? Começo então a entender o porque de tanta gente gostar de apanhar ou precisar se drogar para viver a vida... É que no final tudo se resume a drogas, sexo e rock and roll.


terça-feira, 27 de outubro de 2009

POR QUÊ PRECISAMOS TANTO DAS DROGAS?


Vejo as notícias escabrosas sobre o uso das drogas, desde que me entendo por gente isso é assim. Um rapaz matou uma amiga, ele era um “nóia”, é como chamam agora os viciados em crack, o pai dele deu uma entrevista dizendo que o problema é o álcool, porque é permitido e serve como porta de entrada para os outros vícios. Um prefeito foi preso no interior de Minas comprando drogas, não bastasse isso, pra alegria da imprensa e dos blogueiros de babados, o homem estava na companhia não de um, nem dois, nem três, mas quatro travestis! Isso é o que eu chamo de sede de poder!

O problema das drogas só vai poder ser compreendido quando começarmos a fazer a pergunta certa com relação ao assunto: por que é que o ser humano precisa tanto das drogas? E também, por que é tão hipócrita com relação ao alheio? Já reparou que no trabalho todos têm a tendência a se sentir sobrecarregados e a pensar que os outros não fazem nada, que só ele está carregando a empresa nas costas? Ninguém se coloca no lugar do outro, querem aceitação e a compreensão de todos, mas dificilmente pagam na mesma moeda.

Conheço muita gente dita “careta” – inclusive muito preconceituosa com o resto - que vive à base de calmantes e antidepressivos. O quê é isso senão Droga?! Dizem que Elvis Presley era assim e que morreu por conta dos excessos autorizados por um médico inescrupuloso, como parece ter sido o fim de Michael Jackson. O Rei do Rock nunca se considerou um drogado - segundo os mais íntimos ele abominava álcool, maconha e outros tipos de drogas – se considerava um doente e era mesmo, doente desse mal que aflige uma imensa maioria das pessoas: a dor de estar vivo.

Enquanto não descobrirmos o que é essa paranóia compulsiva e auto-destrutiva não vai haver paz, enquanto essa pergunta não for respondida: por que somos assim? O que atrapalha e sempre desviou o foco foi a tendência hipócrita a se simplificar o assunto: “Fulano é assim por falta de Deus no coração!” E, realmente, as religiões acabam sendo importantes para ajudar as pessoas a saírem do vício, mas não responde a pergunta realmente de maneira que sua proposta funciona para uns e para outros não, sem falar que nessa muitos recaem ou trocam seus vícios por coisa até pior e ainda mais destrutiva.

Outro costume muito difundido é culpar a criação, mas quem tem filhos – e eu não os tenho - sabe que mesmo os criando da mesma maneira, eles serão do jeito que escolherem ser, terão defeitos e qualidades diferentes, viverão apesar da criação que tiveram e não por causa dela. Tanto é que vemos pessoas de todas as classes sociais, raças e religiões envolvidos com problemas emocionais e, eventualmente, precisando usar droga e eu acho que é aí que está o ponto crucial, exatamente o que vem sendo negligenciado ao longo dos anos: o usuário de droga precisa se drogar! Parece óbvio, mas não o é tanto assim...

Não conheço ninguém que goste de tomar remédio, mas olha como tem! O tal do Rivotril é mais fácil de encontrar na bolsa das madames do que baton ou chocolate, um amigo chama essas drogas de pílulas da alegria, sem elas fica difícil viver. Ora essa: por quê? Vaidade, competição, ansiedade, mundo veloz, globalização... medo! Vivemos nos anestesiando para o dia seguinte, porque o momento presente nos esmaga com o peso do mundo e da responsabilidade. Pior ainda, não nos ajudamos, vivemos incentivados a habitar em nossa célula, cuidando de nossa vida, pagando nossas contas e rezando para estar tudo certo. Ninguém agüenta viver assim por muito tempo sem precisar de um negocinho...

