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sábado, 20 de dezembro de 2008

QATRO ANOS VELOZES E CURIOSOS

Ontem era a tarde de primeiro de janeiro, a cidade estava em polvorosa. Tinha muitas razões para aquele vuco-vuco, além, obviamente, da festa de passagem do ano. Que horas será que eu acordei? Não sei, nem faço idéia. Fato é que estava no lugar certo, na hora em que tinha que estar. De terno e gravata, embrulhado pra presente de grego, pelo menos não usava colete à prova de balas, acreditem, teve quem precisasse.

Teve também quem nem imaginava de precisar, mas tombou baleado, antes de assumir seu cargo como vereador. Não sei se por causa das flores, mas sempre achei atmosfera de velório uma coisa sufocante, talvez eu tenha ido a muitos enterros de gente conhecida... Bem fazia calor naquele final de tarde e isso conta muito também, quando falamos em clima sufocante me vêm à memória lembranças daquele dia.

A viúva aparentava tranqüilidade e auto-controle, o que gerou comentários maldosos, nessas horas as multidões querem ver familiares se desgrenhando desesperados, gritos de revolta, crises de choro, interpretaram seu torpor como torpeza. A pessoa não tem nem o direito de ficar chocada e no final das contas: não reagir é também uma forma de reação. No livro O Estrangeiro, Camus coloca o personagem principal numa situação dessas, testemunhas da tranqüilidade perante a morte de sua mãe interpretam-no como um homem sem sentimentos.

Coisa parecida acontece com a música e com as artes em geral, o povo adora istrionismos e exibições esgueladas de trincar cristal, quem já foi num encontro de seresteiros amadores sabe bem do que estou falando. Até no teatro, quem exagera aparece mais e o pessoal acha mais fera. Nossa sociedade hedonista valoriza a grandiloqüência e a histeria em detrimento da naturalidade e muitas vezes da realidade também, é como a “Paz do Senhor” dos assembleianos sobre a qual já até escrevi.

A posse dos novos vereadores transformou-se num tumulto, não bastasse a solenidade em si ainda havia a comoção popular. Não, é claro que aquele assassinato não iria dar em nada nunca, esse tipo de coisa já se tornou uma rotina no Espírito Santo. Como o ambiente da Câmara Municipal onde acontecia a posse dos vereadores e do prefeito era muito pequeno, armou-se um grande palco do lado de fora para o discurso das principais autoridades.

Acreditem ou não, depois de toda a confusão acontecida até aquele momento, na hora de começar o evento principal acabou, sumiu, faltou energia elétrica! Não, não foi sabotagem de algum mau perdedor, foi um baita de um blecaute, um apagão que deixou a região sudeste inteira sem luz. De cima do palco de uns dois metros e meio de altura resolveu-se fazer a cerimônia no gogó mesmo, lá embaixo espremiam-se umas duas centenas de pessoas que só aquietaram para poder ouvir os discursos.

Não lembro quase nada do que se falou naquele início de noite sufocantemente quente, discurso é recitação de um repertório, se você assistir sua banda favorita tocar cinco vezes toda semana, depois da terceira vez já não vai escutar mais nada. Mas teve a gafe cometida pelo Vice-Prefeito que, vindo de um mandato na câmara municipal, na hora de falar se enrolou e disse que tomava posse como “Vice-Vereador”. Maurício Gorza era useiro e vezeiro dessas emboladas, o povo de Vila Velha tem o apelido de Canela Verde e em uma de suas falas ele ainda se dirigiria ao povo o chamando de Canela-velha.

Foram quatro anos velozes e curiosos, parecia tão distante esse 2009 e agora está ali na outra esquina. Imagine desenvolver um trabalho por tantos e tantos meses, montar uma equipe, aprender com erros e acertos, seus e de outras pessoas e quando está tudo azeitado e funcionando perfeitamente o seu tempo acaba! É de deixar qualquer um doido. Sem falar que lugar de trabalho é uma coisa que encroa na gente, você se apega às pessoas, à sua mesa que não é sua, o computador que é muito menos e tem que aceitar e entender numa boa que o prazo de validade é esse mesmo.

Quantos eventos foram feitos ao longo desses anos? Os que acusavam Max Filho de não trabalhar – como o curioso personagem Jardel dos Idosos – só falavam isso porque não trabalhavam com ele. Lembrando dessa figura esquizóide da política Canela Verde, de cara me vem à mente a ocasião em que ele invadiu o evento de entrega das obras de reforma da Rodovia Darly Santos a fim de “protestar”. Lembro bem do momento em que a música do trio elétrico foi se aproximando e atrapalhando a cerimônia, então o vi sentado na carona já de microfone em punho lançando ameaçadores olhares de "fera ferida" a todos.

Por ser um evento do Governo Estadual eu não estava envolvido diretamente na cerimônia, mas os responsáveis pela organização – meus queridos amigos Lucia Nascimento, Eduardo Santos e outros - me pediram para ajudar a reconhecer as autoridades locais, então fiquei bem na cena do crime. Tenho uma foto em que aparece o pau quebrando embaixo logo à frente da mesa, alguns dos principais políticos do estado com expressões espantadas e eu, lá atrás, rachando o bico. Na época até tive medo de ser advertido por minha “falta de decoro” perante tamanha fuzarca.

Mas Jardel conseguiu chamar atenção, nessa arte ele é um mestre. Com essas suas extravagâncias conseguiu até se eleger deputado, é o que eu já falava mais acima, nesse culto ao escândalo ao invés de se queimar o cara cresce. Quando cheguei em casa sua figura debutava nos principais canais de televisão, dizendo que tinha apanhado até de mulher. Devo acrescentar que muitas delas estavam bem acima dos sessenta anos, o que foi uma espécie de forra dos idosos, uma coisa kármica. O mais engraçado de tudo é que, caído no chão tomando bordoada de tudo quanto era lado, o cara xingava suas agressoras de “viadas” (Suas viadas, suas viadas!) Isso lá é xingamento que se faça? É como querer ofender um cara qualquer chamando de “sapatão” (?) Ou não, enfim, nem sei.

Mas então, o tempo passou, a barriga de Isabel cresceu... Rarararara! Queria poder dizer tudo, mas como resumir tantos anos em poucos parágrafos? Sei que o Brasileiro é mais esperto do que Nietzche, quando cunhou a expressão: o que não mata engorda. Sim, porque aquilo que não nos mata nos torna mais fortes. Com essa minha experiência no serviço público aprendi que o mais importante permanece sendo a fidelidade e os laços afetivos. Estranhei muito o jeito de condução das coisas, tão diferente do mercado em que eu atuava antes. Na política muitos têm a tendência a dizer sim, mas esse sinal verde tem a força de um amarelo. Interpretar essas variantes entre solo firme ou areia movediça é uma arte também, mas quem disse que no resto do universo existencial não é diferente?

Tome por exemplo as estéreis lutas de poder dentro de insignificantes grupos religiosos, muitas vezes são brigas infernais apenas pra mostrar quem é que manda, não têm nada de real valor em jogo. O mundo é político. Outra coisa que aprendi é que se não aceitarmos a responsabilidade pela gestão de nossos interesses, abriremos espaço para os que têm muito interesse em decidir as coisas por nós. Confesso, entrementes, que ainda não consegui me tornar politicamente responsável, estou até trabalhando isso com minha analista, a Dona Bohemia – aqui me tens de regresso - mas ainda não consegui tomar parte nem das reuniões do condomínio onde moro.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

"NOITE FELIZ" AUTO DE NATAL


Tô aqui lembrando como é que eu comecei a sentar o dedo na Letra Elektrônica, foi há uns seis meses atrás, naquele dia dos namorados. Fomos jantar no tal do Zé da Pizza e o cara tava fazendo uma "promoção", cobrando cinqüenta “real” o cabeção, porque antes do crack da bolsa podia-se tomar dessas liberdades. Neste último domingo estivemos também numa abominável, porque estrambótica, Estância no Vale do Moxuara que me fez lembrar aborrecimentos passados, mas prometi não escrever a respeito até as mordidas (picadas?) de borrachudo pararem de coçar.

O Zé da Pizza proíbe criança de entrar em seu estabelecimento e agora me ocorre que, ao invés de ter me espanado de lá, aquele barbudo mal humorado devia ter era me barrado, afinal, não tenho a menor mentalidade. Por falar nisso, já dizia São Manuel Bandeira: Deus conserve as minhas criancices! Mas das coisas ruins podemos tirar boas experiências, pensando nisso: será que alguém já montou um blog com o nome de Síndrome da Pollyana? Digo isso porque depois de não comer a pizza que o Zé amassou, fiz um texto esculhambante e enviei para todos meus amigos, não demorou e alguns começaram a me intimar a escrever com regularidade, então aqui estou de novo e a culpa é de vocês.

Mas desta vez tô chegando em cima da hora pra fazer um convite à essa juventude semi-nova de retina descolada, esses filhotes da década perdida e seus rebentos, demais familiares e amigos. Na despedida de 2008 e também de oito anos de administração do Prefeito Max Filho teremos muitos eventos acontecendo na cidade de Vila Velha, destes quero destacar a apresentação do Auto de Natal intitulado “Noite Feliz”. A peça tem texto e direção de Alvarito Mendes Filho, Secretário Municipal de Cultura e, como o nome já diz, é uma adaptação da tradicional história do nascimento de Cristo.

O elenco do Auto de Natal é praticamente composto por servidores da Prefeitura de Vila Velha, eu mesmo participo como São José, Dona Sirlene Juffo faz o papel de Isabel, entre outros atores amadores e profissionais que voluntariamente colaboram para a realização desta singela encenação natalina. O Auto é uma adaptação livre, coloquial e atual da história que está na bíblia: tem o presépio com José, Maria e Jesus no Estábulo, os Reis Magos, Herodes e até uma linda árvore de natal humana, culminando com a chegada do Papai Noel. Há coisa de uns três anos atrás (vide foto) foi encenado na mesma Praça Duque de Caxias com enorme sucesso.

Confesso que, todas as vezes em que participo do Auto de Natal, tenho uma enorme vontade de transformar essa história em comédia, fico sempre imaginando uma situação engraçada, ou uma maneira de surpreender o público com alguma tirada de non sense. Felizmente, nenhuma das minhas idéias iconoclastas (blasfemas diriam alguns) foi aceita pelo diretor. Quem sabe algum dia eu não peço autorização a Alvarito e monto uma versão cômica da peça? Pena que os católicos geralmente não vejam com tanto bom humor as piadas feitas em relação às coisas consideradas santas e espiritualizadas. Eu sempre achei que ter espírito e ser engraçado eram coisas semelhantes. Mas quem sou eu pra achar alguma coisa? Então vamos lá prestigiar o trabalho desse seu amigo e seus coleguinhas, é um programa muito bacana pra se levar especialmente aquela criança feliz que quebrou o nariz, foi pro hospital tomar Sonrisal...

“NOITE FELIZ” AUTO DE NATAL
Texto e Direção de Alvarito Mendes Filho

Onde: Praça Duque de Caxias
Centro de Vila Velha-ES
Datas: 19 e 20 de dezembro
Horário: Sempre às 20 horas
Entrada Franca.

Elenco: Vanussa Andrade, Juca Magalhães, Marcelo Zan, Ilma Capaz, Carina Tonassi, Mayara Bacelar, Hingridy Fassarela, Wellington Suisso e Sirlene Juffo (servidores da prefeitura de Vila Velha), Mariana Veiga, Jocleiton Oliveira, Claudia Gomes, Alexandre Toster, Thiago Mothé Guimarães e Edwaldo Almeida.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O INFERNO SÃO OS OUTROS!

Mudança de nome e de visual no blog, já é a enésima vez que a poeira me incomoda, a cultura rocker passa por algo do gênero, vai ver a blogger também. Por essas e por outras escolhi uma fotinha semi-nova pra ilustrar a cabeça da parada, ocasião em que me reuni a alguns renomados músicos botocudos para realizar uma espécie de pelada de verão, ali na tenda da cultura, limite entre as praias de Itapoã e Itaparica.

Ofereço-lhos então, dentro dessa nova fase, uma pequena história que me foi contada inocentemente durante uma viagem... Bem, não é só o tédio o que motiva as pessoas a contar suas experiências de vida não é? É preciso um ouvinte interessado e isso eu sei ser. Mas segue a parada que tem como título: O Inferno São os Outros. Uma referência à Sartre, mas que não tem nada de existencialismo. Não tem nada de nada...

Ela sofria com aquilo, como se diz por aí, o cara tinha pulado a porra da cerca...

