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sexta-feira, 30 de maio de 2014

CARTA ABERTA A DÉBORA MORAES



Hoje (sexta-feira, 30 de maio) por acaso, assisti indignado a um comentário irresponsável e lamentável feito pela apresentadora do programa Ronda Geral, um noticioso da hora do almoço na TV Tribuna Espírito Santo. Aliás, será que é regra esses televisivos terem “Geral” no nome?

Foi a primeira vez que sintonizei no programa e, logo de cara a moça que apresenta, chamada Débora Moraes, comentava o assassinato de uma recepcionista de 24 anos, curiosamente também chamada Débora, que ocorreu dentro de uma loja cheia de gente, inclusive crianças, em Guarapari.

Não bastasse a barbaridade do crime, vazou para quem quisesse ver – e todos os telejornais mostraram – as imagens da câmera de segurança da loja, que registrou o momento em que um adolescente, menor de idade, caminha em direção à vítima e desfere vários tiros, sem dar à moça a menor chance de defesa. As imagens são muito fortes, imagine a dor que sentiu a mãe da vítima ao ver a filha morrer daquela forma.

Débora é a moça de preto momentos antes de ser assassinada
 Pelo que li nos jornais o assassino compareceu hoje à delegacia para se entregar junto com o advogado e a apresentadora da TV Tribuna estava dando a notícia quando se voltou para a câmera – como é comum nesses programas – e falou “agora”... - Eu pensei, ela não vai fazer isso não, ela também é mulher. - “Me desculpa, mas essa moça procurou”. Então entrou naquele discurso que beirava o “bem feito”, porque a sua xará namorou um traficante, assistiu execução de um cara e por aí vai.

Havemos de imaginar que a Débora do SBT Capixaba teve a boa intenção – e destas, diz o dito popular, o inferno está cheio – de alertar as famílias e as jovens mais assanhadinhas para não sair por aí namorando traficante, nem se envolvendo com a bandidagem porque o fim de quem envereda por esse caminho é o cemitério. Porém, a verdadeira mensagem passada é da repressão ao gênero feminino: mulher tem que andar na linha, porque se alguma coisa de ruim acontecer é porque procurou.

Mensagem muito boa sabe para quem prezada Débora da “Geral”? Para os traficantes e assassinos soltos por aí que, aliás, garantem a audiência dos programas de ética duvidosa como o que você apresenta. Sabe por quê? Porque quando você coloca a culpa de uma ação pavorosa dessas na vítima, transformando-a em réu, quem sai ganhando é o advogado de porta de cadeia que está atrás de argumentos para defender seu cliente.

É inadmissível que num momento em que toda a sociedade capixaba aumenta o tom do discurso em defesa da mulher (Segundo pesquisa do IPEA somos os Estado mais violento contra mulheres no Brasil), uma pessoa do próprio gênero vá para a televisão aberta fazer uma afirmação irresponsável destas. Falo isso por experiência própria, porque, como muitos sabem, sou filho de uma vítima de assassinato que foi brutalmente denegrida após o fato e até hoje sofro com uma determinada imagem negativa que se criou em torno da memória de minha mãe, a colunista do extinto Jornal da Cidade, Maria Nilce Magalhães.


Prezada Débora, o que será do ainda perseguido e reprimido gênero feminino se mulheres adultas e de boa escolaridade pensarem como você? Vá para o quadro negro e escreva duzentas vezes: “Um assassinato não se justifica de jeito nenhum!” Ninguém tem o direito de tirar uma vida, mesmo dos que fazem, eventualmente, algumas escolhas erradas. Quem tem que ser punido é o criminoso e não a vítima! Desculpa querida, mas você mandou muito mal...

sábado, 24 de maio de 2014

QUEM NASCE ZÉ NÃO MORRE JOHNNY



“A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão”.

