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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

GOSTEI DE UM TEXTO DE CAETANO VELOSO

Tô pra te dizer que nunca tinha lido nada de Caetano Veloso que me agradasse: como escritor eu o acho pedante e o costume que ele tem, inclusive no texto abaixo, de mencionar autores e eventos que soam "descolados" do ponto de vista intelectual - se é que isso é possível - me faz pensar que o bardo baiano tenha algum problema de auto-estima. Por outro lado não sei: talvez ele seja apenas um cara que lê Nietzche e Stephan Zweig, vê filmes do Lars Von Triers (Agora não dá mais pra mencionar o Godard?) e queira falar das coisas que gosta como muita gente faz, inclusive eu.


Seu texto é sobre o Natal que acabou de passar e o Reveillon que está para chegar. Gostei muito da forma como ele fala da canção de Assis Valente e da sensação de repúdio às festas natalinas que, aliás, compartilho integralmente. Quem sabe, como ele, um dia não volto a gostar também? De vez em quando nos sentimos velhos e rodados, mas, talvez o que nos falte seja simplesmente a maturidade...

 

Caetano Veloso - Curva do Calombo

Todo fim de ano é fim de mundo, e todo fim de mundo é tudo o que já está no ar. Ou pelo menos é assim que lembro que começa a canção que fiz em Brasília para o disco "Cantar", que produzi para Gal no final dos anos 1970. O ano de 2012 chega com supostas profecias do calendário maia, com a "Melancolia" de Lars Von Trier, com a deterioração da União Europeia e a impressão de que a hegemonia do Atlântico Norte  chega ao fim. Isso é mais ou menos tudo o que já está no ar. Mas da próxima vez que eu for a Brasília, eu trago uma flor do serrado para você.

Não fui procurar o que afinal Flora Thompson DeVeaux achou de Brasília, mas vi que ela equacionou as notícias de cancelamento (tantas vezes desmentidas e reeditadas) do show de João Gilberto com o poema de Pessoa sobre Dom Sebastião ("Sem a loucura o que é o homem/ Mais que a  besta sadia/ Cadáver adiado que procria?").

Brasília costumava ser o refúgio dos que desejavam salvar-se do Apocalipse. Só o Planalto Central do Brasil sobreviveria à subida abrupta dos mares e aos demais desastres que chegariam com o novo milênio. O novo milênio chegou, e o Brasil sentiu afinal tinha ele mesmo chegado ao futuro.

Aquele futuro que Stefan Zweig sacou tão bem. Mas as notícias sobre o crescimento das áreas faveladas nas cidades brasileiras, aliadas ao crescimento zero que sucedeu ao milagre da época da campanha de Dilma, fazem pensar em planejar um desânimo. Mais uma vez.

Enquanto escrevo no Leblon, ouço com espanto um carro de som que passa pela minha porta tocando "Boas Festas" de Assis Valente em volume de Jingle Bells. O vídeo que rola na internet tem uma versão dessa canção americana (ou será inglesa?) com alguns sotaques do nordeste brasileiro mas fincada em percussão e guitarra baianas. Sou velho o bastante para lembrar da marchinha de Assis Valente como canção de Natal por excelência, inclusive com uma gravação em harpa paraguaia que, quando surgiu, já um tanto tardia, era obrigatória nas festas de fim de ano.

Jingle Bells era conhecida (acho que João Dias a gravou nos anos 50, com a letra em português  que conhecemos), mas o "Anoiteceu/ O sino gemeu" de Assis era que marcava a temporada natalina. Como se sabe, é uma canção de Natal com letra pessimista, coisa rara em toda parte e talvez mesmo impensável em todos os países ocidentais. Mas é uma canção irresistivelmente doce ao canto, profundamente concorde com a atmosfera do Natal.

É assim que os brasileiros sempre a escutamos. Observo que ela já não é tão ouvida ultimamente e suponho que gente da geração de meu filho de 19 anos talvez nem a coneça bem. Seria uma pena. João Gilberto a considera uma expressão de grande musicalidade (sua interpretação dela, que só se pode ouvir num vídeo do programa de TV que ele gravou faz já muito anos, é uma das coisas mais bonitas que o Brasil pôde vivenciar enquanto esperava o futuro).

Brasília não é celeiro de boas notícias, mas quem sabe? Há quem diga que ela mesma foi péssima notícia. Mas eu sou sebastianista joãogilbertiano e, louco, ainda acho que o pessimismo explícito e oculto da canção de Assis diaz algo sobre o Brasil que nós ainda não estamos à altura de entender direito. E olha que eu próprio já cantei essa música na TV com um revólver apontado para minha cabeça.

O fato é que eu acreditava que não gostava nem gostaria  nunca de Natal. Mas admito que já faz uns 10 anos que venho mudando  a esse respeito. Talvez isso se deva a eu ter sido sempre um cultuador da noite de São Silvestre (como Nietzche), em que grandes promessas se impõem, e os réveillons me tenham frustrado com quase intolerável insistência.

Fui me refugiando no Natal, que sempre compunha para mim o quadro chato que virou clichê de festa de família. Não que fosse assim na minha infância - ou em qualquer época na casa dos meus pais. Mas o Natal de sentimentalidade compulsória já me irritava desde que os galhos de pitangueira foram substuídos por lâmpadas, o presépio pelos pinheiros de plástico e a areia da praia pelas contrafações de neve obtidas com algodão e isopor.

Hoje sinto um pouco de saudade do algodão. Foi no começo de minha vida  adulta que decidi desprezar o Natal de vez. Hoje confesso que até a árvore da Lagoa ás vezes me toca o coração (menos quando tenho de enfrentar engarrafamentos suplementares por causa da aglomeração de curiosos na Curva do Calombo ).

As festas de virada de ano, que sempre me excitavam, começaram a me deixar frio. Ou pelo menos relativamente frio. Não sei se foi aquele réveillon da Praia de Copacabana em homenagem a Tom Jobim em que um erro de Paulinho da Viola deu asas aos instintos jornalísticos mais baixos ou se foram as subsequentes festas de Ano Novo de que esperei tanto e que nada me deram - ou tiraram algo de mim-, ou quem sabe, as tristezas acumuladas nos anos mais recentes, o certo é que tenho me precavido contra as expectativas de Ano Bom.

Seja como for, um fundo de excitação resta: sou louco por festas. Na verdade é isso que ressurge na iminência do Natal. É como no carnaval: meu corpo todo se eletriza à aproximação. O réveillon meio que perdeu esse encantamento. O Natal ficou com um resto dele. O ano que vem não trará o fim do mundo, bem provavelmente, pois, como na outra canção de Assis, esses anúncios são sempre inconventientemente desmentidos pelo seguir difícil dos dias. Sinto-me num engarrafamento na Curva do Calombo.