Meses, os meninos nasceram com poucos meses de diferença!

Mesmo pai, mães diferentes... Muito embaraçoso aquilo.

A coisa aconteceu durante a gravidez da “matriz”, quando uma antiga “filial” mandou uma saraivada de ofertas irrecusáveis e o cara não resistiu à tentação de fazer o negócio. Muitas foram as justificativas, mas a reclamação mais recorrente era que a gravidez da matriz despachara o tesão para o quinto dos infernos. A mulher vivia enjoada e incomodada, não via sentido em abrir pedido pra mercadoria já encomendada.

Mas não foi só isso, claro que não foi. Pouca gente sabia, mas o patrão já tentara firmar negócio naquela filial em tempos remotos, quando de uma despretensiosa visita a uma dessas casas noturnas da periferia. A princípio a parceria se deu com rapidez e inconseqüência, mais ainda viria a falência do empreendimento. Tomou um tremendo pé na bunda, quando a amada resolveu se desligar do compromisso anteriormente firmado para tentar a sorte sob a administração de um próspero investidor oriental.

O pior é que esse revés, ao invés de calejar e dar estofo, fez o babaca ficar choramingando derrotas e amores impossíveis pelos cantos por um tempão. Só foi se curar de vez quando montou na Aletéia, aquela que viria a constituir definitivamente a sólida matriz de seus negócios. Moça séria, determinada, trabalhadeira, um pouco conversadeira; mas a seca é o afrodisíaco dos pobres... Outra aventura empreendida no calor do negócio com uma simples conseqüência: logo pintaria a gravidez impregnante.

Novamente a recessão, mercado do sexo em retração... Ô seca miserável!

Nesse meio tempo o telefone não parava de tocar com a antiga filial derramanado todo tipo de propostas irrecusáveis. Eita! A marvada andava tentando recuperar antigos parceiros, porque, apesar de toda opulência inicial, o negócio do empresário oriental simplesmente não crescia! Obrigada a vender contrabando de produtos de terceira e pirataria de tênis importado sua equipe caiu na desmotivação, daí a abrir as pernas pra concorrência foi um pulo.

Aletéia deu a luz a um menino, estava em dúvida se o chamava de Eduardo, Wescley, ou Ravenclever, que ela achava mais chique. Esses nomes estrambóticos têm, aliás, origem na idéia peculiar que as pessoas simples fazem da criatividade e na necessidade de ter algo sofisticado em suas vidas, uma coisa que não fosse comum e que ninguém mais tivesse.

Foi um cú de boi quando toda a verdade foi revelada... Pra se dizer o mínimo. Como dói a tal da traição! Todo mundo sabia menos ela, grávida, enjoando, trabalhando e levando chifre! Ah rapaz, Aletéia ficou muito puta da vida. Mas no final, como muitas vezes acontece, perdoou. Contentou-se em jogar o episódio na cara do patrão pro resto da vida, mesmo porque a vergonha tinha nome, sobrenome e era igualzinho à puta que o pariu!

Mas sabe mesmo nisso tudo o que era pior? As pessoas. “O inferno são os outros”. De vez em quando Aletéia acabava indo pra rua com os meninos, irmãozinhos, muito parecidos. Como é comum acontecer, toda vez que encontrava algum conhecido rolavam aquelas inevitáveis perguntas: É seu filho é? Como é o nome dele? Quantos anos ele tem? Somando dois mais dois entre os pirralhos a vaca ia pro brejo desembestada... A moça, coitada, morria de vergonha da situação, mas um dia ousou se vingar...

Foi num churrasco da empresa, o maridão resolveu juntar toda equipe do trabalho e suas respectivas famílias. Lá pelas tantas, um dos funcionários mais chatos resolveu puxar conversa com o casal anfitrião perguntando: esses meninos são da mesma idade não é? Tão parecidos... São gêmeos? Aletéia, que já tinha tomado umas três tequilas arrumadas, disparou:

- É nada. Aquele só é que é nosso. O outro eu tive por fora com outro hômi! – O patrão estava lívido de vergonha, mas nem adiantava reclamar com a mulher.

- Não sei por que só eu que posso levar a fama de chifruda...

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O VELHINHO SEMPRE VEM?

Maldita televisão, maldito Drácula! Rodo os canais a esmo tecendo comentários sarcásticos e fazendo troça de tudo o que aparece. Tem um cara com chafarizes nas axilas, dá vontade de pedir para ele esperar um pouquinho e jogar umas moedas, quem sabe não dá sorte. E eu que já não simpatizava com aquela marca de desodorante...

Mas falando nisso, o natal está chegando, olha só que bacana. Os telejornais logo voltam suas baterias para os consumidores e as expectativas dos comerciantes. Vejo entrevista com uma mocinha dizendo que o natal é uma época boa pro comércio, porque as pessoas se sentem "compelidas" a consumir. Ou seja: ela gosta porque não tem escapatória pra ninguém. E eu que detesto um eufemismo...

Muita gente se endivida no natal, conseguem exatamente o contrário do que desejaram inicialmente. Não pode haver tranqüilidade familiar sem o devido equilíbrio financeiro, em pouco tempo estarão todos se descabelando por conta de bobagens quebradiças e efêmeras sujeitas a modismos ultra passageiros. Faz tempo que penso em escrever sobre isso.

Lembro bem da época em que todo mundo saía de noite pra encher a cara, entre outras coisas - aliás, o veio Gagá dizia que isso é que era bom - e dirigia de volta pra casa impunemente, bem, quase todos voltavam, mas nem cinto de segurança era obrigado usar. Na televisão passava direto propaganda de cigarro, tinha uma muito palha do Camel, com um cara de roupa de safári ou os maiores sucessos de Arena Rock com as esportivas propagandas do cigarro Hollywood, o sucesso.

Tudo isso mudou não é? Salvo em festinhas de embalo - baladas? - hoje quando vemos uma pessoa fumando é como se ela estivesse sofrendo algum mal, soltando fumaça como um motor prestes a bater biela. Imagino que vai chegar o dia em que o apelo escandaloso pelo consumo puro e simples também será visto como algo prejudicial à saúde da sociedade.

Sim, porque tem muita propaganda informativa legal, as do Jadir Primo, por exemplo, eu acho inofensivas, mas tem gente que apela. Morro de rir, pra não chorar, quando vejo, por exemplo, carro anunciado por "apenas" sessenta e tantos mil reais! Num país como o Brasil, com toda essa desigualdade social, é preciso ter muita cara de pau pra fazer uma afirmação dessas num canal aberto de tv.

Somos "compelidos" a consumir o ano inteiro, poucos têm como escapar do dia dos pais, das mães, dos namorados, das crianças, fora que as pessoas comemoram todo ano seus próprios aniversários e datas especiais! Mas o que me incomoda mesmo é essa chantagem de consumo descarada associada justamente ao nascimento de um cara que transgrediu dessa sociedade autofágica que, por sinal, o engoliu, triturou e transformou suas idéias em coisa muito diferente.

Cante comigo então, bem feliz, felizão, a canção mais hipócrita e perversa desse ideal consumista do repertório natalino: Mas por que é que Papai Noel, não se esquece de ninguém? Seja rico, seja pobre o velinho sempre vem...

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

SÓ QUERO SABER DO QUE PODE DAR CERTO!

O pai de um amigo meu era um cara muito ranzinza e reclamão, sentava para conversar com as visitas perto da televisão e o tempo inteiro ficava esculachando tudo o que passava dizendo: eu odeio isso, eu odeio aquilo. Uma vez tava ele lá falando mal de uma cantora aparecida, quando falei: pôxa seu Fudilson, qual é então a cantora que o senhor gosta? A pergunta pareceu o surpreender.

- Ora... Eu gosto de várias cantoras... – Parando pra pensar: - Eu gosto da Fafá de Belém... – não conseguindo lembrar de mais nenhuma retomou seu hobby predileto - Agora a Elba Ramalho eu odeio! A Amelinha eu odeio! O Sidney Magal eu odeio!... E seguiu por aí odiando. Tecnicamente falando o Magal não seria uma cantora, mas achei melhor não contrariar.

A pergunta que não quer calar é: por que é que as pessoas são assim? Eu sei lá. A crítica é certamente uma forma de auto-afirmação, quem detona parece mais poderoso, reafirma suas crenças. As pessoas ditas “de opinião” são respeitadas e até mais facilmente ouvidas em nossa sociedade do que as conciliadoras. Vai ver essa coisa faça parte de nossa própria natureza, basta lembrar que o homem descobriu o fogo através do atrito e que crescemos através da perturbação da ordem. Você acha que não? Então explique a frase: quem não chora não mama?

A crítica sempre vem em primeiro lugar, à coisa de uma semana atrás o governo lançou o projeto do “Cais das Artes”, que propõe finalmente a construção de um Teatro decente para nossa cidade, com mais uma série de equipamentos culturais embutidos: museu, biblioteca, sei-lá-mais-o-quê. Li a notícia no Gazeta Online e não consegui evitar a tentação de postar um comentário lembrando a nossa defasagem em espaços para apresentações, afinal o Theatro Carlos Gomes é obra de 1927 (!). E nem venha me falar daquele auditório da UFES que muitos teimam em classificar como teatro.

Então enquanto eu filosofava sobre a importância desse espaço numa cidade de mais de um milhão de habitantes – falo da Grande Vitória – os demais críticos de plantão aproveitavam para reclamar dos alagamentos (deveriam escrever para São Pedro, ora) e da poluição com pó de minério, da qual eu já nem me lembrava. Este último comentário, aliás, postado por um amigo, fazia brincadeira com o fato do Cais ser branco e dizia da futura dificuldade de mantê-lo limpinho às custas do dinheiro público, visto o mesmo estar na rota do pó (digo de minério).

Mas “é que se agora pra fazer sucesso, pra vender disco de protesto, todo mundo tem que reclamar”, resolvi unir forças à uma campanha diferente: “Só quero saber do que pode dar certo!” Mesmo porque, na semana passada tive outro bom motivo para isso. Fui assistir à estréia do espetáculo “La Serva Padrona”, um intermezzo cômico de Pergolesi comandado pela soprano Katya Oliveira tendo como par o barítono João Marcos Charpinel. Aliás, não tem nada a ver, mas essa coisa de “serva patroa” pega hein? Basta recordar o sucesso da peça “Por Favor Matem Minha Empregada”.

O que muda tudo é a música como fio condutor de uma pequena ópera cômica, com acompanhamento de dois músicos profissionais, mas também pelos meninos: Denise Justino (Vilino II), Júlio Cezar (Viola) e Josué Dias nascimento (Violoncelo) segurando a onda o tempo inteiro, eu fiquei de queixo caído. Completa esse time o violinista Eliézer Batista Isidoro e tecladista Regina Nava, com quem até estudei um pouco de piano em priscas eras.

La Serva Padrona é uma ópera leve, cantada em português - o que facilita em muito a compreensão da trama – perfeita para aqueles que nunca assistiram nada do gênero por medo de boiar e morrer de tédio. É, pelo contrário, muito divertida, simplesmente imperdível. O elenco é completado pelo ator Daniel Boone, um careteiro de primeira, foragido de algum circo, sua presença confere um toque cômico inigualável à peça.

Uma obra de arte é boa mesmo quando confere a impressão de te tornar mais inteligente, mais culto e esse espetáculo é uma dessas raras ocasiões. Faz o seguinte: pega seus filhos ou as pessoas de seu relacionamento que você acha bacana entreter e leva pra assistir essa ópera. Ainda tem mais quatro apresentações, sempre com entrada franca. Uma é hoje (2 de dezembro) no auditório do Marista, às seis e meia da noite. Depois, dia sete no Teatro de Viana – cinco da tarde; Cachoeiro e Rio Novo do Sul. Não percam!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

METALMANIA - Carta Aberta ao Grilo Falante Nº 4

Texto originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 26/04/2005

Pois é meu amigo Grilo Falante, convidei pra ir e você não quis... Perdeu! Tá bom, tá bom. Tá legal, eu aceito o argumento que você está de dieta e que essas audições pesadas fazem mal à digestão. Concordo. Eu mesmo acordei com um mau humor dos infernos que só diminuiria quando finalmente rolou um sinal positivo daquela loira que ando interessado em coisar. Mas isso foi depois, bem depois, não tem porra nenhuma a ver com a Noite do Metal! Ho Yeah!!! Exclusive isso (sic). Não se sabe muito bem como, mas o fato é que fui parar no bar "Entre Amigos II", fico imaginando como seria o primeiro. Pior são os trocadilhos, afinal, eu fui com um amigo doidão que, aliás, tivera o carro "abduzido" na noite anterior, os aliens rebocaram o carro dele para um desmanche; mas o cara não parava de imitar o Silvio Santos - Lálálálá! - e me perguntava intrigado: ô Juca, se “entre amigos” é assim imagina lá em cima do Morro do Alemão!