Aldous Huxley – catado no Facebook do Grilo Falante

Li um artigo criticando a atual onda radical conservadora de alguns velhos representantes do BRock, como Lobão, Roger do “Ultraje a Rigor” e agora os Titãs. Contrariamente ao cara que escreveu, não vi razão pra surpresa, muito menos para indignação. Quem nasceu rebelde sem calça não haveria de morrer fazendo algum rastro de sentido, ou haveria? Quem viveu – muitos deles ainda vivem - sob a égide hedonista da máxima “drogas, sexo e roquerou”, não pode querer dar a doida do avesso e clamar pela volta da ditadura? Não só pode, como suspeito que precise. Em tempo: para que serve a liberdade se não sabemos o que fazer de nossa vida?

Os que estão prontos – e muito provavelmente ávidos - para o linchamento estético e moral dos nossos velhos roqueiros não podem esquecer que o artista popular é uma antena que capta e destila versões elaboradas – na maioria das vezes nem tanto - do senso comum; enquanto os que vão contra as verdades estabelecidas patinem em uma “impopularidade” acadêmica. Eis um dos principais dramas da sociedade, a “verdade verdadeira” – ou mesmo a música verdadeira - sempre existiu e circula livremente por aí, só que ninguém dá a menor pelota. Digo “sempre” num sentido figurado, mas dessa verdade já se fala no Mito da Caverna de Platão...

Isso tudo pode nos remeter, ou não, a um artigo meio “mea culpa” em que o maestro Julio Medaglia descreve seu desalento com o fim do sonho de igualdade social comunista que acalentara em alguma altura da vida. Lamentou o fato dos revolucionários bolcheviques não terem liderado o capitalismo, disse que com sua notória incompetência até este dariam um jeito de fazer naufragar. Talvez por isso, maestro, Elvis Presley sempre teve muito mais imitadores do que Igor Stravinsky. A liberdade tem um preço, dizem ser a eterna vigilância. Ora, babe, “ignorance is bliss”, Grace Gianoukas devia ter uma pitada de razão ao reclamar que “ser intelectual dói!”.

Enquanto isso tudo borbulhava no caldeirão da Madame Min, o site do IG anuncia uma pesquisa entregando que a maioria da população é contra a liberação da maconha. Opinião considerada careta e “baixo astral” por qualquer militante do rock cioso de sua “maluquez”. É também contraditória, porque em outro lugar li que esse mesmo povinho brazuca nunca viveu tão entupido de calmantes como o Rivotril. E, não bastasse o torpor farmacêutico, andou-se também divulgando que estamos entre os vinte maiores consumidores de cerveja do mundo... Pelo menos isso e fora todo o resto... Aliás, o Véio Gagá sempre dizia que “o resto é que é o bom”.

Talvez as posições cambiantes e incongruentes dos roqueiros - ora rebelados contra “o sistema”, ora defendendo a volta da ditadura - tenham a ver com as teorias da sociedade líquida de Zygmunt Baum, talvez não. A verdade é que a grande maioria das pessoas é imediatista e prática em suas relações, inclusive aquelas de caráter político e partidário. A mentira tem pernas curtas e a memória também, prova disso é que a classe média já se iludiu com os militares uma vez e agora flerta com esse “recordar é viver”. Talvez as cadeias invisíveis tragam não só a insônia, mas os pesadelos. Se não incomodasse alguma coisa dentro doida o que seria então?

Na pseudo-invisibilidade da Internet muita gente adota posições veementes, pessoas amáveis e inteligentes que admiro, adotam posições públicas bastante duras, fazem críticas como fossem neo-revolucionários, ecos de outros cacarecos. Por que será que não questionam esse impulso como um produto destilado do inconsciente coletivo? Talvez, por isso, seja possível encontrar evidências de que a atual moda de linchamentos tenha começado a se espalhar no mundo virtual. É preciso dizer o diabo de quem não se conhece, aliás, é preciso eleger um diabo e depois o destruir. O problema é que o diabo não existe, mas maioria das pessoas acredita nele e vivenciam uma espécie de retorno do misticismo da idade média.