***

P.S. da Lektra: Eu também não sei o que é essa Curva do Calombo não, por essas e outras que tem o Google hoje: vai pesquisar!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

CRÔNICA DE RÉVEILLON

Quando eu comecei a escrever a crônica passada tinha intenção de falar sobre a verdade que jaz (jazz?) inerente às cidades e às pessoas, tema que apareceu em uma conversa com o Grilo Falante sobre aquela outra  na qual eu falava de meu pai e algumas de suas histórias. Nessas conversas sempre tenho idéia para textos, o problema é que às vezes eu simplesmente esqueço. Outras vezes não: começo a escrever como se numa carroça puxada por bois: espero para ver aonde a história pensante quer ir e tento a ajudar a chegar lá.

Uma cidade não é uma pessoa, pode até ser descrita através de livros de turismo, fotografias ou cartões postais, mas essa jamais será a sua alma. Dizem que Bram Stoker fez isso em “Drácula”: sem ter jamais posto os pés na Transilvânia deu lá umas pinceladas geográficas para criar um cenário fantasmagórico e situou sua história na Londres em que morava e conhecia. Pela mesma razão, as características físicas de alguém - altura, cabelo, cor da pele e dos olhos - nunca são tão interessantes como uma gagueira ou o costume de piscar os olhos, a compulsão por pequenas mentiras e gestos extravagantes.

Um dos presentes que pintaram em um dos últimos aniversários de Alice foi um curioso livro chamado A Gruta, obra de “realismo fantástico” envolvendo Beethoven e Mozart, mas escrita por um cara de Belo Horizonte nascido no mesmo ano que eu. A descrição de Viena nessa obra é um dos piores exemplos que conheço dessa falta de alma em uma caracterização da, digamos assim: locação. Quando falamos de uma cidade podemos descrever suas praças, pontes e ruas: mas e o ar que se respira e seu veneno? Todos buscam desvendar um lugar quando nele se debatem atrás da vida e é isso o que as grandes obras refletem: é o que Hemingway dizia sobre a verdade.

Os historiadores afirmam que Ludwig van Beethoven media 1.60cm e tinha o rosto marcado pela varíola, obviamente isso é muito pouco para descrever o gigantesco compositor alemão. Pergunte a algum parente seu como era aquele avô que você não conheceu e veja o que será dito: que ele era engraçado ou ranzinza, que era meio surdo, tinha costume de usar ternos alinhados, montar em um burro e ir para a cidade se atualizar das fofocas e notícias da capital. Não importa muito se ele usava dentadura, ou penteava o cabelo à moda dos galãs de cinema. Importa o que a pessoa realmente foi para as outras...

Por isso devemos nos preocupar mais em ser do que aparentar. Fotografias bonitas não serão suficientes para ilustrar o que fomos: ações importam bem mais. Pode imaginar que bacana seria, como vemos nos filmes, alguém falar que “você era gentil com os estranhos”? Para o futuro, talvez seja mais importante lembrar que mantivemos “Elegância Sob Pressão” e que não maltratamos os que nos amam enquanto sorrimos gentilmente para desconhecidos...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

ETERNAMENTE EM NOSSO CORAÇÃO

Em seu filme sobre a Paris dos anos vinte, Woody Allen colocou uma fala pra personagem do Hemingway, dizendo que o importante em uma história é ter coração e ser verdadeira. Porque tem muita ficção surreal que é a mais perfeita verdade e muita história real que distorce fatos tentando perpetuar mentiras. Existe um nome, aliás, para isso e agora não estou lembrando, mas vou procurar. Eu sei, porque vi numa palestra do professor Higgins. Ah sim, Eliza Doolitle veio me visitar perto da noite de natal, na mesma Londres de um século atrás, do Pigmalião de George Bernard Shaw.

Tive saudades de ouvir um disco que tinha lá na casa de meus pais: a trilha sonora do musical “Minha Querida Lady”, especialmente uma música que falava assim:

Nessa rua estou, sem saber por que / sem pensar caminho e chego junto ao seu portão / é o coração que me traz aqui / é aqui onde mora meu bem...

Graças à Internet consegui, ou melhor, achei e baixei no blog “Do Vinil Para a Web” aquela gravação histórica desse grande musical que tinha Bibi Ferreira e Paulo Autran nos papéis principais. No link abaixo vocês podem baixar essa preciosidade também.

http://do-vinil-para-a-web.blogspot.com/2009/01/minha-querida-dama.html   



Baixado o disco peguei a música para ouvir novamente após, sei lá, uns trinta e tantos anos. Não vou trilhar aqui aquele caminho pastoso de dizer que meus olhos se encheram de lágrimas e que a emoção doeu meu coração, fiquei apenas com saudades de pessoas e lugares que não posso mais visitar. De uma sala onde ficava a eletrola que não lembro mais como era, uma grande tapeçaria emoldurada feita por mamãe em uma de suas fases artesã. Uma vida que ficou tão distante dentro de mim que parece ter sido vista em um filme e depois contada por outra pessoa.

Ouvi a música de novo e outra vez. O romantismo nela cheira a lojas de departamento dos anos setenta e às pesadas cortinas e móveis de madeira escura das casas de antigamente, pequenos jardins de lugares que não existem mais e portões baixinhos com grades de ferro que davam para calçadas de cimento em ruas tranqüilas. Um toque de glacê e de seda, a paixão cantada aos berros sem nenhum medo de ser ridículo. A idealização romântica do amor eterno, das pessoas que sentavam em suas salas para escutar uma canção e desejar viver para sempre ao lado de outro alguém.

Longe foram os anos inocentes, veio o demônio do espírito crítico. Não gostei de ver Eliza terminar ao lado do enjoado professor Higgins, tive a sensação de que a sua lição fora aprendida muito melhor do que a dele, embora hoje eu saiba muito bem o quanto aprendemos quando vamos ensinar. A letra da canção que eu tanto ouvira na infância, por exemplo, começou a me incomodar. Por que o cara ia para a rua onde morava a garota que ele amava e ficava dizendo que não sabia o que estava fazendo lá? Ora, ele sabia muito bem sim, queria, aliás, o que todo mundo quer...