Fiquei constrangido logo à entrada quando me deparei com aquela imensa massa ignara toda vestidinha de preto. Mal advertido pelos infames colegas de trabalho baixei, saravei, enfim, coisei na parada vestido que nem um tenista: todo de branco, esporte fino, porém com uma certa protuberância pançística. Lá estávamos nós: eu e aqueles adolescentes cabeludos traduzindo pro capixabês o que eles imaginavam ser a alta costura fashion do metal. Acabei ponderando que o luto deveria ser por conta da morte do bom gosto musical, ou então dos tímpanos de alguém.

Como não podia perder a viagem resolvi me divertir fazendo o que sei melhor: criticar. Encostado no palco tem um cara muito parecido com o Gregory Hines, só que cheio de tatuagens e que implantou dentes de vampiro! Ou então mandou afiar os caninos, algo do gênero. Esse cara é o mais empolgado e, apesar dos dentinhos, um dos menos travestidos de metaleiros. Digo isso porque acabou de passar por mim um rapaz todo maquiado, baton nos lábios (e não falo do chocolate), calça jeans e coturnos, camiseta preta e até um sonoro sobretudo (!) É isso mesmo véio, nesse puta calor!

No intervalo entre uma apresentação e outra nada de alívio pro ouvidão. Assim que acabava o show entrava a música mecânica, mais barulhenta ainda. Um garoto muito cabeludo, parecia o "Floquinho" - aquele cachorro esquisito do Cebolinha - enfiou a cara numa das caixas de som e ficou lá girando a cabeça e, consequentemente, a cabeleira. Dizem, aliás, que os metaleiros fazem isso pra ver se o cérebro pega no tranco. Achei o intervalo meio tedioso, várias garotas bonitas espalhavam-se pela parada e nem todas estavam tão sorumbaticamente disfarçadas de Mortícia Adams, mas iniciar uma parlamentação naquele ambiente era impossível, o barulho impedia até o pensamento de funcionar direito.

Pensei em várias sugestões para a organização do evento a fim de abrilhantar a parada, enquanto coisa. Por exemplo, aproveitando o clima hetero-nazista-facista-neo-positivista-direitista e gozado, porque não organizar um concurso pra eleger a "Garota Metaleira". Hein? A menina poderia ganhar uma tatuagem, ou um protetor auricular, ou um curso de libras, até pra ver se conseguia agitar uma paquera com alguém. Valendo os mesmos brindes para uma outra categoria de competição, em que se escolheria a melhor fantasia de metaleiro. Que nem aqueles grandes bailes de gala do carnaval. Já imaginou? O apresentador fazendo aquelas vozes guturais, ou então poderiam chamar o Zé do Caixão pra ser anfitrião da parada que também ia ficar demais!

- É isso aí galera do mal! É realmente uma merda ver tanta gente aqui nessa primeira edição do “Gala Metal do Espírito Santo”! Huhúuuu! Hô yeah! Dando início aos desfiles dessa noite, convido à passarela o metaleiro Jeremias, nos desagradando a visão com a sua pavorosa fantasia "O Conde Drácula Vai ao Maculelê".

- Na passarela também desfila Joãozinho Deus me Livre, apresentando seu "A Pós-Decadência Agélica Encontra o Trash e Tá Tudo Clean". Lembrando de esquecer que, infelizmente, a lamentável criação do abominável Joãozinho tem patrocínio da funerária "Agora Só Falta Você". Deus me Livre!!!

Enquanto me perdia em devaneios, eis que começa o show da última banda, grupo que contava com um cantor talentosíssimo; o cara conseguia alternar, musicalmente falando, arrotos cavernosos com lancinantes gritos histéricos. É isso mesmo! Primeiro o cara fazia à capela: aarroooooto! Daí entrava um instrumental sorumbático que alguém me explicou se tratar de "Brutal Death Metal", em que o cantor se sacolejava que nem uma enguia, uma lesma, uma coisa malemolente, enfim: os brutos também amam! Então, do nada, o cara disparava a gritar que nem uma mulher doida sendo esfaqueada: Uáááááááááááiiii!

Putz véio, depois dessa eu desanimei, francamente! Quando vi já tinha ido embora daquele lugar infernal! No dia seguinte, até perdi a hora. Acredite, ou não, simplesmente porque não escutei o despertador tocar!
O ouvido fez greve, ou então estava de ressaca. Sei lá!

Visite o site http://www.robertobeling.com/

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

PRA FAZER SILÊNCIO EU BERRO! - Carta Aberta ao Grilo Falante Nº 3

Texto originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 11/04/2005
Caro amigo Grilo Falante, não é que acabei vindo parar na Igreja Assembléia de Deus? Vim acompanhar o "Chefe" em uma visita a um evento tradicional dos evangélicos. Aqui estão reunidos pastores de todo o Espírito Santo alguns até de outros estados do Brasil, provavelmente aproveitando as férias de verão, afinal ninguém é de ferro, mas meus nervos são de aço. Como faz tempo que não te escrevo, e sei que estes assuntos de religião muito te interessam, resolvi então coisar-lho algumas parábolas a respeito:

Sessenta a setenta por cento do público é formado por negros e mestiços, a esmagadora maioria aparenta ser de origem humilde. Empunham grandes bíblias, aquelas de capas pretas com "fecho écler" (Zipper). Caminham animados e risonhos e falam maquinalmente, a título de comprimento: A Paz do Senhor. Sabe que uma vez eu tive uma agenda preta que também fechava com zipper? Daí que um dia sentei pra engraxar os sapatos do lado de fora do Centro da Praia com ela no colo e lá pelas tantas um cara me perguntou se aquilo era uma espada. Não entendi a pergunta, mesmo porque estava distraído e o sujeito falou apontando para a região da minha pélvis, onde realmente fica uma coisa que assim pode ser classificada. Demorou um tempo pra eu entender que o rapaz simplesmente perguntava se minha agenda era uma bíblia. Ora...

Vejo as pessoas sentadas em grandes bancos de madeira, espalhadas em um enorme salão. As mulheres de meia idade – que são maioria - ostentam expressões austeras e cabelos crespos espichados presos em rabo de cavalo. Vestem roupas caseiras de tecido fino e cores berrantes, sobretudo o vermelho e o verde limão. Os homens parecem ter saqueado algum brechó da esquina, vestem ternos completamente fora de seus padrões físicos, seja de altura, comprimento ou outro qualquer. E as combinações? Tem um rapaz bem do meu lado de terno azul marinho e camisa preta, também vejo muitas camisas verdes, vermelhas e, sobretudo, o goiaba, independente da cor do terno.

À direita fica o púlpito, na verdade um grande palco, na frente e no centro tem uma mesa enorme como as da igreja católica, com bíblia em cima e outras coisas. Atrás estão sentados os pastores presidentes, segundo me informaram os únicos que recebem salário e que são denominados "donos de campo". Aliás, quando um amigo falou: "esse que vai passando aí é dono de um campo lá em Terra Coisada". Eu pensei - vê só que cabeça de bagre a minha - que ele estivesse falando de alguém que investisse em lazer, tipo campo de futebol para aluguel, churrasco, enfim essas coisas. No fundo do palco estão colocadas várias cadeiras onde estão sentados, lado a lado, em duas fileiras os presidentes e as autoridades. Lá em cima a proporção racial é inversa à da platéia, são quase todos brancos, a começar pelo pastor que está pregando com um forte sotaque nordestino. Prega em pé com um microfone sem fio na mão, andando muito empolgado de um lado para o outro do palco. Alterna seu discurso com expressões do tipo "Aleluia!" e grandes modulações de dinâmica, às quais o público responde imediatamente em frenesi. A fala é metralhadôrica e o som não ajuda, a acústica muito menos, a ressonância embola tudo. Parece uma transmissão de partida de futebol em rádio AM, num final de tarde de domingo, quando você é jovem e sabe que vai ter que acordar cedo pra ir à escola e que a primeira aula é de matemática que você odeia. Um outro (des) crente que estava a meu lado falou que o pastor parecia um locutor de rodeio, no melhor - ou pior - estilo: Seguuuuuuura Jesus!!! Ou, Aleluuuuuia Peão!!!

Agora o pastor diminuiu o tom, fala – do que eu consigo entender – sobre os falsos e os verdadeiros adoradores. Tem um sujeito muito compenetrado que está bem ao meu lado com a mão esquerda no rosto, a outra segura com firmeza uma bíblia. De vez em quando grita "aleluia!" muito alto, enquanto levanta um dos braços em sinal de devoção, seu corpo se balança pra frente e para trás. Olho à minha volta, tem várias pessoas na mesma situação, num banco de madeira próximo três ou quatro homens se abraçam e oram fervorosos de olhos bem fechados. Seguram suas bíblias com uma mão e com a outra fazem uma saudação meio nazista, sacodem-se e gritam embolados, como numa peleja santa, um refrega espiritual!

A pregação já alcança mais de uma hora e o pastor está a mil, anda exaltado de um lado pra outro do palco, grita como um louco: servir e orar, servir e orar! (vai crescendo), servir e orar!! (cresce mais) servir e orar!!! (chega no auge): Aleluia!!!!

A multidão já se resumiu a uma massa enlouquecida, tudo é ruído, duas mil pessoas se esguelando. Uma carga invisível de energia corre solta pelo ar, sinto a cabeça tonteando frente à histeria coletiva. O pico da zoeira já se estabeleceu, o pastor está literalmente pulando no palco, instiga a multidão e sorri triunfante ante a resposta ensurdecedora. Vocifera que o Senhor Jesus vai se fazer presente ali naquele momento. A multidão se agita e resfolega que nem um cavalo bravio, ante a possibilidade de ver o improvável acontecer. Tenho a sensação que as coisas vão realmente escapar do controle. Por via das dúvidas vou me colocando mais próximo da saída...

No meio da platéia um rapazola começou a pular e se curvar batendo os braços abertos como se quisesse voar. Um sujeito de terno amarelo, ou bege, vem correndo em sua direção e o pega pelo braço, pensei com pena: vão por o menino pra fora. Mas que nada... Levaram o moleque pra cima do palco onde teve as mãos colocadas sobre a careca de um dos "presidentes" e começou a pular que nem um doido, dando pinotes no ar. A multidão lançava altos brados em uníssono, é impossível distinguir qualquer coisa mais, o culto virou um verdadeiro pandemônio.

Dois rapazes muito magros, de terno escuro, vêm então se postar embaixo do palco, cada um com um microfone na mão. - Esses aí vão cantar - Pensei. Passa um tempo, a gritaria permanece inalterada. A música começa abafada, mas logo o som cresce e dá pra reconhecer o ritmo: é um danado de um forrózinho sem vergonha! Nada mais adequado para terminar aquela fuzarca: uma cançoneta nordestina saudando Jesus e seu jegue. A cantoria era sinal claro que meu suplício estava terminando, o chefe me dispensou e foi-se embora apressado. Entrei no carro e rumei para casa aturdido, desencantado da vida e mentalmente currado.

O que mais me impressionou nessa curiosa experiência mística é que, apesar de ver aquelas pessoas desejando a “Paz do Senhor” para todos, coisa que automaticamente nos remete à quietude, silêncio e introspecção, na hora de rezar – clamar segundo o jargão deles – os caras gostam mesmo é de fazer barulho. Que calma, tranqüilidade e introspecção o quê? Daí fica difícil olhar para dentro de si e encontrar as perguntas que precisam de respostas, mas provavelmente aquelas pessoas sofridas querem mesmo é o contrário disso. Esquecer. Nem que seja só por alguns instantes. Esquecer de tudo.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

MUITA FORMIGA E POUCA CIGARRA: OS MALES DO BRASIL SÃO!

Assisti dois filme-biografias de boa qualidade essa semana. O primeiro é sobre Noel Rosa, uma produção bacana, especialmente levando-se em consideração as limitações nacionais de produção cinematográfica. Pelo menos não é decepcionante e irritante como o filme do Villa Lobos, fico chateado só de lembrar a atuação demente de Antônio Fagundes no papel daquele que deveria ser idolatrado pela massa Brazuca como o Rei da Música, ele ou Tom Jobim, pelo menos. Já pensou coroar Rubens Barrichelo como o nosso Rei da Fórmula 1?