Para aqueles cujos heróis morreram de overdose, sobreviver é querer entender o mundo, não conseguir e então reclamar que nada nunca fez sentido. Então sentem sua postura como uma forma de inteligência e esta é reconhecida e reforçada por muitas pessoas. Talvez o que incomode nessa postura não seja a falta de questionamento, mas a falta de sentido. Outra antiga proposição, igualmente sem resposta. Então, pelo menos para um número bem grande de internautas, é muito mais fácil por a culpa de suas frustrações nos outros, atualmente na Presidente do Brasil e em seu partido. Esse papel já foi de muitos outros, inclusive dos militares. É um círculo vicioso riscado na água, breve descobrirmos de verdade qual é o daquele “imagina na Copa”... E então? E então nada.

sábado, 3 de maio de 2014

ENTRE O DEDÃO E O INDICADOR



Quarta no final da tarde, baita correria. Passo no cartório pra reconhecer firma em um documento e agora tem senha, então pego a verde. Falta umas dez pessoas ainda pra chegar minha vez, dou graças a Crom (Hehehe) que a bateria do tablet não acabou. Leio o número mais recente de O Inescrito, ou será que era o Flash Gordon? Tenho um antigo, daqueles grandões da Ebal, que ando pensando em me desfazer, mas cadê o tempo? Tô eu sentado dentro do cartório.

Lá no canto vejo um homem que me parece um velho conhecido, daqueles que há vinte anos eu chamava de amigo, com quem confidenciava questões pessoais e saía no final do expediente pra tomar umas cervejas. O cara envelheceu ao ponto de agora eu não poder mais dizer com certeza se é ele ou não. Imediatamente penso que também devo ter envelhecido aquele mesmo tanto e isso me deixa um pouco amuado... Isso e aquele papelzinho idiota da senha entre o dedão e o indicador.

Absorto em alguma espécie de cálculo, folheando documentos que serão reconhecidos, o homem não vê nada à sua volta. Penso divertido que possa provavelmente ter me visto o encarando com o canto dos olhos e agora foi tomado pela paranoia bastante improvável de ser um paquera, amigo bom é sempre meio doido. Ainda estava em dúvida se era o cara ou não quando ele, absorto nos papéis, começou a passar a mão no rosto de maneira familiar. Caio na real que foi, aliás, esse tique nervoso que me chamou a atenção e agora confirmou sua identidade.

Alguns anos nas costas faz miséria com a “informação visual” da gente: calva bastante acentuada, pancinha também, óclinho de leitura, o pacote completo de quem chegou na faixa dos cinqüenta sem passar perto da academia. Devo mesmo estar ficando velho, ando pensando com naturalidade que fazer Pilates já não é mais uma idéia tão absurda assim. Um cara colocou no twitter que se deu conta da idade quando se pegou matutando: “Esse é um bom chuveiro, quero comprar esse chuveiro”.

Amigo antigo reconhecido, agora a questão é acelerar. Tenho um monte de coisas pra fazer embora saiba que “o cemitério está cheio de gente que nunca perdeu tempo”. Se retirar o indivíduo de seu limbo introspectivo teremos duas décadas para colocar em dia, vai ser um problema danado e é já cinco da tarde. Ademais, falta só um número para a minha senha. Chamaram a dele. Passou bem na minha frente com a cabeça baixa e nem me viu. Pensei: deixa ver suas coisas, quando terminar falo com ele.

Então o painel deu um “bip” e apareceu meu número, o guichê bem a seu lado. Passei os contratos para a moça que me fez algumas perguntas. Quando fui ver o velho amigo já ia longe, atravessando a porta apressado. Lembrei de histórias engraçadas, as insanidades que nos trouxeram com dificuldade à meia idade. Lembrei também de algumas coisas desagradáveis, junto com coisas bacanas a memória sempre traz algum lixo. Lá fora o cara desapareceu, fico imaginando que tudo esteja bem em sua vida e desejo que só as lembranças boas nos acompanhem, sabe-se-lá quando vamos não nos ver novamente...