Com o auxílio luxuoso da Internet outra vez, baixei logo a partitura original de My Fair Lady, para comparar o trabalho de tradução feito, aliás, segundo Bernardo Schmidt no site www.bibi-piaf.com, por um tal Victor. A letra original diz assim:

I Have often walk down this street before / (Eu já caminhei várias vezes por essa rua)
But the pavement always stayed beneath my feet before / (mas antes o pavimento sempre esteve sob meus pés)
All at once am I several stories high / (ao mesmo tempo estou vários andares acima)
Knowing I’m on the street where you live. (sabendo que estou na rua onde você vive)

Tudo fez bem mais sentido. Porém, estou acorrentado àquela versão nacional, por todas cadeias afetivas que representa, porque através dela acesso sensações de uma época que se desintegrou e que me dá plena condição de saber que um dia isso também vai acontecer com todos nós e o que nos cerca. Talvez por isso em nossos tempos o amor não seja mais visto como foi na geração de nossos pais, porque Renato Russo cantou que “o pra sempre, sempre acaba”. Descobrimos uma maior velocidade de desintegração do presente. Tentamos obter algo que seja eterno, mas não acreditamos mais nisso.

Então Hemingway estava certo. É preciso ter verdade e coração no que escrevemos e ao irmos para a rua da pessoa que amamos sabermos muito bem porque estamos lá. Porque uma das poucas coisas que temos dentro de nós e que nunca vai mudar é o desejo de amar e de viver para sempre, nem que seja na memória de alguém.

Bibi Ferreira no papel de Eliza Doolitle

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

LE TOMBEAU DE MON PÈRE


Dedicado à memória de meu querido pai, seu Djalma...

Há trinta anos eu completava dezesseis e pedi de presente ao meu pai um jantar no meu restaurante favorito. Lembro pouca coisa daquela noite, portanto as fantasias se tornam perigos constantes. Vi isso acontecer várias vezes, inclusive, ou especialmente, com esse mesmo cara que me ajudou a aparecer no mundo, ele sim era escritor e - como a maioria - se deixava levar pela imaginação do que gostaria de ter acontecido mais do que pelo que realmente houvera de acontecer.

Geralmente escolhia para escritório o ponto mais distante da entrada e escondido da casa, gostava de acalentar a ilusão de que poderia escrever sem ninguém pra incomodar. Tinha sempre um olhar de cima para baixo à máquina de escrever, Remington se não me engano, e várias velas e incensos de cheiro forte acesos bem a seu lado. Era assim todos os dias, sua sala tinha um forte cheiro encroado como o das casas de Umbanda. Imagino a estranheza que isso causava aos visitantes desavisados...

O papai tinha o desejo dos magos e os olhos em um mundo que era só seu, não porque não o quisesse compartilhar: é que só ele tinha acesso, como seus pensamentos e os segredos. Ocultismo e religião eram alguns de seus assuntos prediletos, assim como a Revolução Francesa – sua grande paixão: fantasiava e, portanto, afirmava ter vivido por lá em outra encarnação - e a Segunda Guerra Mundial – o acontecimento político mais importante de sua infância e adolescência.

Em uma de suas visitas a Paris, me contou ter driblado mamãe, que se embrenhara deslumbrada em lojas e boutiques, e fora a um encontro secreto com ninguém menos do que Philippe Encausse, filho do mestre esotérico Papus. Disse que na casa desse mago moderno havia paredes que se moviam, que segredos importantes lhe foram confiados e até obras comissionadas. Depois disso realmente lançou dois livros que, pelo menos até agora, não lhe renderam fama mundial nos círculos dos mistérios.

Uma vez eu estava fuçando o escritório do Jornal, onde sempre encontrava coisas interessantes, e achei algumas folhas de papel timbrado da revista L’Initiation, talvez a mais importante publicação esotérica do mundo. Quando fiz a descoberta soltei um baita “Uau!”, mas o braço direito de papai me tirou das nuvens de imediato. - “Ô Super-Juca, foi seu pai mesmo quem mandou imprimir isso aí lá na gráfica do jornal.” - Achei a história no mínimo curiosa e, com os papéis na mão, fui lá perturbar o velho.

- Ô pai? Por que é que tem esses papeis do L’Initiation aqui? – Lentamente desviando o rosto da máquina de escrever, que era sua maneira sutil de dizer “você está me incomodando”, falou sem dar muita importância, como fora aquela apenas mais uma prova de suas importantes ligações com o alto mundo dos mistérios:

- Eles é que mandaram para mim lá de Paris, pediram para publicar sei-lá-o-quê. – Daí eu o questionei já com aquele sorrisinho impertinente no canto dos lábios:

- Mas o Barata acabou de me contar que foi você quem mandou imprimir isso aqui mesmo na gráfica do jornal. – Dessa vez seus olhos se desviaram da máquina num acesso de brabeza comigo, o que era bastante raro, pensei até que ele fosse se levantar, então, da porta eu estava e dela não passei:

- Eu não gosto que duvidem de minha palavra! – Bom, gostar ninguém gosta, mas também pra quê dava de inventar essas histórias?! Por conta desse costume de se imaginar poderoso na clausura e no exílio escrivinhatório que se auto-impunha, hoje me pergunto sobre o que realmente era verdade ou ficção no discurso de meu pai.

Enquanto tecia essas memórias me veio novamente o cheiro do incenso da sala de meu velho, mas não encroado: sutil, como uma névoa a me enredar. De alguma maneira, acho que o velho conseguiu fazer uma das suas magias e veio aqui me visitar.

Ontem, permanentemente privados de contato no plano físico, celebrei a lembrança dos meus num dos lugares onde estivemos juntos e felizes há exatamente trinta anos atrás. É incrível que o Restaurante Lai ainda exista até hoje no mesmo lugar, com as mesmas mesas e cadeiras, o mesmo atendimento do proprietário agora ficando velhinho... Obviamente pedi o mesmo prato da ocasião em que comemorei os meus dezesseis anos: Frango Xadrez com Chopsuey - sei lá se é assim que escreve.

O mergulho no passado não me trouxe saudades da época em que tinha espinhas na cara, serviu para me fazer brecar a sensação de que o tempo está passando. Porque no Lai tudo continua como era antes e de quantos restaurantes de nossa cidade podemos dizer a mesma coisa? O saudosismo é uma forma de ficarmos encantados com essa ligação que nos deslumbrava no passado e de fazer brilhar uma antiga estrela que julgávamos perdida para sempre, mas que ainda está dentro de nós: basta procurar... 