E se vocês acham que estou exagerando na crítica à atuação de Marcos Palmeira e Antonio Fagundes, na ridícula tentativa de mostrar uma pessoa em duas fases distintas de sua vida, façam uma comparação com o recente Piaf “Um Hino ao Amor”, onde, em menos de duas horas, vemos uma moça se transformar em uma senhora recurvada, sem perder a pegada e – especialmente - a alma do personagem. Não é pra menos que Marion Cortillard, a atriz principal, passou a perna em medalhões hollywodianos e levou o Oscar de melhor atriz em 2008.

A parada mais bacana do filme Noel “O Poeta da Vila” é o resgate histórico do cruzamento entre o samba malandro dos negros dos morros do Rio de Janeiro com a mente culta e faiscante do filósofo/poeta, encontro que fomentou o surgimento de frutos maduros ao longo do século elevando o samba ao patamar de maior expressão da música popular Brasileira. Filmes como esses são muito necessários e oportunos, trazem atenção para a vida de pessoas importantes para a construção de nossa cultura e que a grande maioria nem conhece.

Cartola aparece como parceiro e amigo de Noel que foi, aliás, conta a lenda que o sambista foi redescoberto lavando carros nas calçadas do centro do Rio de Janeiro, pelo lendário cronista Sérgio Porto, o “Stanislaw Ponte Preta”. O autor de monumentais canções como "As Rosas Não Falam", amargava um longo e injusto ostracismo causado por problemas de saúde e financeiros. Nossa sociedade moralista, fundamentada na exploração da mão de obra, sempre criticou duramente aqueles que ousam colocar o “trabalho” de lado para se dedicar a criar. Ora, qual é a pessoa normal que fica dez horas presa a uma atividade estafante e depois vai pra casa compor sinfonias e sambas canções? A primeira e maior prova de um artista é a sua capacidade de se libertar.

Outra biografia interessante é o filme “As Aventuras de Molière”. Uma produção do ano passado que nos conta um pouco da vida galante desse conhecido dramaturgo francês contemporâneo de Luis XIV, período rococó de muito oba-oba por aqueles lados, pouco tempo antes do epa-epa convulsivo da Revolução Francesa. Corri no Sebo Monarquia e arrebatei o único volume de Tarfufo que achei por lá, na notícia biográfica que antecede o texto percebe-se que muita coisa foi deixada de fora, como é natural acontecer.

Existe um pequeno paralelo entre as biografias destes dois artistas tão distintos e de épocas distantes: a necessidade de criar que move o ser humano. Ainda que muita gente prefira criar confusão e marcar sua passagem pelo mundo com dor e ranger de dentes. O bonito é ver esse mau exemplo das pessoas que dão uma banana pro mundo formal e se atiram de cabeça nos precipícios da arte. A necessidade de sobrevivência, a interferência da família e o simples medo do fracasso devem ter impedido muita coisa boa de aparecer no mundo. Graças a Deus que ainda tem gente doida pra se arriscar a viver que nem cigarra.

Alguns de meus textos estão sendo publicados no site http://www.robertobeling.com/, passe lá!

domingo, 16 de novembro de 2008

SUPER HOMEM, EIS A QUESTÃO - Carta Aberta ao Grilo Falante Nº2

Originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 21/03/2005

... por causa da mulher

Meu caro amigo Grilo Falante. Resolvi voltar a escrever-lho ainda dentro do assunto abordado em minha anterior missiva, pra ver se a gente consegue chegar a alguma conclusão sobre as histórias de Manuel. Pois você sabia que a maioria dos caras que comem viados pensam que não são homossexuais? E que tem bibas tão birutas que pensam que são mulher e que os "homens" delas o seriam realmente? Talvez por causa disso muitos transem viados numa boa, como se fosse uma espécie de brincadeira, uma traquinagem sexual. O problema é quando as coisas saem do controle e quem menos espera paga a conta e rifa a esfera... Desculpe o inevitável trocadilho meu velho amigo: eu perco o fio da meada, mas não posso perder a piada.

Tudo começou por causa de uma bela mulher. Que bela o quê?! Linda! Gostosona, altona, curvas generosas e perigosas. Manuel estava ficando doido... Agora estabelecido na pequena cidade de Princesinha do Norte, todo dia ele a via passar na porta de seu modesto comércio de tecidos e aviamentos. A beldade sorria em sua direção, às vezes aparentava indecisão, voltava, demorava-se na frente da loja até que finalmente ia embora. Era difícil de acreditar, mas depois de um tempo Manuel teve certeza que aquele mulherão estava mesmo paquerando com ele, aliás, flertando como diriam os antigos, ou dando mole como diriam os mais jovens.

Com o passar dos dias começou a apresentar sinais de estar ficando apaixonadão de verdade: arrumava-se com mais esmero, andava até perdendo o sono por conta da expectativa. No dia em que a mulher demorava a aparecer, era um cú de boi. Brigava com os funcionários da loja, atendia os clientes com displicência e má vontade. A tempestade só passava quando ela surgia, linda, leve e solta. Manuel suspirava...

Quase deu vexame quando um dia deu de cara com a mulher dentro de sua loja, era bem cedinho e lá estava ela olhando uns tecidos. Teve que se amarrar de corda pra não se intrometer, afinal, sua amada já era atendida por um empregado e ele não queria fomentar mexericos. A mulher rodou, rodou, perguntou preço de um monte de coisas até que tiveram que consultar o patrão.

- Pode deixar que eu atendo a senhorita... – Era a primeira vez que se acercava de seu luminoso objeto do desejo, contrariado ficou quando notou a grossa aliança de ouro que a mulher ostentava na mão esquerda.

- É senhora... – Sua voz era tão doce e inebriante quanto sensual e insinuante. Era como se dissesse que o fato de ser casada não significasse muita coisa, que a fruta estava em oferta da mesma maneira, só faltava aparecer um macho de verdade que ousasse "trepar" na árvore.

- A senhora né daqui não, é? Cidade pequena... A gente conhece todo mundo.

- Eu e meu marido nos mudamos pra cá faz só uns dois meses. Ele veio pra dar aulas na faculdade nova...

- Sei, sei... – A misteriosa mulher foi embora sem comprar nada, apenas deixou generosos sorrisos que prometiam céus e infernos praquele modesto comerciante.

Daí pra frente os encontros aconteceram mais amiúde, Manuel cada vez mais louco. Apesar de estar francamente o seduzindo a mulher era escorregadia e etérea, ficavam num jogo de gato e rato que não chegava a lugar nenhum. Logo o homem tornou-se temerário, começou a cantar o seu amor abertamente, enquanto ela respondia com sorrisos enigmáticos e incertos, depois escapulia sem dar explicações.

Um dia estava distraído na fila do banco quando uma voz soou grave em seus ouvidos.

- E ahê, tudo bem? – A saudação era simpática e familiar, mas Manuel ficou fazendo aquela cara de quem sabe que é, mas não lembra o quê. Daí o cara emendou com intimidade. - A gente precisa conversar...

- Conversar o quê, eu te conheço amigo? – O cara era bem apessoado, estava todo arrumado - o que não era comum naquela hora do dia - tinha jeito de gente de cidade grande. Pegou Manuel pelo braço e falou com seriedade:

- Eu tô sabendo que você anda querendo comer a minha mulher. – E o susto? Manuel se enrolou todo fazendo o que todo mundo faria: negou com veemência.

- Não, não, quê que é isso amigo? O senhor deve estar me confundindo com outra pessoa. Eu sou um homem sério e nem o conheço, muito menos sei lá quem é essa sua mulher aí que você está falando! – O cara apertou seu braço e mandou Manuel se acalmar, quando o viu quietar o facho prosseguiu:

- Tudo bem rapaz, calma! Tá tudo bem... – O comerciante estava lívido, começou a se abanar, de repente a chapa tinha esquentado. – Eu deixo você comer ela. – Sem conter a surpresa elevou outra vez a voz.

- Cuméquié!?!

- Fala baixo homem, ôrra meu, mas que diabo! – Recuperando-se da surpresa olhou à sua volta e, sentindo-se mais seguro, retomou interessado, ainda que desconfiado na mesma proporção:

- Deixa como assim?

- Deixo sim ué, mas só que tem o seguinte: – Se encostando sussurrou em seu ouvido. - Pra chegar lá, antes você vai ter que passar por aqui.

- Cuméquié?!?

No fim de semana, na roda de amigos que, por sinal, já vinham acompanhando à distância a novela, Manuel finalmente resolveu contar todo o drama que foi pra finalmente poder consumar o ato com aquela linda mulher há tanto tempo desejada. Quando chegou na parte do ultimato do marido dentro do banco ficaram todos pasmos do mesmo jeito que o rapaz já tinha ficado.

- Tá doido homem! E aí, tu enfiou a porrada nele? O que foi que você fez?

- Cumi ué.

- Como assim? Deixa eu entender: você tá me dizendo que foi pra cama com os dois e que comeu os dois? Marido e mulher?

- Cumi. – Falou encabulado.

As gargalhadas explodiram na mesa do bar, ainda mais por conta da evidente satisfação que Manuel ostentava. Era como um garoto traquinas que tinha conseguido ver a calcinha da Madre Superiora Diretora do Colégio. Entrementes, seu enigmático sorriso dava muito mais o que se pensar.

- Tá bom amigo, pela sua cara dá pra ver que o negócio foi bom mesmo hein? Agora, fala sério, cá entre nós: com qual dos dois você gostou mais de transar?

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

UM AMOR DE PRACINHA - Carta Aberta ao Grilo Falante Nº1

Texto originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 20/02/2005

Caro amigo Grilo Falante, essa é uma estória dos tempos em que Manuel Walldaiss era ainda um jovem pracinha e gostava de tocar violão cantando estridentes boleros que embalaram os sonhos dourados da sua geração. Seu point preferido era a zona de boemia e prostituição do Rio de Janeiro, o problema era a falta de dinheiro para bancar as aventuras, mas dava pra tomar uma cerveja com os amigos e, de vez em quando, até arrastar uma morena pro beco escuro.

Nos dias de folga da dura rotina militar, os pracinhas saíam em disparada, ávidos por respirar os ares de liberdade do lado de fora do quartel. Muito bem arrumados, fardados e de banho tomado; exalavam vigor e juventude. E não é que se podia notar à espreita alguns senhores amaneirados rondando a Praça da Liberdade, discretamente assediando os meninos e propondo todo tipo de sacanagem a troco de grana?

Menino criado no interior, Manuel ficou indignado com aquelas abordagens indecentes, reagiu, como muitos, desdenhando, fazendo piadas de mau gosto, posteriormente chegou a bater boca com colegas de visão menos “ortodoxa”. Porém, com o passar do tempo, viu que os praças saíam ilesos da aventura e ainda faturavam uma graninha pra curtir na zona, concluiu que besta era ele de não aproveitar a oportunidade.

Passado um tempo se tornou um especialista no assunto, divertido contava que desenvolvera um estilo próprio de fazer “a coisa”. Muito orgulhoso de sua criatividade contava, por exemplo, que depois de gozar costumava dar um violento cutucão na altura dos rins de seus parceiros. Com o susto e a dor os caras retraíam as partes baixas e a “arma” do soldado saía, lá mesmo de onde vocês estão pensando, limpinha e reluzente.

Um belo dia, um senhor distinto e circunspeto o abordou sem muitas reservas e, depois de uma rasteira negociação, combinaram como pagamento uma certa quantia, cinqüenta contos vamos dizer, e lá se foram ao apartamento do coroa a fim de “quitar logo a fatura”. Diferente de outras vezes, o negócio acabou sendo um pouco mais animado e demorado, de maneira que o jovem guerreiro acabou dormindo a noite toda na casa do cliente.

Nem bem o sol raiou e o rapaz já se paramentara todo, envergando outra vez a distinta e gloriosa farda verde oliva. Tomaram café juntos até que, já na porta da rua, foram acertar as contas e o cara jogou em sua mão uma quantidade de dinheiro menor do que fora combinado. Timidamente, o rapaz ensaiou um protesto encabulado olhando para aquelas notas gastas na própria mão, parecia um menino que os pais tinham prometido uma bicicleta e ganhara um estilingue:

- Poxa doutor... Mas só vinte mangos? - O cliente retribuiu seu, não muito convincente, protesto com uma boa olhada desdenhosa e retrucou carinhosamente, lânguido poderia se dizer.

- Qual é Manuelito, querido... Você sabe muito bem que fez por amor...