Abre o olho raça humana. Pegue esse monte de cursos e palestras motivacionais que te enchem de mais ansiedade ainda e chuta que é macumba! Ninguém precisa vencer, vender, nem ser melhor de nada não! Estar vivo é um caso a ser explicado, não se preocupe em “aproveitar o dia”, deixe a vida acontecer. Sabe aquele sonho de viajar para o exterior? Mande pro espaço! Sabe aquele carro, aquela casa, aquele som, aquela roupa? Mande pro diabo que te carregue! E, finalmente: sabe aquele grande amor que te faz, fez e fará sofrer? Procure bem lá dentro de você...

Nós nascemos em bom estado, não saber usar o brinquedo é que estraga a brincadeira.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

AMORES ESTRANHOS EM TRÊS MOVIMENTOS


1 Allegro Mordaz:


Ela queria que eu mordesse a sua cabeça porque dizia que aquilo a excitava...


Na primeira vez que íamos transar, ela saiu do quarto exibindo um sorriso confiante, logo pude ouvir o som do chuveiro e uma tênue diminuição da luminosidade quando a resistência da ducha entrou em ação. Aproveitei para colocar pra tocar o disco com a trilha sonora de nosso romance, uma canção melosa da banda Eurithmics.


Ela voltou enrolada em uma toalha, deitou de costas na cama e me olhando inexpressivamente desembrulhou o corpo, revelando-se completamente nua, era como se dissesse: olha aqui o presentão que eu trouxe pra você: pode deitar e rolar. Estávamos embalados em uma paixão furiosa, autofágica, meteórica. O ato sexual – especialmente o que faríamos naquele instante – significou a “sagração de nossa primavera”. O gelo derretendo, o fim do longo e tenebroso inverno, a retomada da vida sentimental.


Gostava de ficar de quatro, jogava a cabeleira loira para trás empinando os quadris num gesto estudado e, talvez por isso mesmo, mecânico - como as garotas da televisão: provocante e vazia – depois pedia agoniada: morde a minha cabeça! Era uma ordem estranha e, sobretudo, difícil de cumprir!


Depois de tudo ela se embolou forte em meu corpo e chorou mansinho, um choro aliviado, feliz. Era como se aquela bela cerimônia sexual pusesse fim a uma longa maldição, praga de feiticeiras, macumba, e que lhe era permitido gozar outra vez a plenitude infinita de um simples amor.


O problema é que ela não gostava de sexo, apenas autorizava a sua realização porque vinha embutido num pacote de benefícios que na época a interessava: marido, lar, família, status social etc. O esperma a enojava, tomava longos banhos após o ato sexual, queria arrancar uma misteriosa culpa de dentro da própria cabeça a dentadas, drama que nada tinha a ver comigo: era ela e seu passado sombrio e um incerto sopro de insanidade que ameaçava tomar conta...


2 Adágio Verborrágico:


O negócio da “Santinha”, uma namoradinha evangélica que tive, era destrambelhar a falar durante a transa. Muito antes de nosso singelo barco do amor cruzar valentemente o oceano ela já disparava o discurso contraditório: “não, não, você não pode, não pode!” A respiração aprofundava, as frases se tornavam mais entrecortadas e rápidas, as palavras ganhavam aspectos dramáticos e excitados: “Você quer, você quer não quer? Quer colocar um filho nessa barriga?” E alisava o ventre com as duas mãos enquanto resfolegava e apitava que nem um trem de doido. Eu estava apoiado nos dois braços, remando firme a baiúca; ela, esparramada e rebelde, sentia o gozo queimando sua alma no inferno, daí gingava pra cá, gingava pra lá, fugindo das deliciosas estocadas do pecado. Pra mim ela estava apenas dando o seu jeito criativo de prolongar a brincadeira: “Não! Não! Eu não posso, isso não está certo. Isso é prostituição!”


Porra! - Pensei. - Eu não estou pagando nada!