P.S. O "Tombeau" é uma forma musical usado por compositores franceses para homenagear seus ídolos e estilos do passado, transcrevendo para o presente uma representação do valor histórico de sua cultura. Não deixa de ser, especialmente, uma forma de demonstrar o seu amor... 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

RAPIDINHA CULTURAL BÍBLICA

Depois do amigo Sergio Blank que acaba de lançar um livro reunindo toda sua poesia, agora vem Alvarito Mendes Filho com um segundo volume reunindo cinco de suas peças teatrais, os detalhes virão abaixo. Tive o prazer de atuar sob a direção de Alvarito e aprendi muito com seu senso de liderança, seu talento como diretor, exigente na medida correta nunca precisando recorrer à grosseria. Naquela experiência meteórica que passei no teatro aprendi coisas fundamentais para a vida e na relação com as pessoas.

Nessa peça aconteceu uma coisa muito curiosa comigo.

Era um “Auto de Natal” e eu fazia o papel de José, para mim um cara que assumiu um filho numa situação bastante absurda. Os dilemas da base religiosa ocidental me soavam super engraçados e absurdos, sem falar na performance de meus colegas de elenco, cheguei a pensar seriamente em fazer uma paródia. Não fique bravo comigo ainda, esqueça a religião por um instante e Imagine descobrir que sua noiva, com quem você nunca (...) enfim, aparece grávida do nada e ainda por cima com a explicação muito lógica de que o pai da criança é o próprio Espírito Santo?

Uns doze dias antes das encenações do auto, sonhei com um enorme coro de vozes cantando parabéns para mim, acordei com uma sensação feliz por dentro, aquela alegria de coração que há tempos não tinha e que raramente experimentamos. Aniversário é uma coisa doida: lembra e marca o dia que nascemos, mas também ribomba em nossa consciência que estamos ficando mais e mais velhos e que o tempo sempre vai passar; indiferente às nossas ilusões e vontades.

A vida seguiu e esqueci o sonho, até que chegou uma apresentação do auto coincidindo com meu aniversário, dia 21 de dezembro. Combinei para depois uma pizza com os amigos mais chegados que estavam na platéia estrebuchando de rir com minha singular e até hoje única performance teatral. No final as luzes se acenderam e eu já me dirigia para o camarim quando Alvarito pegou o microfone explicando que era meu aniversário e comandou um sonoro “parabéns”. A surpresa, a lembrança e a emoção do sonho voltaram, só que dessa vez totalmente real.

Se Alvarito esperasse mais um dia pra lançar seu livro eu talvez não pudesse ir por conta dos compromissos óbvios com essa data, para nós cada vez mais velha, que novamente se aproxima velozmente. Segue então o convite desse grande batalhador de nossa cultura e uma das pessoas mais especiais que conheço...

ALVARITO LANÇA LIVRO REUNINDO CINCO DE SUAS PEÇAS TEATRAIS



Será na próxima terça-feira (20), a partir das 19h30, no Trindade Restaurante & Bar, na Av. Antônio Gil Veloso, nº 856, Praia da Costa, anexo ao Hotel Quality Suites, o lançamento o livro TEATRO – ALVARITO MENDES FILHO Volume 2. A obra integra a Coleção Caras & Bocas e foi publicada pelo autor com o patrocínio da Prefeitura Municipal de Vila Velha, através da Lei Vila Velha Cultura e Arte, e com o apoio da Hiper Export – Terminais Retroportuários S/A, empresa do Grupo Otto Andrade.

O livro possui 200 páginas e reúne cinco peças teatrais de Alvarito, um dos autores mais premiados do estado. São elas: “O retrato”; “Vasco Fernandes Coutinho na porta do céu”; “Anacleto, a garça que ficou sem teto”; “O lobo e o corvo”; e “O impossível namoro de Romeu, o pé de jacarandá, e Julieta, a motosserra”. Além dos textos completos das peças, a obra traz a ficha técnica e fotos das montagens já realizadas.

Segundo o autor, a publicação tem por objetivo contribuir para a memória e para o enriquecimento da Literatura Dramática e das Artes Cênicas capixabas.

Dose dupla

Quem comparecer ao evento, além de adquirir o livro a preço promocional de lançamento (apenas R$10,00), poderá aproveitar a promoção especial que o restaurante oferecerá nesse dia: cerveja em dose dupla. Comprando uma, a seguinte será de graça.

E mais. O evento contará com a participação de amigos do autor. Destaque para o grupo Vozes da Vila, formado pelo cantor e compositor Barbosa Lima, pelas cantoras e poetisas Karla Skarine e Andra Valladares e pelo poeta Horacio Xavier. O grupo apresenta poesias e composições musicais autorais, além de um refinado repertório com clássicos da MPB.

Informações pelo telefone 3031-6583.

sábado, 17 de dezembro de 2011

NÃO EXISTE PROBLEMA PEQUENO

O mau serviço (veja bem: contrário de bom) continua sendo uma tônica na Grande Vitória. Hoje eu tenho outra historinha daquelas pra contar...

Chegamos mais em cima da hora do que gostaríamos num cerimonial da Serra para a apresentação de fim de ano de um dos projetos em que o Instituto Todos os Cantos atua. Entrei carregando alguns instrumentos e apretrechamentos, o que me leva até a suspeitar de que a dorzinha da coluna que venho carpindo nos últimos dias (Saravá Carmélia!) tem mais a ver com isso do que com meu aniversário que se aproxima. Como diria Indiana Jones: o problema não são os anos, é a quilometragem.

Do lado de fora, um jardim razoável com muitas crianças reunidas, algumas tocando violino, outras brincando com esvoaçantes roupinhas de balé. Errei a entrada e dei de cara na porta, maldizendo a pressa ajeitei o que sobrou do nariz e ganhei o salão. Tinha lá já um bocado de pais e mestres presentes, lembrei dos tempos do Sacre Cour, escola que guardo com desgosto na lembrança e sempre falo mal quando tenho uma oportunidade qualquer.

Coloquei as tralhas no palco e logo me incomodei com a música de louvor que estava rolando. Nada contra os evangélicos Diante do Trono, aliás: Seu Alfredooo! Traz um Neve!!! - E lá estava um homem comum comandando a aparelhagem sonora ao qual me dirigi totalmente sem reservas, com os seguintes dizeres muy respeitosos:

- Não tem outra música pra tocar aí não companheiro? – A sombra de sorriso em seu rosto se escafedeu ofendida. Limitou-se a resmungar um sonoro não e passou a torcer para eu não ter outro disco, também não me perguntou se no evento havia alguma restrição religiosa, supôs de chofre (Pow!) que eu era um desses católicos furibundos e passou a me tratar com mais reservas do que já tratava naturalmente a maioria das pessoas. Gostava de ser assim, irascível, julgava-se mais valorizado, menos populacho.