CARTAS ABERTAS AO GRILO FALANTE

Amigos,

É com o coração lavado e enxaguado de emoção que lhes ofereço, de mão beijada, a republicação da série de quatro "Cartas Abertas Ao Grilo Falante". São textos que escrevi e publiquei no blog "A Vingança de Prometeu" numa época em que eu tinha preguiça de fundar o meu. Fiz uma revisão e atualização das histórias e quero logo explicar que as mesmas - apesar de convincentes - são verdadeiramente fictícias, qualquer semelhança com a realidade será uma megera coincidência.

A primeira carta (Um Amor de Pracinha) é baseada numa conversa ouvida por acaso, há uns cinco anos, entre um senhorzinho bem idoso e um homossexual assumido. Acreditem ou não o protagonista da história - um respeitabilíssimo patriarca com bisnetos e o caralho - relembrava orgulhoso suas aventuras sexuais e acabou gerando essa pérola de nossa moderna sexualidade. Espero que vocês gostem...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

ALWAYS LOOK ON THE BRIGHT SIDE OF LIFE

Li em algum lugar que as pessoas precisam ver de perto acidentes de carro para terem certeza de que não são elas que estão mortas. Passei por um no domingo passado, em Laranjeiras, bem em frente ao terminal. Tinha uma ambulância tombada, outros carros batidos e muita, mas muita gente. Quando consegui atravessar a muvuca, vi um cara fechando seu carro apressadamente, trazendo o filhinho bem criança pela mão, como se fossem ao Grande Circo de Beto Carreiro, montado ali na Rodovia Norte Sul. Mas não, e aquele homem exibia no rosto uma indefectível expressão de curiosidade, excitação e contentamento....

Recentemente passou na Record o filme A Paixão de Cristo - segundo Mel Gibson, com uma versão dos fatos que causou polêmica, em minha opinião, pelas razões erradas - Por falar nisso, quem sou eu pra dizer o que é certo? - Para mim o cara estava simplesmente querendo mostrar que - enquanto prega-se a paz e o amor – as pessoas realmente se divertem horrores com a violência gratuita e que o sofrimento alheio é uma forma de prazer, sobretudo de auto-afirmação. E o gringo escolheu um fato histórico bem emblemático para fundamentar sua tese, ele sabe bem do que está falando, afinal, virou ídolo mundial fazendo filmes de ação.

Depois veio a chuva, abundante e torrencial, por que diabos tenho sempre que estar no meio da rua quando desaba um temporal medonho destes? O pior é que tinha ainda que passar pelo trecho entre o Posto Monza e o Edifício Castelamares e meu carro não é anfíbio. Mas parece que, para nossa sorte, a maré não estava cheia naquele momento, então chegamos em casa sãos e salvos. Fiquei em dúvida se abria uma cerveja, ou encomendava uma missa. Ou será que era uma pizza? Pra chegar, o entregador teria que usar escafandro e submarino, a idéia era perversa e me animava... Então não fomos ao cinema.

Espetei no DVD o famigerado documentário “Triunfo da Vontade” de Leni Rifensthal sobre um congresso do Partido Nacional Socialista. Todo mundo sabe como essa história acabou, mas parece que a humanidade continua esperando a vinda de um outro líder como Adolf Hitler. Vemos isso quando um novo político, como Barack Obama, se elege com promessas de dar jeito no mundo, ele realmente acredita que pode, porque não tem a real idéia do que vai administrar, mas consegue convencer todos que vai tirar algum coelho da cartola. Passados uns anos a realidade cai na cabeça de todos e acontece como Bush, que sai da Casa Branca no clima de “já vai tarde”.

Uma senhora me disse outro dia que as pessoas tendem a só ver e dar valor ao lado negativo das coisas, mas que muita coisa boa tem sido feita e que se nossa sociedade fosse tão caótica quanto dizem a situação já teria se tornado insustentável. Gosto disso sabe? Concordo com isso. No filme Ratatouille tem uma pala assim: a crítica negativa é muito mais divertida de se escrever e de se ler. Tanto é que quando elogiamos alguma coisa logo pensam ou que estamos puxando o saco ou que existe algum outro interesse envolvido. E isso é uma espécie de perversão, porque causa injustiças e atrasa a verdade e esta deveria chegar mais cedo.

Houve uma época de minha vida em que passei doze anos sem comer nenhum tipo de carne, nem usar álcool, nada. A primeira coisa que me perguntavam, entre risos maliciosos, é se eu ainda praticava aqueles antiquados rituais de acasalamento, tão caros à reprodutiva raça humana. Pergunta que só deixava de ser imbecil e despropositada quando feita por alguma garota com quem eu estava negociando a coisa... Se é que vocês me entendem. Mas quando eu estava de bom humor e a fim de ser diplomático, o que não é raro, costumava explicar que parar de comer carne e tomar bebidas alcoólicas não era nada de extraordinário na vida de uma pessoa: difícil mesmo era deixar de criticar tudo e, especialmente, a todos...

sábado, 25 de outubro de 2008

O MORALISMO E A HIPOCRISIA INERENTE AO SISTEMA

Quando eu era criança houve uma infestação de piolhos daquelas em minha escola, eu mesmo parecia ter sangue doce presses insetos, vivia coçando a cabeça como se perseguido por questões intermináveis. Mamãe ficava doida com o problema, brigava comigo e minhas irmãs como se tivéssemos alguma culpa, enchia nossas cabeças com um pó chamado Neocid, que vinha numa latinha redonda e chata como as de cera de sapato e depois tapava com lenços. Com tudo eu me divertia, fazia de conta que estava fantasiado de pirata e saia correndo pela casa brandindo uma daquelas espadas de plástico.

Mas alguns pais encaravam o problema de forma radical e insensível, simplesmente mandavam raspar a cabeça dos filhos, como quem hoje reseta o HD do computador pra se livrar de algum vírus. E como raspar cabeça, usar lenço e ficar se coçando não eram coisas muito agradáveis, era na prática uma coisa embaraçosa, a infestação logo virou um tabu entre os alunos, ninguém queria ser acusado de "estar com piolho" ou disseminando o problema. Então veio aquela aula de ciências...

Nossa professora queria fazer um experimento científico com a turma e pediu para que nos aproximássemos de sua mesa de trabalho, lá na frente da sala de aula. O Ruy era um menino orelhudo e muito risonho que gostava de puxar o saco da professora, seu pai era um desses radicais que mandara raspar a cabeça do menino logo que fora informado do problema, mas um grande tufo de cabelo fora deixado bem acima da testa, como uma franja, sabe-se-lá por que.

Pos essas razões do destino a nada perspicaz professora tinha intenção de nos brindar com uma interessante demonstração prática de energia estática. Quando nos acercamos da mesa a moça já tinha reunido uma pequena quantidade de papel picado em cima de uma cartolina branca e estava munida de um grande pente de cabelos, um calafrio percorreu todo o grupo. Olhando à sua volta a moça falou de maneira amigável e jovial:

- Olha gente, para poder fazer essa experiência, eu vou precisar da colaboração de um de vocês. – todos se olhavam em pânico - Então? Ninguém quer ajudar a tia? – Claro que não né? Eu que estava bem atrás vendo que alguém ia se dar mal fui chegando mais pra frente e quase me ferrei, porque na mesma balada a professora passou a mão no braço de Ruyzinho que estava do meu lado e decretou:

- Vamos lá Ruyzinho, você que é o meu braço direito, vem pra cá. – Quem mandou ser puxa-saco? A mulher pegou o garoto pelo braço e foi metendo o pente naquele franjão esquisito. A experiência era daquelas de passar o pente no cabelo e depois puxar os papeizinhos picados com a energia estática que se formava com a fricção ou algo assim, mas o que surpreendeu todos foi o aparecimento de um enorme, gordo e asqueroso piolho.

O inseto bateu com um estrondo imaginário na folha branca de papel se debatendo em câmera lenta com as perninhas pra cima. Imediatamente todas as crianças saíram correndo para o fundo da classe gritando como se acabassem de se deparar com o próprio Conde Drácula. Junto da mesa ficaram a professora e o atordoado Ruyzinho que, não sei se em função da vergonha ou do pânico, não moveu um pé do lugar em que estava.

Apesar de também estar infestado por piolhos, como todos os meus colegas, eu também corri pro fundo da sala e fiquei lá fazendo a cena de apavorado. Depois me senti envergonhado, porque era sacanagem o que estávamos fazendo com um colega de classe. Anos depois descobri que nossa reação não era única na sociedade e que até tinha um nome super pomposo: Hipocrisia.

Pois bem: a morte da menina Eloá, ao invés de abrir um espaço pra reflexão, nos proporcionou um grande show de hipocrisia social. Só fui me dar conta disso quando assisti ao Jornal Hoje do dia 20 de outubro, no qual a dupla de âncoras (Sandra Annenberg e Evaristo Costa) recebeu o psiquiatra Raul Gorayeb com a intenção de opinar sobre os acontecimentos funestos daquela semana.

Costumeiramente os jornalistas da Globo adotam uma postura pseudo-ética em relação aos fatos, como se tentassem pairar acima do sensacionalismo repetitivo das concorrentes, como se fossem mais sérios e íntegros que seus colegas. Mas a verdade é que todos buscam a mesma coisa: as conclusões rasteiras em torno da questão enquanto esperam a chegada da próxima notícia escabrosa. Aprofundar pra quê?

Foram pegos de surpresa quando, ao invés de reforçar o lugar comum armado pela emissora, o psiquiatra começou a propor um debate mais amplo da questão, segue então trechos da entrevista:

Raul Gorayeb: ... A sociedade exige que os jovens aprendam a ter prazer e sucesso a qualquer custo, não importa o preço que se pague. Hoje em dia você é instigado a não aceitar falhas, perdas, insucessos, e reagir muitas vezes de uma forma bombástica quando as coisas não estão indo bem. Onde ficou, no nosso processo educacional, o lugar para que as pessoas aceitem que a vida também é feito de insucessos e problemas?

JH: Sandra Annenberg - (interrompendo de maneira abrupta e incisiva) Desculpa doutor, mas o senhor está querendo dizer então que ele (Lindemberg - o assassino da menina) é uma vítima do sistema, o senhor. o coloca como vítima?

Raul Gorayeb: (sem perder a calma, nem se abalar) Eu não o coloco como vítima, mas todos nós somos frutos de uma sociedade, a palavra vítima tem um desvio meio moralista (Meio? A jornalista bem que podia ter ficado quieta não é?). Somos frutos de uma sociedade na medida em que somos educados por ela os valores que a gente recebe são os que a sociedade difunde e se te ensinam que você tem que ter prazer a qualquer custo, quando você está insatisfeito você tem que encontrar uma maneira de não ficar mal na fita.

O Programa teve uns três blocos, sempre com o psiquiatra. No intervalo de um destes foi exibida uma reportagem intitulada, se não me engano: Meninas que namoram homens mais velhos. Será que isso pode ser um problema? - Era algo assim, uma reportagem moralista, tendenciosa e sensacionalista; tentava fazer um link com a pedofilia – o atual vilão mundial - para explicar o que aconteceu. Uma jogada digna da dupla dinâmica Datena e Magno Malta, fiquei surpreso de ver algo do gênero num telejornal da Globo, daí seguiram perguntando:

JH: Eloá começou a namorar Lindemberg aos 12 anos. Não é cedo demais para começar um namoro sério?

Raul Gorayeb: É difícil estabelecer fórmulas. Cada pessoa é de um jeito. É evidente que, quando mais jovens, a diferença de idade fala mais alto, mas se a gente tivesse falando de uma mulher de trinta e de um homem de 45 a diferença era maior e não seria tão marcante. (Dá-lhe professor! Mas a jornalista não desistia).

JH: Sandra Annenberg: Mas uma criança ainda não está formada e pode haver uma relação de desequilíbrio, de manipulação pelo homem mais velho, não?

Raul Gorayeb: Mas outra coisa em que a gente tem que pensar é que empurramos os jovens para uma maturidade precoce, para a atividade sexual, (e a putaria nas novelas da Rede Globo? Agora querem pagar de moralistas?) como se, sem isso, a pessoa não pudesse entrar no circulo das pessoas importantes. (Alguém aí já parou pra ler a letra de um desses Funks que a molecada adora?)

JH: O que devem fazer os pais que têm filhas adolescentes namorando homens mais velhos? Devem proibir?

Raul Gorayeb: Para relembrar uma tragédia artística temos a história de Romeu e Julieta, na qual se vê que a influência dos pais pode ser boa, mas também pode ser catastrófica. O que os pais têm que dar aos filhos condições para identificar por conta própria o que é bom ou não para eles mesmos, mas nunca fazer a escolha no lugar dos filhos, fazer por eles o dever de casa ou escolher os namorados, por exemplo.