Só depois de muito custo, rebolado e negociação é que a “Santinha” se entregava inteiramente ao prazer, mas nem por isso deixava de irradiar a peleja: “Tá entrando tudo, tá entrando tudo, ai, ai! Sim, sim, você pode, você pode! Vai logo seu cachorro. Acaba com isso de uma vez!” Na hora do gozo ela ainda gritava: “Aperta! Aperta!” Sem nunca me dar sequer uma pista do que diabos eu deveria apertar...


3 Presto Ma Non Troppo:


Ela montou em minha pélvis apressada como se tivesse medo que eu pudesse escapar ou algo assim. Ajeitou o corpo com destreza e rapidamente cavalgava a rédea solta, balançando a cabeleira castanha. Então se jogou sobre meu tórax, chegou bem perto de meu rosto e pediu num sussurro: “Me dá uns tapas vai...” Respondi que apesar de meu jeitão confiante de homem maduro e experiente nunca tinha batido em uma mulher e perguntei: “Como é que você quer que eu faça isso?” Erguendo-se novamente sobre a sela colocou carinhosamente as duas mãos em meu rosto e afastando a direita vibrou a bofetada. “Ah... Entendi.” Sorrindo a amazona voltou a trotar, na espera ofegante do que se seguiu. Plaft! Seu rosto foi projetado para o lado, através da cabeleira pude ver um sorriso de prazer, daí mandei outra, outra e mais outra. Assim foi noite à dentro...


No elevador ela sorria satisfeita e feliz. Verificando a maquiagem notou que as maçãs do rosto apresentavam uma coloração muito mais rosada do que o normal. - “Olha só o que você fez comigo.” - Respondi divertido que a vermelhidão lhe emprestava um aspecto mais saudável, afinal estávamos em pleno inverno nada rigoroso dos capixabas. - “Quero só ver o que vou dizer quando chegar em casa.” - Imagine só, depois de tudo, se preocupar com um detalhe besta desses, mas a tranquilizei com o melhor da sabedoria popular: - “O pior que pode te acontecer agora, querida, é levar uns tapas e isso... Você aguenta...”


terça-feira, 20 de outubro de 2009

VOVÓ VOLÚPIA VOLTA A ATACAR!


Nos gloriosos e misteriosos anos oitenta apareceu em Vitória a figura da Vovó Volúpia, uma coluna sobre cultura pop, talvez a primeira daqui a ser publicada em um jornal de circulação diária. A autora era Fernanda Magalhães, que – como sugere o nome de seu espaço - exibia um estilo todo próprio e bem humorado para veicular suas notícias, a Vovó Volúpia era uma delícia. Com a morte trágica de nossa mãe - o Magalhães vem de nossa ligação cartorial - a escritora não só abandonou as letras, mas também a fortificada ilhota dos irmãos “roça de milho” e foi apaulistanizar a vida. Ganhei eu um posto de observação avançado dentro da maior megalópole cultural latina, porém a nação botocuda saiu perdendo e ainda faz de conta que não sente a sua falta.


Fico besta com o descaso que tratamos nossos potenciais escritores e poetas, a grande maioria aqui hoje dá a notícia, mas não filosofa os fatos, fosse assim teria necessariamente que criticar o Status Quo – não confunda com a banda britânica de hard rock anos 60 – e comprar uma briga contra gente poderosa que não aceita, e muito menos, perdoa críticas. Uma aluna me contou, por exemplo, do falecimento do poeta Miguel Marvilla, agora no último dia 10 de outubro... Não me lembro de ter visto nada na imprensa local – falo especialmente da Internet, porque não leio mais os jornais de papel – lembro do livro “Os Mortos Estão No Living” que Miguel publicou em 1988 com sucesso – hoje em sua terceira edição - e que foi adotado nos vestibulares em 2007 e 2009. Em seu blog que tem o mesmo nome de seu livro mais famoso, o autor se apresenta assim:


“Poeta usado, safra 1959, ainda em razoável estado de conservação. Proprietário de quase nada, a não ser uma penca de cedês, devedês e livros, todos lidos, vistos, ouvidos, não necessariamente nessa ordem, e de uma alma ampla e arejada, com vista apenas para coisas boas. Mestre em História Antiga pela Ufes, por puro prazer. Autor de um bocado de livros de poesia: “Dédalo”, “Sonetos da despaixão”, “Tanto amar”, “Lição de labirinto”, por exemplo. Não se culpe por não conhecê-los: foram publicados quando vc ainda era criança — se bem que Shakespeare foi publicado bem antes e vc conhece... “Os mortos estão no living”, é meu único, até agora, livro de contos e foi adotado pela Ufes para os vestibulares de 2007-2009, razão por que estamos aqui, você e eu. Em 2007, publiquei “O Império Romano e o Reino dos Céus” — a criação da imagem sagrada do imperador em “De laudibus Constantini”, de Eusébio de Cesaréia (século IV d.C.), em que discuto a formação da “basileia” em termos cristãos (parece grego? É grego — o inglês do século IV). Para 2008, “Beleléu e adjacências” (romance), "Estranhos companheiros" (poesia) e “Zoo-ilógico”, poesia para crianças (inclusive as que já cresceram).”


Recomendo conhecer o blog deste nosso poeta, antes que nos esqueçamos de sua presença, ora, se tantas vezes esquecemos de nós mesmos! http://mortosnoliving.blogspot.com/


Mas voltando a falar da Vovó Volúpia quero compartilhar com vocês uma historinha lisboeta que ela me mandou, estudiosa e admiradora que é das prosopopéias do colonizador lusitano, esse ser paracoisado que nos antecedeu e que até hoje nos permeia... Boa leitura. Volta Vovó Volúpia! Cria um blog pra você!


Gentemmm,


Acontece cada história em Portugal! O relato da reportagem tá meio confuso, mas a história toda é inacreditável! Mário Gomes, coitado, fez escola. Beijos! (aqui a Vovó faz referência a um fato escabroso dos anos oitenta quando o ator deu entrada em um pronto-socorro do Rio com uma cenoura entalada... Bem, lá onde vocês estão aí pensando com suas mentes poluídas. Conta a lenda que o incidente teria se originado na vingança de um marido traído que contratou uns capangas para colocar o cara nessa situação, a intenção era humilhar publicamente seu desafeto e deu certo pra chuchu, ou melhor, pra cenoura).

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Covilhã: Pastor sodomizado por patrões relata 48 horas de sofrimento


“Abusaram de mim porque sabia demais”


"Nunca assediei a patroa. Fui despedido e eles abusaram de mim porque sabia demais sobre ela." É desta forma que Luís Pereira, o pastor de 56 anos sodomizado com uma cenoura pelos patrões, começa o relato das piores 48 horas da sua vida. Nu e ensanguentado, dormiu em palheiros e, sem se aperceber, fez quase 100 quilómetros a pé.


'Fui despedido pela Olga a 12 de Maio, terça-feira. Na quinta-feira o Tó [patrão] ligou-me a pedir para regressar. No sábado apanhei o comboio de Lisboa e, pelas 19h00, estava em Castelo Branco, onde o Tó me esperava. Como era noite, nem me apercebi que não estávamos a ir para Rebelhos [Sabugal]. A dada altura parou para urinar. Quando voltou abriu a porta do meu lado e deu-me dois socos', recorda o pastor. 'Atirou--me para o chão e sentou-se em cima de mim a bater-me. Depois gritou ‘Olga, traz as cordas e a mordaça.' Foi nesta altura que a patroa saiu da parte de trás da carrinha.


Atado e amordaçado, Luís Pereira conta que viu a sua roupa ser 'cortada à navalhada' e só pensou 'na Nossa Senhora de Fátima' quando ouviu o patrão a dizer para a mulher: 'Olga, traz a cenoura.'


Quase inconsciente, foi abandonado na serra, a cinco quilómetros da aldeia mais próxima, Foz do Cobrão. 'Andei até lá e bati às portas a pedir ajuda, mas ninguém me abriu. Acabei por encontrar um palheiro e estendi-me lá, mas não dormi com medo. Só de manhã é que um casal de agricultores se dispôs a ajudar-me com roupa e comida. Só não tinham como me levar a Castelo Branco. Por isso, fui a pé.' Caminhou pelo IC2 até chegar, 'quase noite', à cidade.