Corri no carro na intenção de trazer um disco do Mozart e não achei. Que fim levou aquela porcaria? Peguei o primeiro que estava à mão, voltei triunfante e botei pra rolar “Barulinho Bom”, piratíssimo da Marisa Monte. Aliás, dexa me corrigir: pirata não! Baixado de graça da Internet com toda cidadania e "diniguidade". O som preencheu o ambiente, não sem que antes eu percebesse (Ah-Há!) que o disco evangélico do cara, este sim, era um piratão sem dízimo nem nada.

Pensava na sutil raridade dos discos originais nos dias de hoje, quando me vem o infeliz dizer, insistindo em iniciar uma cruzada religiosa pra cima de muá (Sic): - Isso aí é igualzinho ao que estava tocando antes. - Apenas sorri um submarino amarelo e ponderei, satisfeito e mudo, que a ofensa era muito mais grave para os evangélicos do que pra Marisa Monte. Ora, a ocasião era de festa sem nenhuma conotação religiosa, agregando muitas pessoas diferentes. Eu, como cliente, apenas resolvi colocar uma música mais, digamos assim, neutra. Que saco aquele cara!

Aparelhagem montada, salão ainda mais cheio e eu lá vestindo terno em pleno dezembro. Curioso podia ver próximo ao teto do salão vários aparelhos de ar-condicionado desligados. O homem continuava me policiando, aproveitei para dar uma indireta, afinal, naquele momento eu ainda não sabia se o espaço era cedido graciosamente ou emprestado de má vontade, enfim, alguma coisa que justificasse a razão de estarmos sendo tratados como visitas indesejáveis, ESTORVO (Buarque de Holanda, CHICO. Sic):

- Rapaz, mas tá é quente aqui dentro hein? – Olhando para outro lado, talvez bastante satisfeito em finalmente me infligir algum suplício, o cara se limitou a dizer: - Pois é...

Passadas duas horas, os aparelhos de ar-condicionado finalmente foram ligados - segundo soube, após um pity de Jaqueline com o tal homem - mas Inês já morrera assada no final da temporada. Logo depois toda a verdade foi revelada: o cara não estava fazendo nenhum favor (Chofre!?) o aluguel fora cobrado normalmente! Realizem a atitude desse suposto “empresário do ramo”. Será que todo o desserviço prestado fora apenas mesquinharia mesmo ou o cara resolvera nos tratar mal para não nos incentivar a aparecermos novamente por lá?

Isso, caro Leiktor, nunca vamos saber...

No final parece pouco, não é? Especialmente quando não aconteceu com você. As pequenas falhas corroem grandes estruturas, isso acontece especialmente quando se trabalha num certo limite: a desagradável surpresa de furos em um queijo que não é suíço torna as soluções mais trabalhosas e as afobadas emendas tornam-se bem mais aparentes para todos que só querem saber do que pode dar certo e não tem tempo a perder.

Na verdade Camarão, na vida não existe problema pequeno ou como diria Graça Aranha em Canaã: Toda a dor é imensa!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

RAPIDINHA CULTURAL - DA BOA EDUCAÇÃO

A escola russa de piano e seus discípulos dominaram a cena no século vinte, uma empreitada que fez surgir astros da música clássica atual como Evgeny Kissin, Boris Berezowsky, Arcadi Volodos, Andrei Gavrilov, Michail Pletnev e muitos etceteras. Uma das razões para o sucesso dessa escola é prover uma educação de bases sólidas na inicialização, onde se encontram alguns dos melhores e mais respeitados profissionais do ensino, diferente da maioria das escolas ocidentais onde essa parte da atividade parece, geralmente, relegada a professores menos experientes e estagiários.

Tô falando disso na maior satisfa do mundo, porque uma de nossas pupilas, Emily Simões de apenas oito anos, acabou de ser aprovada num concorrido processo seletivo para o quarto nível de musicalização infantil da Faculdade de Música do Espírito Santo. E falo também porque recebi um convite do querido e sumido amigo Alvarito Mendes Filho para a apresentação de uma peça de Teatro de seus alunos no curso da Fafi. É muito importante para a rapaziada que está chegando ter contato com professores de experiência e tempo de estrada: segue abaixo o release com todas as informações.

ALUNOS DA FAFI ENCENAM COMÉDIA DO SÉCULO XIX

Na próxima sexta-feira (16), os alunos do segundo ano de teatro da Escola de Teatro, Dança e Música FAFI estrearão a comédia O tipo brasileiro, de França Júnior, que tem por temática a preferência que, no Brasil do século XIX, se tinha pelo estrangeiro em detrimento do cidadão nativo ou daquele que havia se abrasileirado. A montagem será apresentada também no sábado (17), sempre às 19h30, no auditório da escola, com estrada franca. Mas ATENÇÃO! Ingressos limitados: apenas cinquenta por sessão e distribuídos uma hora antes do início da apresentação.

A iniciativa de levar o texto à cena faz parte da disciplina Prática de Montagem, sendo que os próprios alunos, junto com o professor da matéria, escolheram a peça a ser encenada. A temática abordada por França Júnior em O tipo brasileiro foi um dos fatores que mais influenciaram na hora da escolha. “A preferência por quem vem de fora é ainda uma realidade entre nós”, dizem os integrantes do elenco. “Talvez não na mesma proporção em que acontecia no século XIX, mas ela ainda existe e, portanto, vale à pena abordar o assunto.”

 
Sobre o autor
Os dramaturgos brasileiros de maior popularidade no século XIX foram Martins Pena, Arthur Azevedo e França Júnior. Esse último, segundo os pesquisadores, foi o principal seguidor de Martins Pena. Seu nome de batismo: Joaquim José de França Júnior. Nasceu no Rio de Janeiro, em 18 de março de 1838, e morreu em Poços de Caldas, MG, no dia 27 de novembro de 1890.

Foi advogado, dramaturgo, jornalista e pintor. Como escritor teatral destacou-se pela qualidade de suas peças que abordavam, de forma divertida, temas colhidos no cotidiano da vida brasileira, mais especificamente do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil. Escreveu para o palco varias comedias de costumes e sátiras políticas de grande sucesso, algumas hoje infelizmente desaparecidas.

Dentre as suas comédias teatrais que alcançaram grande sucesso popular e o tornaram um autor de prestígio estão: Amor com amor se paga, Como se fazia um deputado, Caiu o ministério, Ingleses na costa e O tipo brasileiro.