JH: Evaristo: Mas vão orientar.

Raul Gorayeb: Orientar e dar condições é uma coisa, mas decidir no lugar de é outra, mesmo porque assim você não ajuda o sujeito a aprender a tomar decisões, tem que haver uma liberdade, um espaço, para poder errar e para poder corrigir o erro. A intransigência é o maior problema nessas horas.

O que me irritou nesse programa da Globo não foi só a maneira moralista com que trataram o tema, mas a maneira como ignoraram a possibilidade de o discutir de outra maneira, deliberadamente desprezando algumas verdades humanas que lutam por vir à tona. Muitas são as conseqüências desse fato: a imbecilização do indivíduo, a banalização do sexo e da violência e instigação ao consumo desenfreado... O único problema é que, de vez em quando, alguém vai pagar por isso. Pelo menos os índices de audiência estão subindo...

O link para a entrevista segue abaixo, assistam:

terça-feira, 21 de outubro de 2008

UFA! UMA ANÁLISE HOMOFÓBICA DO COLUNISMO SOCIAL

“É chique: gente descolada que fala de sexo,
política e moda com ousadia e elegância.
É o fim: Gente cheia de pudores.
O mundo enjoou de falsos moralistas. Ufa!”

Ahê, depois nóis é que é ruim velho, aliás: “eles é forte, mas nóis é ruim!” - e o meu Johnny não é Walker. Não sou muito de ler jornal aos domingos, quando quero saber de alguma coisa me penduro na Internet, ademais os cronistas que mais gosto não são publicados aqui, exceto o Agamenon, mas esse não conta. Daí que folheando um jornal local me deparei com essa nota aí - transcrita em epígrafe - numa coluna social e que me pareceu digna de algumas considerações estrambóticas; a título, obviamente, de bazófia e sedição:

É chique: - Como é comum acontecer nessas colunas o autor se coloca na posição de sugerir o que é bom ou não - gente descolada - Que porra será essa? Já ouvi falar de Retina Descolada, aliás, uma excelente banda punk local, fazia um estilo pós-congo com um moicano style na cabeça da casaca - que fala de sexo, política e moda com ousadia e elegância. - Para tudo! Stop in the name of fuck!

Como é que pode uma pessoa misturar três coisas tão diferentes como política, sexo e moda no mesmo balaio e quinto: ainda fazer isso com “ousadia e elegância”? Termos afrescalhados e idiotas, sendo que a palavra elegância caiu em desuso no último acordo ortográfico de 1990, só é usada por pessoas sérias com a intenção de tirar sarro da cara de gente pedante ou ignorante, ou ambos os dois, sem pleonasmo nem nada.

Já imaginou falar de política, sexo e moda com ousadia e elegância?

- Não, pois é isso que eu to te falando, quero me eleger deputado pra com o auxílio paletó poder comprar um terno da Hugo Boss e pegar aquela assessorinha menor de idade lá da minha comunidade!”

Ousadia do parlamentar e audácia da pilombeta! (salve Didi Mocó e o Muçum nas alturas “di fatis”). Mas fico pensando como é que se falaria de sexo com elegância... Será que as “locomotivas da sociedade” andam freqüentando Sex Shop? E se é assim, qual será o “grito da moda” nesse sentido? Dá até medo de perguntar. Imagina uma dondoca falando pra outra: deixa de ser boba menina, sexo anal é só pra gente que faz uma vez por ano! Cai matando Zoraide!

Mas continuando as considerações vem a segunda estrofe: É o fim: - Traduzindo livremente do boiolês - sem preconceitos evidentemente – ser “o fim” é uma forma bem dramática de dizer que alguma coisa é “o maior palha”! - Gente cheia de pudores. - Pudores é forte né? Quase um palavrão, simplesmente flatulento - O mundo enjoou de falsos moralistas - Se o mundo, enquanto entidade, pudesse enjoar de alguma coisa, certamente esse tipo de “jornalismo” teria a prioridade - Ufa! - Eu a-do-rei essa exclamação do final, digna de uma senhora elegante, de retina descolada, após um dia cansativo de ousadias, batendo pernas pelas botiques, botequins e cabelereiros da cidade.

É impressionante que coisas como essas sejam pensadas ainda nos dias de hoje, mais ainda que sejam ditas, imperdoável que sejam escritas e lamentável que sejam publicadas. Tá doido meu! Antes de terminar quero dizer que este texto é puramente ilustrativo e as pessoas envolvidas não condizem com a realidade, especialmente a Tia Clotildes. Não quero aqui fomentar o ciúme e a competição entre os meninos e meninas que se dedicam à nobre arte de puxar o saco dos ricos e poderosos. Em tempo: sedição quer dizer, entre outras coisas: perturbação da ordem! E ademã que eu vou em frente!

ONDE OS FRASCOS NÃO TÊM VEZ

Amores e dores não são as melhores rimas
nem cores e sabores
e todas essas coisas afins ...
Sei lá o que são as melhores rimas!
Se me pegar embolado com estrofes aparta
e reboca pra fora do botequim.
Porque a ressaca é o castigo dos frascos
e a intenção é chegar vivo no fim...

Alberto Caieiro - Psicografado por JackO

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

SABENDO O CERTO POR VIDAS TORTAS

Recebi um texto - atribuído ao escritor baiano João Ubaldo Ribeiro - sobre a desonestidade do povo Brasileiro, como se todos sofressem de desvio de caráter e que - apesar da gritaria contra a roubalheira das instituições público/políticas – fossem capazes de passar a mão e levar pra casa alguma coisa do trabalho no melhor estilo “a ocasião faz o ladrão”. Muita gente entende que “o que é de todos não é de ninguém”... Eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também. Então você não tem compromisso porque o tudo é o nada, muito filosófico isso, explica, aliás, porque existem tantos pobres meninos e meninas ricos.

De certa maneira o escritor está certo, afinal, convivemos com pequenas malandragens em nosso cotidiano de maneira tão simplória que tem hora que a pernada passa despercebida e quem consegue premeditar o breque se sente mais esperto e até vai pra casa feliz. Em Bento Ferreira mesmo tem uma ótima padaria que reina absoluta num ponto privilegiado do bairro onde fazem uns pãezinhos doces muito gostosos que são arrumados nas prateleiras de maneira que os mais velhos fiquem na frente dos mais novos. Daí você pergunta, mas não deveria ser o contrário? Bom, não do ponto de vista do fabricante.

O dono da padaria – e isso é também muito comum também nos supermercados – provavelmente instruiu seus funcionários a colocar os pães mais antigos na frente simplesmente porque a maioria dos consumidores pega o produto sem verificar a data de fabricação. Não sei se podemos classificar isso como desonestidade se pensarmos que o consumidor vai chegar em casa e comer o pão, mas vender uma mercadoria de dois dias atrás pelo mesmo preço de uma que acabou de ser fabricada e ainda a colocar em evidência, praticamente escondendo a mais nova, não é um jogo dos mais leais.

E quem é que faz diferente dos padeiros? Daí que vem aquela famosa frase idiota: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Ou seja: “em rio que tem piranha jacaré nada de camisinha”. Mas é muito chato viver dessa maneira não é? Como se fossemos uma nação de maníacos obsessivos, recontando, re-checando; testando a durabilidade, a validade, a fidelidade de tudo e de todos. Que liberdade é essa então? “De que me vale ser Edith Piaf se não posso fazer o que me der na telha”? Já pensou se para cada pessoa contratada tivéssemos que colocar uma outra pra tomar conta da primeira? Mas não abre o seu olho não japonês...

E se todo casal tivesse que contratar gente pra fiscalizar a fidelidade do parceiro? Porra meu, ou confia ou joga fora no lixo, não vale a pena viver assim. Daí alguém resolve provocar o maridão, galhudão - Diguvon Spoton da Bayer - desconfiadão:
- Você num confia no seu taco não ômi, tem que botar gente pra tomar conta da vida de sua mulé?
- Olha maluco: no meu taco eu confio, o que eu num confio é na caçapa dela...

terça-feira, 7 de outubro de 2008

MEU PRIMEIRO CAVALO FOI UMA ÉGUA!

A frase título parece muito doida, e é mesmo. Sabe onde foi que eu ouvi isso? Ontem a noite na novela A Favorita - Digo que ouvi, por que enquanto a patroa assiste a novela eu costumo ler - A personagem daquela menina bonitinha, loirinha de cabelo curto, enfim, a menina explicava isso pro namorado; Um cara que era cafajeste, pegador de puteiro, mas que agora é um empresário seríssimo e mau humorado, quase um monge.

Novela tem dessas coisas, as pessoas mudam de caráter como quem muda de roupa. Ora, mudar alguns hábitos e até sua atitude com relação ao mundo é uma coisa, mas mudar o seu próprio jeito de ser é complicado. Sabe como chamam isso? Teledramaturgia. Daí que me saem com essa pérola do non sense: “meu primeiro cavalo era uma égua”. Seria o equivalente a dizer: minha primeira esposa era um homem - o que, aliás, pode acontecer até nas melhores famílias, segundo ouvi dizer, não sei... - Mas e você, já pensou?

Bom, pelo menos serviu pra me divertir. Fiquei imaginando algumas outras situações engraçadas pra transpor essa frase, por exemplo:

O casal conversa enquanto caminha até a Lan House da periferia, ele displicentemente fala: “Você sabia que meu primeiro carro era uma bicicleta?”

Dois ambientalistas paqueram durante manifestação da Sociedade Protetora dos Animais, ele tenta sem muito sucesso convencer a companheira às práticas de acasalamento e murmura com emoção: “Podes ter certeza minha querida: o primeiro pinto que pia é a perereca!”

Batman e Robin lembravam a infância e o cara bat-rememora orgulhoso os carnavais de outrora: “A primeira vez que me vesti de super-homem foi com a roupa da mulher maravilha!”

Pra arrematar com uma piada local: dois percussionistas conversam sobre as variações harmônicas entre um tambor e um tamborete quando um deles me sai com essa: “Não cara, meu primeiro reco-reco era uma casaca!”

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

ENSAIO É ENSAIO - FILME É FILME!

Sexta a noite. Parada estratégica na praça de alimentação do shopping para um jantarzinho barulhento, depois um cineminha. Por que não? Vejo poucas pessoas conhecidas quando vou a esses lugares e acho curioso isso. A maioria das vezes em que vou ao supermercado, por exemplo, encontro sempre de três a quatro amigos e conhecidos, minha geração parece mais prática e acomodada a lugares onde não se cobra pra estacionar... Ainda.

Uma das coisas que mais incomoda em shopping é o barulho, uma balbúrdia louca que - em face da quantidade de informação visual - passa despercebida a muitos. É um som reverberante comum aos lugares fechados e lotados e que irrita, desorienta, geralmente fico louco para ir embora. Conversando com um grupo de cegos eles me disseram que se sentem assim também, o som é uma de suas principais ferramentas de orientação. É uma merda, mas não vai mudar: não é pensado para os que têm ouvidos para escutar.

Diversão é observar as pessoas. Tantas, diferentes e únicas, a vaidade as torna engraçadas e inacreditáveis. Especialmente isso. Na mesa ao lado tem um casal que traz o filho por uma espécie de coleira, como um cão. O menino, curiosamente, se comporta como tal, tentando se soltar e correr em liberdade, só faltava latir. Alguns passam e comentam, os pais fingem indiferença e devoram enormes hamburguers com Coca e batata frita. Ali estava o link para o filme que iríamos assistir: Ensaio Sobre a Cegueira:

Fernando Meirelles é um diretor requisitado em Hollywood atualmente, talvez o único daqui que realmente tenha se tornado mainstream. Depois do sucesso mundial e do reconhecimento obtido com Cidade de Deus o diretor partiu de vez para produções de primeiro mundo. Assisti a uma longa entrevista dele no programa Roda Viva da TVE, comandado pela ex-global Lílian Wite Fibe – visivelmente deslumbrada com a presença do diretor -, cujo tema central era o lançamento de seu novo filme.

Meirelles tem um blog - há muito não atualizado - que nos dá uma grande panorâmica sobre o fazer cinematográfico, as difíceis decisões na busca por um produto íntegro e comercial ao mesmo tempo. O diretor rasga o verbo, comenta de situações constrangedoras que um artista tem que administrar para ser peão da indústria norte americana, tanto que quando ficou sabendo que estavam traduzindo o blog para inglês achou melhor parar de escrever. Algumas pessoas da Miramax mereciam ter lido.