'Fui à PSP e disseram que o caso seria da GNR. Andei até ao posto e o praça disse que nada podia fazer por estar sozinho. Fui até Rebelhos, único sítio onde conhecia alguém. Grande parte fiz a pé e dormi outra vez num palheiro, tive a sorte de apanhar duas boleias.'


Chegou à terra onde trabalhara quatro anos pelas 20h30 de segunda-feira e foi ajudado pelos donos de um café, 'por acaso são familiares do Tó e da Olga. Aí, comi e dormi. Deram-me uns sapatos, que os outros já não serviam.' No dia seguinte, 19 de Maio, voltou a casa, no Seixal. Um juiz soltou o casal, detido na última semana pela PJ.

domingo, 18 de outubro de 2009

MISSÃO DADA É MISSÃO COMPRIDA!


Quinta passada apresentei um evento sacudido que teve como atração principal uma palestra “motivacional” com o Secretário de Segurança Pública de São Gonçalo, uma das cidades mais violentas do Rio de Janeiro. Bom, mas o palestrante não era qualquer um, era nada mais nada menos que o “Capitão Caveira” Paulo Storani, do famigerado BOPE (Batalhão de Operações Especiais) e um dos principais colaboradores da equipe que realizou o controvertido filme Tropa de Elite. Storani se envolveu na produção desde a concepção do roteiro, dando entrevistas, contando suas lembranças e as histórias mais marcantes do período em que atuou em situações críticas de violência no Rio.


Quando Zé Padilha estava com sua produção em fase de preparação, Storani foi convidado para colaborar, desta vez realizando a seleção e treinamento dos atores que iam participar das filmagens, seguindo sua linha dura adotou os mesmos padrões que estava habituado. Perguntado sobre qual atores ele achava que deveriam ser chamados respondeu: divulgue que haverá a seleção e vamos ver o que aparece. Para entrar no BOPE o aspirante não é convidado, é voluntário e selecionado entre os que se candidataram à vaga. Com o filme foi da mesma forma que a coisa se deu.


Mais de oitenta atores apareceram para se candidatar às filmagens, o jeito foi peneirar. Storani mandou divulgar aos interessados que haveria um programa de treinamento nos moldes do BOPE - duríssimo - e que as filmagens aconteceriam nas favelas ocupadas pelo tráfico, geralmente de madrugada e que não haveria moleza para senhor ninguém. Debandou a maioria, ficaram 24 aspirantes e destes somente 21 chegariam a participar realmente das filmagens. Ainda bem, porque o número anterior estava mais para a tropa do BOFE de Elite do que qualquer outra coisa!


Nesse meio tempo Wagner Moura - então estrelando a principal novela da Globo - pediu para ler o roteiro e retornou dizendo que queria o papel do Capitão Nascimento. Pelo que entendi na fala de Storani, a equipe ficou lisonjeada com o interesse do ator de maior exposição na televisão nacional, mesmo após saber das regras espartanas que a produção impunha. A presença de Wagner foi vista como certeza de sucesso junto ao povão, especialmente o feminino. O treinamento aconteceu em duas semanas numa propriedade no interior do Rio de Janeiro, região de montanha, inverno. Não houve regalias para ninguém, todos iam e voltavam juntos diariamente em um mesmo ônibus, faziam as refeições em grupo e no treinamento não houve moleza nem exceções à regra. Três atores acabaram abandonando o projeto ainda durante esse treinamento: dois “pediram pra sair” e um teve que ser desligado. Essa foi a história que eu achei mais interessante.