FICHA TÉCNICA
Texto: França Júnior
Direção e prática de montagem: Alvarito Mendes Filho
Elenco: Ana Cláudia Cristo
            Dulce Fernandes
            Lu Golçalves
            Vinícius Capistrano
Preparação vocal: Elaine Rowena
Coreografias: Gil Mendes
Exercícios de composição de personagem: Roberta Portela
Músicas: Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazaré
Gravação da base instrumental das músicas: Jérémy Naud
Trilha sonora: Alvarito Mendes Filho
Concepção de figurino: o grupo
Concepção de cenário: o grupo
Técnico de luz: Edgar
Operador de luz: Edwaldo Almeida
Técnico de som: André
Apoio:  Carlos Papel
Grupo Repertório de Teatro
Cia. Capixaba de Comédias
Fantasia Mágica – aluguel de fantasias
Coordenação geral: Wilson Coelho e Tânia Regina Alves do Carmo

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A PLATAFORMA AQUÁTICA DO CABO CAMATA

Há um tempo comecei a fazer um texto porque queria falar sobre a arte de desenhar, lembrei de imediato das histórias em quadrinhos, dos super-heróis e acabei terminando com a garota perfeita. Gosto de escrever ao sabor do pensamento, daí vem a oralidade do meu texto, contando historinhas para mim mesmo vou engatando pensamentos. Tenho uma irmã que fazia algo assim, só que tinha o costume de falar sozinha – outro dia vi um ótimo episódio de A Grande Família sobre isso.

Algumas vezes eu ouvia o maior blá-blá-blá na cozinha, chegava lá e a danada estava preparando alguma coisa pra comer batendo altos papos sozinha. Eu perguntava com quem ela estava falando e a resposta era óbvia por si só: “comigo mesma ué”...

Acho que a oralidade de meus textos vem dessa minha paixão pelos quadrinhos, histórias curtas, sem muitas firulas. Não conheço nada melhor do que um papo direto sem pé nem cabeça para passar o tempo. Já escrevi sobre isso, mas quando faço viagens longas gosto de levar quadrinhos para ler. Uma vez um senhorzinho veio me sacanear dizendo que lia muito gibis quando era criança, perguntei: “e parou por causa de quê?”

Outro dia estava dirigindo pra Serra e lembrei, eu sei lá porque, de uma figura meteórica de nossa política: o Cabo Camata. Acho que foi depois que assisti ao ótimo folhetim Jean de Florette que mostra o quanto a água é importante para o trabalhador do campo. A chuva pra gente da cidade é aborrecimento, uma maneira de chegar molhado em algum lugar, quando se consegue chegar, mulheres apavoradas de chapinha nos cabelos.

Daí que o Cabo Camata foi candidato a governador e houve até um animado debate televisionado. Em certa altura do campeonato, aquele que venceria a disputa, o hoje ex-governador Vitor Buaiz, tinha direito a fazer uma pergunta a outro candidato e sapecou pra cima do Cabo como é que ele via a questão hídrica do Espírito Santo e o que seu “muito improvável” governo pretendia com relação ao assunto.

Quando a câmera o focou ele falou e disse irônico: “você tá pensando que eu não sei o que é esse negócio aí que você ta falando não? Eu sei sim. – muito triunfante - É água!” Daí passou a explicar sua plataforma aquática ou coisa que o valha. Foi engraçado, mas o mais sério é que em sua aparente “simplicidade” o Cabo Camata conquistava a simpatia de boa parcela da população, justamente aqueles que mais sofrem com as administrações ruins.

Mudando completamente de assunto, repasso convite de meu amigo Marcos Valério do projeto Cineclube Filmes na Ilha:

Amigos:

Segue a programação do Cineclube nesta quarta, 14 dezembro, as 19 h 30 (meia hora mais tarde), com a professora Leila Domingues e uma programação de curtas da melhor safra. Confiram no flyer abaixo. Nessa semana teremos outra sessão, mas na Escola de Fotografia Estúdio Base 40, em Jucutuquara, com filmes e papos sobre... fotografia.

domingo, 11 de dezembro de 2011

DESCOMPLICANDO A MÚSICA CLÁSSICA

Por Juca Magalhães, 
Publicado no Caderno Pensar de A Gazeta, em 10 de dezembro de 2011.

Não é tarefa fácil atrair para a música clássica aqueles para quem música é sinônimo de festa e rejeitam o “erudito” tachando-o de “triste”, fazem relações até com velórios. Some-se o fato de que alguns itens “clássicos” de consumo acabam vistos com reservas porque penam com o fetiche de pessoas que adotam pose e discurso dissociados de um possível gozo – livros, filmes e até vinhos – ao invés de curtir a coisa pelo prazer que proporciona, sem regras e explicações complicadas.

A defesa da música clássica como algo divertido e sem neuras perpassa o livro “Escuta Só – do Pop ao Clássico”, uma coleção de artigos do crítico musical da revista New Yorker, Alex Ross. Porém, é bom entender que quando Ross se refere ao Pop está falando de certa vanguarda que tem lá um pezinho no popular como Bod Dylan, Björk e a banda Radiohead, mas passam longe de serem comparados a mega fenômenos da mídia como Lady Gaga e Justin Bieber.

São vinte capítulos abordando abismos sonoros, todos muito instigantes. Ross passeia pela música de concerto da China e vai até o som ártico de John Luther Adams; aborda particularidades da vida de John Cage e rumores sobre a homossexualidade de Schubert. São visões dos clássicos para aqueles que podem fruir a arte pelo que ela tem de mundano e verdadeiro, outra vez, evitando a postura blasé de endeusar músicos pelo que aparentam ser e não pelo que realmente são.

Três capítulos são particularmente interessantes para os que se interessam pelo futuro da música: o que trata da transição da batuta do “antimaestro” Esa-Pekka Salonem, da Filarmônica de Los Angeles, para o jovem prodígio venezuelano Gustavo Dudamel; o que mostra a queda brutal no ensino de artes nos Estados Unidos e que é muito contundente, até pela dificuldade de se traduzir a convicção dos que amam a música em dados sociológicos exatos:

“Sempre que uma pessoa tenta defender a música em termos utilitários, ela tropeça nem incertezas fundamentais sobre o verdadeiro objetivo de uma arte cuja atração é, como observou ansiosamente Platão, ilógica e irracional.”    

Mas o capítulo mais pessoal e instigante talvez seja o que aborda o Festival de Malboro, tradição trazida da Alemanha pelo pianista Rudolf Serkin e seu sogro, o violinista Adolf Busch. Carrega a marca sutil da transferência de conhecimento do mestre para os alunos e da infeliz inversão de valores das gerações pós-guerra. Não é de espantar hoje um iniciante querendo ditar sugestões ao professor, um leigo querendo ensinar um especialista a trabalhar, mas o quão tola pode ser essa situação. É um momento profundo e difuso do autor, lírico e distante.