Ensaio Sobre a Cegueira acabou se revelando uma história difícil de ser traduzida para a linguagem cinematográfica, Meirelles teve trabalho em encontrar uma edição que não chocasse tanto a platéia e esse foi talvez o problema. Se a idéia não era espantar (nos dois sentidos) o espectador, porque então escolher uma história que inclui, por exemplo, duas seqüências de estupro? Eis a questão. Não vou dizer que o filme é ruim, nem que é descartável como se exige do cinema pipoca americano, o problema é que tentando agradar troianos e conciliar abismos o diretor se perdeu e não conseguiu produzir um filme visceral daqueles para se guardar na prateleira de casa e rever de vez em quando.

O curioso é que – entre tantas concessões - um das cenas que Meirelles não aceitou mudar foi a dos cães, porque estava no livro de Saramago e - mesmo com rejeição do público em test screens - o diretor bateu o pé pra cachorrada ficar. Volto então minhas lembranças para o menino cão na praça de alimentação e o barulho que desorienta aqueles que não enxergam. Essa é a luta do dia a dia: perceber-se vivo, manter-se desejado (comercial) e íntegro ao mesmo tempo. Parece fácil não é? Então vai lá fazer sabichão!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

ISSO AQUI NÃO É A ÚLTIMA COCA-COLA DO DESERTO NÃO

Eleições chegando para Prefeitos e Vereadores pelo Brasil afora, daí rola ênfase na tentativa de conscientizar o eleitor para o fato de que perigamos ficar quatro anos suportando algumas malas sem alça que pleiteiam vagas em todo o país. O problema é que existem coisas para as quais a propaganda simplesmente não funciona, vide as campanhas anti-tabagismo e, segundo me disseram outro dia, o marketing ambiental das empresas ecologicamente responsáveis.

Será que não está na hora de se debater a questão do voto obrigatório? Colocar todo mundo pra votar não seria dar margem ao voto de protesto? Quando o voto era escrito até dava pra zonear, votar no Macaco Simão, no mosquito e em outras paradas fictícias, mas hoje não, daí que o eleitor revolts resolve jogar contra o próprio patrimônio, votando de sacanagem nas figuras mais histriônicas e ridículas. Sem falar no voto de cabresto do eleitor que se vende, trazendo o desgoverno como aconteceu em nosso Estado na era Gratz.

Então você não acredita em política meu irmão? Não quer votar em ninguém não? Vota nulo. Pense nos engarrafamentos, nos impostos, considere até a própria imposição de votar; mas não ajude a eleger um desses Zé Ruelas que vai realmente tomar posse felizão da vida e danar a inventar formas de piorar ainda mais aquilo que já não é a última Coca-cola do deserto.

Bom, mas chega de lição de moral e papo cabeça por hoje. Quero compartilhar com os amigos algumas piadas verídicas, que aconteceram de verdade e eu, testemunha ocular, estava lá para conferir in loco, porém não muito louco, aliás, essas coisas me deixam de careta... E você?

MISTÉRIOS DA TAUTOLOGIA - O CORAJOSO ENCARA DE FRENTE:

Dizem que uma conhecida vereadora estava no palanque do então Prefeito de sua cidade, brindando o público com suas pérolas do non sense quando apareceu essa:

- Seu Prefeitchú! – Falava e olhava à sua volta – Eu sei que tem muita gente por aí que não gosta do meu trabalho e que vive falando mal de mim! Mas fala meu chefe é por trás! Vem por trás e mete o pau nim mim! (aplausos, muitos aplausos) Mete o pau por trás das costas... É verdade. Agora eu quero ver o dia seu Prefeitchú, que-ro-ver-o-dia, que vai aparecer um homê di verdade (ênfase, muita ênfase), mas um macho mesmo! Que vai ter coragem de meter o pau é pela frente!!!

ÁI EU ADORO GERÚNDIO GENTE, EU ACHO CHIQUE, ACHO DIGNO!*

Teve também a célebre ocasião em que um magistrado jovem e muito bonitão compareceu a uma solenidade oficial deixando a mulherada em polvorosa com sua imponente presença. Só o cargo já era razão pra ouriçar a tietagem, mas o cara, ainda por cima, era realmente boa pinta. Lá pelas tantas foi passada a palavra ao senhor juiz que, arrancando suspiros da platéia, se saiu com essa:

- ... Então blá, blá, blá... E eu queria agradecer a oportunidade de estar me dirigindo a todos nesta ocasião e aproveitar para convidar os presentes a estar conhecendo a minha vara. - as mais afoitas entreolhavam-se sem acreditar no que ouviam - É uma vara humilde, sabe? Pequena (ênfase, muita ênfase), mas ela funciona!!!
* (Fala da candidata a reeleeição Betina Botox que, logo após o pronunciamento do magistrado, cai dura pra trás no fundo do salão).

NEM TUDO O QUE BRILHA É PURPURINA

Conheço um ótimo apresentador de eventos que é uma figura muito distinta: voz grave e profunda, cabelos totalmente grisalhos cortados bem curtos, vasta barba branca, um visual acima de qualquer suspeitas. Porém – não muito secretamente – o indivíduo é um ativo (e passivo também) militante do movimento Orgulho Gay.

Em todas as grandes inaugurações é a mesma coisa: o povo fica ansioso por estar perto do Prefeito, dar aquela puxadinha de saco básica; pedir, pedir e pedir. Lá no meio da muvuca estava uma senhora não muito distinta, tentando sem sucesso se aproximar do mandatário municipal, sei lá qual era a sua verdadeira intenção.

A cerimônia começou com as autoridades se postando em um lugar de destaque e a mulher resolveu, no seu projeto de se aproximar do Prefeito, jogar seu charme pra cima do circunspeto apresentador...

- Escuta aqui. Você não está lembrando de mim não é?
- (o apresentador faz uma expressão séria e desinteressada) Não minha senhora, eu não estou lembrado.
- Poxa vida hein... Então, quer dizer que é assim é?
- (lentamente o homem desvia os olhos do roteiro da cerimônia e fita a mulher por cima dos oclinhos de leitura) – Assim como minha senhora?
- (colocando as mãos na cintura) Vai dizer que você não está me reconhecendo...
- (voltando a fitar o roteiro o apresentador responde laconicamente) – Não minha senhora, não estou te reconhecendo. Aliás, eu tenho certeza absoluta que não a conheço.
- Ah é, é? Já esqueceu daquela noitada no barzinho e depois no motel é? (o apresentador agora a olha lívido, sem acreditar) A gente já saiu e coisa e tal e agora você faz que nem me conhece é? Como assim?
- (Dessa vez a biba perde o rebolado, aquilo, afinal, era uma afronta à sua evidente feminilidade) – Não minha senhora, eu não esqueci dessa noite não. E quer saber por quê? Porque ela nunca existiu.
- Ah não é? Pois sim...
- Não minha senhora nunca existiu não e quer saber por quê? Porque eu sou viado, viado entendeu? Vê-i-Aia-dodô. Bicha! Tá legal?!!!
***

Esse mesmo apresentador comandava a festa de entrega da pavimentação de umas ruas em que fazia discurso um vereador local, super fanho, que além de ter arrancado alguns dentes naquela tarde ainda insistiu em fazer uso da palavra.

- Enfão minha fênte, éfa óba é múuto portante, mas muuuto portante mefmo. Puquê ela é toda feita no boquete, que é mil vefes milhóm que afalto. O boquete, ele fafilita a água efcoar e o afalto causa alagamento. Eu gostei mesmo defa oba, puquê enxeu tudo aí de boquete, mas colocaru uns cem mil boquete de cima embaxo!

No canto do palco o apresentador segreda aos mais próximos:

- Ái meu Deus, não precisa cem mil não: com unzinho só eu já estava satisfeita!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

VOCÊ SABIA QUE OS ENGARRAFAMENTOS SÃO CAUSADOS PELO AMOR?

(Praça de alimentação de um Shopping qualquer, hora do rush, a happy hour. Por que será que essas coisas têm nomes gringos? E quinto: como poderíamos traduzir? Hora Feliz? Não tem felicidade alguma em encarar um puta engarrafamento depois de sair esbodegado do trabalho.)

- Meu marido não conseguia me fazer feliz, então eu resolvi terminar tudo.
- Mas isso não é razão...
- Como assim?
- Você é que não gostava mais dele.
- Não. Não sei se é assim... Eu amava ele sim.
- Pedir que alguém seja responsável pela felicidade de outra pessoa é uma merda. Não acho justo.
- Você não estava lá, não sabe o que eu já tive que agüentar.
- Ué, então diga simplesmente que você não era feliz com ele, ora.
- Qual a diferença?
- Toda diferença. Quando você diz que ele não conseguiu te fazer feliz, parece que você quer dizer que a culpa foi dele.
- Mas a culpa foi dele mesmo.
- Por você não ser feliz?
- Sim.
- Não... Ninguém pode ser responsável por nossa felicidade.
- (Ela futuca a bolsa, nervosa, até encontrar a chave do carro) Essa conversa não vai chegar a nenhum lugar, eu preciso ir embora...
- (Sem dar importância à ameaça de ser abandonado, continua falando calmamente) Precisamos ser felizes por nós mesmos, entendeu? Mesmo se estivermos sozinhos. Ou melhor: Principalmente se estivermos sozinhos.
- (Voltando a colocar a bolsa em cima da mesa) A culpa foi toda dele! Ele é que falhou em seu papel de marido.
- Por quê?
- Não me levava pra dançar, queria ficar em casa vendo filme. Ah! Era um saco!
- Ué, e ele gostava de dançar?
- Claro que não? Qual o homem que gosta?
- Então por que você reclama?
- No início ele ia, né...
- Bom, talvez para tentar te agradar. A maioria dos homens faz isso.
- Pois é, depois que conseguiu o que queria virou um mala sem alça.
- É verdade.
- O quê?
- Eu acho que essa nossa conversa não vai chegar a lugar nenhum.
- (Acendendo um cigarro) Ah é? E por quê?
- Porque eu sou homem ora.
- E daí? Se você não fosse homem, essa conversa nem estaria acontecendo.
- A diferença entre eu e seu marido é que você está cansada dos defeitos dele e ainda não conhece os meus... É provável que a vontade de ter alguém possa ter feito você acreditar que eu seja o homem perfeito pra você, mas isso não existe... E quando eu mais precisar de você e te amar de verdade, você vai estar sentada na praça de alimentação de algum shopping conversando sobre os meus defeitos com outro cara qualquer... E isso não dá pra agüentar, mesmo com o passar do tempo e a distância, mesmo se agente nunca mais se ver...
- (Ela abaixou a cabeça e fitou o chão por um longo tempo) Então o que você quer fazer?
- Quero fazer o que você quiser...
- Vamos para o meu apartamento ou para o seu?
- Tanto faz...

(Pagam a conta e saem do Shopping. Ao longe vemos a avenida engarrafada, o casal se encara com embaraço e desejo. Era o frisson de amar, o combustível que mantém o mundo cheio de gente, gente que dirige carros e vão engarrafando as vias dos lugares onde moram. Gente! E eles não estavam mais sós... Pelo menos por um tempo).

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

As Crianças Índigo Previram o Fim do Mundo!

Dá pra acreditar numa coisa dessas? Na MTV tá passando um programa reunindo a banda Calypso com o Paralamas do Sucesso (!) Desse jeito eu vou ter que me juntar aos meninos da (ótima) Revista Quase e pedir eutanásia pra Herbert Viana também...

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A SOLIDÃO VERSUS O PODER AQUISITIVO – PARTE 2

Uma amiga que mora no exterior me escreve pedindo notícias da saudosa Livraria Don Quixote - que ficava na Praia do Canto no início da Aleixo Neto – um dos principais pontos de encontro dos intelectuais locais, mas que há muito encerrou suas atividades. O Antonio Carlos, antigo proprietário, é meu amigo do Orkut e, se não me engano, tem até uma comunidade da livraria. No espaço rolava sarau, lançamento de livros e outros breguetes, mais que um estabelecimento comercial, era um ponto de divulgação de literatura, cultura e arte.

Na Grande Vitória somos mais de um milhão de habitantes, e não temos uma só Livraria de grande porte, uma megastore nos moldes que vemos no Rio e São Paulo. Tempos atrás tentei achar um exemplar de A Tempestade de Shakespeare pra comprar e não consegui, acabei baixando da net e imprimindo. Vivo procurando livros antigos sem sucesso, acabo fazendo uma listinha e comprando em viagens a outras cidades, ou pedindo pela internet mesmo.