Storani disse que esse ator era um cara de excelente compleição física, porém, errava os exercícios com tanta convicção que induzia quem estava perto ao erro também. Ora, as ratas eram punidas com flexões, corridas e mergulhos numa piscina de água gelada. Logo estavam todos encharcados por causa do “Rambo” desligado e passaram a o evitar. Na volta do treinamento o galerão no ônibus zoou o colega, já colocando em prática a pressão e os ensinamentos aprendidos que despreza os frascos e os comprimidos e persegue implacavelmente um ideal que está para além do melhor impossível. Lá pelas tantas o cara ficou puto e mandou o motorista parar o ônibus em São Conrado desafiando os companheiros a descer e invadir junto com ele a Favela da Rocinha, ante a surpresa e a indecisão de todos saiu desembestado em meio aos carros, chatomóveis, e se embrenhou na favela de selva atrás da Chita ou talvez da banana do Tarzan.


No dia seguinte o maluco não apareceu para treinar, foi encontrado em Copacabana correndo atrás de uma viatura da Polícia Militar, obrigou os policiais a pararem o carro, assumiu posição de sentido e entoou a canção do BOPE. A produção do filme foi informada do problema, foram lá buscar o renegado. Ao chegar na área de treinamento o maluco colocou o uniforme e se jogou na água, perguntado porque estava molhado ele disse que já estava se punindo por antecipação. Resumindo: saiu de lá direto para alguma clínica psiquiátrica. Quando Storani contou essa história, não sei porque, lembrei daquele biruta que participou do programa A Fazenda, Theo sei-lá-das-quantas.


Como eu disse o Capitão Storani é um cara pilhado e exigente, parece um Bernardinho militarizado, nada está bom, tudo pode ser melhorado. E foi aí que eu percebi a confirmação de uma impressão que tive quando vi Tropa de Elite: Wagner Moura não era o cara para aquele papel. Todo ser humano tem suas limitações, o fato de um ator não se adequar a uma personagem/pessoa não é culpa dele é só que, às vezes, uma certa pegada é necessária e a forma de se evitar isso é na seleção. Mas como rejeitar um ator hiper famoso e que participou dos treinamentos, não se portando como o astro global que todos temiam?


O Capitão foi só elogios à pessoa do Wagner Moura: um baiano excelente, muito bem fisicamente, um sujeito humilde; ocorre que para dar vida ao Capitão Nascimento é preciso muito mais do que aprender a manejar um fuzil e fazer cara de mau. Wagner Moura se revelou um cara muito zen e, pra piorar, estava super feliz porque tinha acabado de ser pai, abraçando todo mundo com os olhos cheios d’água. Storani pensou: “arrumamos um problema” e passou o recado pra produção. Mas fazer o quê? Mandar o astro do filme ir embora? Resolveram arrancar a fórceps/psicológicos uma espécie de Capitão Nascimento de dentro daquele monge budista.


Trancaram o ator com o Capitão Storani em uma sala e este caiu matando no que ele chamou de pressão psicológica, precisava descobrir se algo irritava aquele baiano pasmaceiro. O Capitão Nascimento era uma personagem de pavio curto, uma pessoa que acorda sem saber se vai chegar vivo ao final do dia, Wagner era só felicidade. O resultado dessa sessão de terapia ficou famoso, o ator explodiu com um murro e quebrou o nariz de seu treinador que enfim se deu por satisfeito: Nasceu o Capitão Nascimento! O diretor do filme ficou preocupado, Storani tinha machucado a mão do astro: o que o sindicato dos atores ia dizer? Enquanto isso o Capitão respondia: pô bicho meu nariz tá quebrado...


Fazer um homem pacato explodir em um acesso de fúria é algo possível, mas transformá-lo em um militar, um soldado belicoso obcecado com o cumprimento de sua missão, é outro papo. O que vemos na maioria dos filmes de ação são caricaturas grosseiras de homens invencíveis, os Rambos e G.I. Joes. A performance do protagonista de Tropa de Elite não arruinou seu resultado, longe disso, mas minha intuição diz que, como eu, Storani teria convocado outro soldado para cumprir a missão dada. Boa mesmo foi a palestra do Capitão, porém a sua motivação não vai ao encontro do desejo de todos hoje: mais do que estarmos preparados para essa terrível guerra civil, queremos a paz. Isso sim é que é missão difícil de se realizar, basta ver o que acontece no Rio agora...