Estudante e amante da música clássica (acredite, nem sempre uma coisa tem a ver com a outra), Alex Ross tenta mostrar em seu livro que é preciso resgatar o gozo e a reverência pela música viva e sacudir as velharias. Por exemplo, sua visão da etiqueta em concertos vai contra muitas convenções estabelecidas e seus argumentos soam inovadores. Quem frequenta concertos sabe que existem algumas regras que, inclusive, desmascaram os leigos na platéia, destas a principal é não aplaudir entre os movimentos de composições de grande escala. Segundo Ross:

“Os músicos e críticos alemães inventaram essa regra nos primeiros anos do século XX. Leopold Stokowski, quando dirigiu a orquestra da Filadélfia, foi fundamental para trazer essa prática aos Estados Unidos.”

No Brasil é comum vermos “regras de etiqueta” detalhadas em pomposos livros de “música clássica”, em palestras e até mesmo em programas de concerto. É inevitável que causem estranheza ao público leigo, que – quando vence a barreira do estranhamento e vai ao teatro - naturalmente aplaude o final estrondoso do primeiro movimento de uma grande sinfonia, enquanto boa parte do público protesta por silêncio e nem todos de maneira educada. Lendo os artigos muito bem escritos por Ross temos a impressão de que nós estamos indo de Transcol e os gringos estão voltando de nave espacial e que esse imaginário chiquérrimo do cidadão “patropi” tem muito mais de caipira do que suspeita a nossa vã filosofia.  

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

SÉRGIO BLANK LANÇA EDIÇÃO DE SUAS OBRAS COMPLETAS!

Olha, desde que o Grilo Falante ficou chateado com um texto meu que ando até com medo de falar mais pessoalmente a respeito dos meus amigos aqui na Letra Elektrônica, mas vou arriscar outra vez. É que o poeta Sérgio Blank vai lançar um livro reunindo toda sua obra e me ligou hoje convidando para comparecer. Na hora me veio a lembrança daquele livro reunindo textos sobre música que abre com uma história ótima de Adolfo Oleare... Já falei com ele para voltar a escrever, mas que nada.

Conheço o escritor Sergio Blank, o popular Nonô, - o apelido eu explico daqui a pouco (será que ele vai ficar chateado?) – desde os píncaros dos anos oitenta, quando Cazuza e Fred Mercury ainda eram vivos e tudo o mais. Ele era amigão de minha irmã mais velha, a hoje cidadã paulistana e doutora psicanalista Fernanda Carlos de Souza, née Magalhães, como diziam antigamente nas colunas sociais.

Sergio era o amigo poeta de Fernanda e freqüentava nossa casa e, conseqüente ou inconsequentemente, os roques amalucados daquela época. Minha irmã tinha uma coluna sobre cultura no Jornal da Cidade que era muito legal e estilosa chamada “Vovó Volúpia”, eram, portanto, confrades nas letras, numa época em que eu era um roqueiro abilolado ávido por fazer trocadilhos com tudo o que fosse.

Lembro que Sérgio Blank tinha dois livros de poemas na época – se tinha outros eu não sei - o “UM,” e o “PUS”, este último logo me dei o direito, tomei a “liberdade poética” digamos assim, de acrescentar os “sinônimos” “botei e coloquei”. Sérgio ficava horrorizado com minhas tiradas bobocas e aí, como geralmente acontece aos patetões, é que eu achava mais engraçado...

Tá legal, o apelido de Nonô era porque nós éramos jovens, moradores de uma ilha de verão escaldante que dura quase o ano inteiro (menos o atual e curioso 2011), com muitas poucas opções de lazer além da praia. E o Sérgio ostentava uma pele mais branca do que a daquele menino do filme Crepúsculo depois de tomar seu coquetel de aguarrás. Além de tudo o rapaz era magro, loiro do cabelo quase branco e gostava de se vestir de preto. Daí alguém, sei lá quem, o apelidou de Nosferatu, que foi abreviado para Nonô, porque pra capixaba um apelido é muito pouco.



Hoje um escritor de responsa, já com muita estrada de militância na literatura, Sérgio Blank vem a público lançar uma edição de suas obras completas sob o sujestivo título de "Os Dias Ímpares". Será na Biblioteca Pública do Espírito Santo, dia 13 de Dezembro às 19:00 (Cacilda! Tô vendo agora que é no mesmo dia do disco da Vera da Mata e acabaram de me convidar para trabalhar em um evento no Rio). Av. João Baptista Parra, nº165, Praia do Suá. Vitória, ES. Maiores informações: 31379349 e 31379351. 

Mas você, agora que acabou o Brasileirão, não deixe de ir não... E um beijo no coração! Tá legal, não tá mais aqui quem falou não. Rima rica, rima pobre, rima classe média alta, petulância, patuscada, patavinas...

VERA DA MATA LANÇA DISCO ENTRE VÉUS E TUSSOR!

Vem aí o lançamento do disco de Vera da Mata, uma cantora fantástica, de voz sensível e repertório pra lá de refinado. Conheci Vera pelos shows e pagodes da vida. Ela nem sabe, mas antes da gente se esbarrar, uma vez eu a vi cantando naquele Deboni’s da Cruz do Papa. Estávamos em seis ou sete pessoas, músicos na maioria, saídos de um concerto e o delicioso som de Vera da Mata deixou todos impressionados, muito ao contrário de incomodados como bem poderia acontecer pela noite. Vera é uma preciosidade, basta ver a simplicidade de seu texto que segue abaixo. 


Desde a mais tenra idade, a música teve grande influência em minha vida. Na minha querida Aimorés (MG) acontecia reuniões e ensaios musicais, visto que meu Tio Lindolfo da Matta tocava em um conjunto musical, da qual além dele, faziam parte o Amilcar, José Barbosa e Altemar Dutra (na época despontando para o início de sua vitoriosa carreira) e eu, só em volta “perturbando”, pois a música me encantava! Na minha adolescência, cantei em bailinhos na cidade de Vitoria (ES) casei,tive 04 (quatro) filhos e 10 netos e, esse sonho adormeceu...