A Infovia tem influência nesse processo de enfraquecimento nas vendas, sobretudo de discos e na locação de filmes, mas os comerciantes locais têm lá sua parcela de culpa, porque as coisas acabam chegando às prateleiras com preço mais que salgado. Só pra dar um exemplo: uns meses atrás eu estava procurando um cabo midi/usb pra ligar meu teclado (instrumento musical) no computador e achei alguns por aqui que custavam mais de R$200,00. Procurei no Mercado Livre e acabei comprando por R$60,00 (!) com frete incluso e tudo mais.

Outro comentário que recebi sobre o último texto me lembrou de uma experiência recente. Um amigo me convidou para assistir ao show de sua banda numa conceituada casa noturna local, seriam três apresentações de grupos semi-novos lá dos brumosos anos oitenta. Como a pendenga começava pelas dez, dez e meia, fui jantar com a patroa, tomar uns birinights (Eita Edízio Tatu!) e chegamos na cena do crime por volta de onze e meia.

Pra começar acho constrangedoramente cafona essas baias por onde temos que passar que nem gado para entrar em casas noturnas que se consideram modernas e bacanas, depois tem que dar o nome, não entendo pra quê – hãn? É pra colocar na comanda! Ah tá... Mas que saco hein? – Bom aí vem um cara me revistar, vestindo um terno de oxford tão mal enjambrado que parecia um travesti de segurança. Será que alguém pode realmente estar armado aí dentro? Um lugar seguro mesmo não precisa desses expedientes.

E lá dentro rolava um festival de semi-novos em exposição, todos muito animados e sacolejantes ao som de uma banda que – a bem da verdade - não fazia muita justiça aos clássicos jurássicos da década perdida. Enquanto isso, o tempo – esse menino sacana - foi passando arrastado e nada das atrações principais darem o ar de suas panças protuberantes. Quando o relógio bateu uma e meia começou a me incomodar a idéia de que em pouco tempo eu teria que estar de pé pra trabalhar, resolvi ir embora sem ver nem metade da programação, afinal, esse negócio de “pro dia nascer feliz” é coisa de quando eu podia me dar ao luxo de... E você?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A SOLIDÃO VERSUS O PODER AQUISITIVO

Uma amiga sugere falar sobre a falta de opção de lazer e diversão na Grande Vitória para as pessoas de idade intermediária - aquela turma pra lá dos trinta e tantos e abaixo dos cinqüenta e pouco. O mercado para os “adultos jovens” é realmente muito restrito: estamos fora do circuito dos grandes shows (sobretudo internacionais), peças de teatro, lançamentos literários, filmes (Cadê “Linha de Passe”, o novo de Walter Salles e Daniela Thomas, lançado no último 05 de setembro?) etc. Sem falar que não temos aqui nenhuma casa de shows em que se pague um preço razoável para assistir a uma apresentação com conforto e tranqüilidade.

Vivemos hoje uma situação injusta: temos os principais problemas das grandes cidades com mais de um milhão de habitantes: engarrafamentos constantes, violência urbana, muita poluição; sem a contrapartida cultural que vemos nos grandes centros que nos circundam. Até quando o principal palco local (Ginásio Álvares Cabral) vai ter aquela acústica embolada? Não existe por aqui um teatro que acomode mais duas mil pessoas, o que inviabiliza as grandes produções, falando nisso: quem foi que classificou aquele auditório da UFES como Teatro?
Mas uma das principais queixas dos adultos jovens é que na noite local não se tem lugares de referência, bares de happy hour e coisas do gênero. Sair pros “Embalos de Sábado a Noite” é cair no domínio dessa linda juventude que classifica como “Tio” qualquer um acima de trinta e poucos anos. Se o cara for gastador e boa companhia, será tachado de “coroa gente boa”, mas se resolver “paquerar” as menininhas achando (e como tem cara que acredita) que elas adoram os homens mais velhos ganha logo a alcunha de “Tio Sukita”, “Velho Babão”, ou coisa pior. Os adultos que vemos pela noite geralmente estão trabalhando.
Outro dia ouvi uma definição engraçada pro pessoal da “meia idade”: eles (nós?) seriam os “semi-novos”... Tem coisa pior que um eufemismo? Ser comparado com um cacareco enferrujado que fica mais caro consertar do que mandar pro desmonte? Se é assim com os adultos jovens, imagina o que passa a galera que já desceu a ladeira mesmo. Mas é aí que eu quero entrar no assunto:
Como os ditos “idosos do agito” - esses delinqüentes senis - os semi-novos descasados que se aventuram à caça nas noitadas não representam uma parte significativa da sociedade. Mas, diferente dos primeiros, estes ainda não conseguiram se organizar em associações e clubes de seresta dançante para alavancar suas paqueras. Talvez pela falta do tempo para se articular que a aposentadoria proporciona à coroada, o jovem adulto tem que amargar a desorientação das noitadas em meio à gurizada e com razão reclama. Mas ai é que retorno ao ponto inicial da questão:
Os semi-novos são os principais representantes da força de trabalho em nossa comunidade, eles é que pegam no batente logo cedo, arcam com as responsabilidades no trabalho e no lar e não podem - e se puderem não agüentam -, ficar virando noite atrás de ilusões que se dissiparam quinze anos atrás. Como é o mercado que regula suas prosopopéias de oferta e procura, os grupos restritos têm que agüentar o preconceito, a indiferença e, o que é pior, gastam lá a sua grana sem ter o retorno desejado. E esse é um detalhe interessante:
O nosso país é injusto com a espremida classe trabalhadora, tanto que nem preciso ficar falando aqui. Então uma pessoa destas, que sabe muito bem o quanto é difícil ganhar dinheiro, sai pra noite e se depara com ingressos caros, filas para entrar, para comprar uma bebida, para ir ao banheiro e, especialmente, para conseguir sair. E se reclamar a culpa vai ser de sua dureza e incompetência pra se freqüentar. Afinal, a diversão dos esnobes e endinheirados é pagar mil dólares numa garrafa de vinho que em muito pouco tempo vai virar xixi! E pensar que são essas as pessoas que sabem ganhar e investir dinheiro...
Mas isso é o mercado de consumo obrigando as pessoas a comprar coisas que elas não precisam, para aparentar ser algo que não são e no final ficarem sem poder ter o que realmente querem (citação livre do filme “Clube da Luta”). Sim, porque no final quase tudo passa pela solidão versus poder aquisitivo. Não tem clima romântico que resista a um programa a bordo de Transcol lotado e cineminha em Laranjeiras. Pior é o caso das mulheres que tem a manutenção alta e gastam horrores com roupas, maquiagens, perfumes, cremes, salão de beleza, o diabo a quatro, se endividam, se enrolam e no final caem nas mãos de um cara que pensou que estava pegando uma grãnfina e dá no pé assim que descobre que ali tem muito mais problema do que solução.
Fico então me perguntando se toda essa situação acontece porque, apesar de todo o desenvolvimento aparente, a sociedade capixaba ainda não tem um conjunto de pessoas com poder aquisitivo significativo o suficiente para fomentar investimentos nas principais áreas culturais ou se os anos de estagnação local ainda não proporcionaram surgir uma nova mentalidade entre os promotores de evento para que apareçam opções alternativas de diversão e entretenimento. Porque do jeito que está vale repetir a pergunta do escritor Aldous Huxley: quem é que realmente se diverte hoje em dia nos lugares de diversão?

domingo, 14 de setembro de 2008

ANÁLISE HOMOFÓBICA DA MÚSICA BREGANEJA

Têm umas mensagens eletrônicas que de vez em quando reaparecem na net, algum internauta que gostou da história resolve compartilhar com os amigos, afinal piada boa é aquela que a gente não conhece. Duas circulam faz tempo e de vez em quando me chegam de destinatários diferentes. São parecidas, esculacham (termo em alta ultimamente, sobretudo no universo Rave-n-gar) com a música brega nacional, o que é chutar cachorro morto. Pra que gastar tempo dizendo que o cabelo do Chimbinha é ridículo e que aquela mocréia da banda Calypso não canta, uiva? O jeito é transformar em piada.

A primeira mensagem era refinada, escrita pelo Veríssimo, comparando a música dita ruim com as drogas, muitos de vocês devem ter recebido esse email. A segunda é sobre os astros brazucas precocemente excluídos da face da terra: Cazuza, Os Mamonas, Renato Russo, Cássia Eller, Raul Seixas, enfim, uma galera, supostamente do bem fazer musical. E que, por outro lado, os pagodeiros, axézeiros (sic) e breganejos continuam por aí esbanjando saúde e ocupando o espaço auricular de qualquer um que se aventure a dar o beiço pelas noitadas... Com esse eu já não concordei muito, afinal:

O parceiro do Daniel morreu (não sei quem era, mas tinha) deixando a biba solta em vitoriosa - de Ivan Lins - carreira solo. O irmão do Leonardo, o Leandro, teve um câncer raríssimo (diferente da música comum e chumbrega da dupla) e empacotou. O primeiro parceiro do cumpádi Mirosmar (também conhecido como Zezé di Camargo) foi-se de acidente de carro e, essa semana que passou, o câncer carregou Waldick Soriano para o seio da lira brega desencarnada... E se você pensar bem, a perna de Roberto Carlos já está por lá esperando por ele faz tempo. Mas o resto tá ruim de chegar né?

Falando em breganejo, estava eu num happy-streng popular e ouvi uma música gozada que falava de um cara que enganava a mulher dizendo que ia pescar com os amigos, mas na verdade ia cair na bagunça! Daí pensei com meus botões: será que essa animada cançoneta popular foi inspirada no filme "O Segredo de Brokeback Mountain"? Afinal a história dos dois caubóis tinha essa coisa de pegar na vara, digo de pesca... Futuquei a moça do lado e perguntei de quem era aquela música, ela olhou para o outro lado e não me respondeu. Achei estranho e a coisei de novo, daí ela falou indignada: - Pô, pensei que cê tava fazendo hora com a minha cara... É do Bruno e Marrone, ora! Como se eu tivesse obrigação de saber essas coisas - e mesmo que soubesse jamais admitiria assim por escrito.

Mas essa música me deu o que analisar psico-deli-cológi-camente. Atentem para o refrão: Que pescar que nada vou bejar na boca / ver a muierada na madrugada ficando louca / ...
... Porra, não lembro o resto. Dexeu pesquisar no Google ...
Putz! E agora? Abri o "letras.terra.com.br/brunoemarrone" e pra meu espanto achei mais de 250 músicas! Quantos discos será que esses caras já gravaram? Pensando bem, uma das características do brega é a alta capacidade de reprodução ... Vou continuar procurando ...
Tá difícil, os títulos das músicas são todos parecidos: Doçura de Enganar, Estou Aprendendo, Estou Arrependido e por aí vai...

Olha esse: Explosão de Amor - Ficou meio apelativo né? Hahahaha!

Achei!!! Na letra "Q" - Ora que burrice a minha, o nome é: Que Pescar Que Nada.

Nada mais óbvio, eu colocaria: quando a minha vara saiu de férias!

Bom vai aí a interpretação completa, digna do Grilo Falante em pessoa, se bem que é capaz dele me dar um puxão de orelha pelo ligeiro homofobismo que tratei o assunto:

Na primeira estrofe o cara relata que tá sossegado, com o burro na sombra e resolve pegar o cunhado (!) pra passear. Enche o tanque do carro, compra pinga e cigarro - provavelmente pra embebedar o moleque - junta as "tráia" de pesca pra disfarçar e se anima com uma "festa" que vai rolar lá na lagoa... Daí fala pra mulher que a farra é comportada e reclama que ela não o deixa por a cara pra fora (soltar a franga?) nem jogar bola. Daí conclui dizendo que o jeito é ir pescar... He he he, coitado desse cunhado. Bom, também não sei, vai que o menino - supondo que seja um menino - é do ramo.

Mas é no refrão que o cara se entrega quanto às suas verdadeiras intenções: fala que vai beijar na boca, ver a mulherada ficando louca (nessa turma ele provavelmente estaria louquérrima se incluindo) e que vai ter sete pra cada homem. Amigos: foi nessa hora que o cara deu um pulo acrobático, Hipólito, pra fora do armário. Ora, todo mundo sabe que sete é conta de mentiroso e, se vocês têm boa memória, o pescador de araque diz no início que a turma estava indo para uma festa na lagoa, antes de inventar pra esposa que ia pescar. Pala gayyy!!! Mais perfeita pra trilha Brasileira do Segredo de Brokeback só aquela do Ahêee cowboy viado! Aliás, será que o tal do Daniel já gravou essas músicas?...