Anos mais tarde voltei a cantar e hoje faço shows como o do Festival de Música de Botequim- Femusquim, onde participo já há 10 anos cantando especialmente Sambas; com o Cantor Ataulpho Alves Junior na Estação Porto em 2007, e em 2009 também com Ataulpho no Femusquim e o Grupo Ilha. Em 13 maio de 2009, tive a honra e o prazer de receber Dona Ivone Lara, no “Projeto Seis e Meia’’no Teatro Carlos Gomes com Lotação Esgotada, num show inesquecível e muito importante na minha vida.

Cantei no Teatro de Vila Velha, num tributo a “Waldecir Lima” meu amigo pessoal,ao lado de Altemar Dutra Jr. Pertenço também ao Grupo apenas de mulheres (Saia no Samba), idealizado por mim, também fizemos no Teatro Vila Velha, show com Dona Ivone Lara. Fiz várias apresentações no Carnaval na Curva da Jurema (Saia no Samba) como convidada do compositor e sambista “Gege do Cavaco”. Participo a quatro anos do espetáculo musical “Maria Maria” e em 2008 fizemos turnê pelo interior do Estado e na “Sala Baden Powel” em Copacabana. Fiz o musical “Convite para ouvir Maysa”, no “Spirito Jazz” e também no Teatro do Sesi (Jardim da Penha, Vitoria) durante o lançamento da 2º Edição do livro sobre a vida de Maysa de José Roberto Santos Neves.

No centenário comemorativo de “Carmen Miranda” cantei no Teatro do Sesi, no espetáculo “Ellas Cantam Carmen” com Dennise Pontes e Karin Hilel, direção de Ava Araújo. Me apresentei em casa de shows na Lapa (RJ) Ernesto (a convite de Lucio Sanfilipo) e Sacrilégio (como convidada especial de Karla da Silva, sambista muito conhecida no circuito Lapa). No dia 06 de julho tive a honra e o prazer de comparecer ao THEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, com o GRUPO SAIA NO SAMBA - do qual faço parte - para a finalíssima do PREMIO DA MÚSICA BRASILEIRA, ficamos entre os três melhores grupos de samba do Brasil! Faço parte do projeto de RAIMUNDO DE OLIVEIRA, SAMBA COM GENTILEZA, no TURKZOO, onde fiz show com NOCA DA PORTELA E MARQUINHOS SATHAN. Atualmente participa do Projeto (SAMBA COM GENTILEZA), acompanhada de Cecitônio Coelho (Violão Sete cordas), Glaydson Santos (Cavaco/Banjo), Pequê Santos (Percussão) no Turkzoo. No meu repertório a música brasileira tem sempre prioridade!

E o samba é a minha paixão!!!!!!!

O Lançamento do disco “Entre Véus e Tussor” de Vera da Mata, será no próximo dia 13 de dezembro às 20 horas, no restaurante italiano "Gran Canalli" Rua Luíza Grinalda, 531. Centro Vila Velha. Maiores informações pelo telefone 3229-2231.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL: KLEBER GALVEAS

A LIÇÃO CARIOCA                                         

Em 1978, com entrevistas e exposição de pinturas na Sede Comunitária da Barra do Jucu, procurei chamar a atenção para a agonizante mata do Jussará, hoje bairro habitado chamado Ilha da Jussara. Esta mata, fixada sobre um conjunto de ilhas em área alagada, ficou preservada de incêndios ao longo dos séculos. Foi nesse ambiente, com árvores e samambaias gigantes, diversos tipos de bromélias, orquídeas e animais, onde conheci tagibebuia, samuma, sumaré e o chupati: o menor marsupial da América.

O Jussará foi loteado. Em pouco tempo as árvores foram cortadas; as samambaias, transformadas em xaxins; a terra vegetal e areia, pirateadas; drenaram e aterraram tudo. Não sobrou vestígio do que era.

Com a morte do Jussará, me interessei por Jacaranema. Com o apoio da Banda de Congo da Barra conseguimos que a Prefeitura de Vila Velha desapropriasse e o Governo do Estado tombasse Jacaranema. Ações confirmadas várias vezes ao longo de 33 anos, pois o governo ainda não cumpriu a sua parte, indenizando o proprietário, como manda a Lei, para que o local seja público de fato.

No princípio da década de 1980, no Conselho Estadual de Cultura, fui escolhido relator do processo de Tombamento da Igreja de Viana. Tentei proteger seu entorno impedindo a ocupação da única Praça da Cidade. Loteamento aprovado pela prefeitura permitia a construção de doze imóveis naquela Praça: um da igreja, um da prefeitura, e os demais particulares.

Na década de 1990, portanto 100 anos após a ocupação de Copacabana, que possui ruas largas e várias praças, tentei influir na ocupação da Praia da Costa expondo pinturas expressionistas e publicando textos. Ela lamentavelmente ficou com paredões a beira mar, sombras extensas na praia, ruas estreitas e sem nenhuma praça.

Na década de 2000, com a instalação artística “Praça é praça, não?” (veja em www.galveas.com/atividades), que se consistiu em panfletagem e pinturas em telas emolduradas e fixadas no tapume da obra, então só iniciada, tentei impedir a ocupação da Praça Principal de Vila Velha, com a construção do prédio “Titanic”.

Na década de 2010, foi a vez do Cais das Artes, apelidado de “Masmorrão”. Tentei mostrar a impropriedade do local escolhido para sua construção, na Praça do Papa, em Vitória. O projeto volumoso do arquiteto que não foi premiado no Espírito Santo, pois aqui não houve concurso, está sendo edificado em área pública semelhante, mas muito menor do que o Aterro do Flamengo.

No Rio, ambiente cultural mais independente e progressista, cariocas expulsaram de sobre as águas da Lagoa Rodrigo de Freitas uma gigantesca aranha de ferro toda amarela, que a artista contemporânea Tomie Ohtake, havia instalado ali.
Aqui na província, enquanto mentalidades tacanhas se impressionam com nomes, títulos alienígenas e aceitam passivamente essas violências na ocupação de espaços públicos; no Rio, Élio Gaspari (A Gazeta, 27/11/2011) denuncia o uso do “aríete Niemeyer para arrombar o Aterro do Flamengo, com a construção de uma casa de espetáculos com três mil lugares”.

Se quisermos preservar traços da nossa identidade e uma razoável qualidade de vida em nossas cidades, precisamos valorizar o bem comum e aprender a reagir, como fazem os cariocas.

Que a minha coleção de fracassos em propostas ambientais seja alerta ao bom senso dos governantes dos três poderes, universidades, sindicatos e associações de classes. Apelo aos capixabas, natos e adotados, para que somem esforços na preservação de nossos valores e na construção de um lugar agradável para vivermos.

Kleber Galvêas, pintor. Tel.: (27) 3244 7115 www.galveas.com