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domingo, 21 de abril de 2013

NOS BRAÇOS DE MORFEU E COM A IDADE DE CRISTO QUANDO MORREU!



A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada

Outro dia acordei com uma frase na cabeça que achei genial para iniciar um livro. A frase era grande, praticamente um parágrafo, cheia de voltas e retóricas. Daí o despertador tocou, minha mulher desligou e voltou a dormir. Era domingo, mas eu sabia que ela tinha um compromisso logo cedo, daí perguntei da forma mais carinhosa que consegui:

- Você não está com medo de perder a hora não? – Ela me respondeu de olhos fechados como se estivesse hipnotizada, ou envolta em grossas e misteriosas brumas.

- Eu já coloquei o despertador para tocar. – Esperei um pouco e raciocinei embaixo das cobertas atrás de uma nova estratégia. Aqui em casa, por precaução e carinho, eu levo a sério aquela coisa do Vinícius de Moraes pedir para falarem baixo, por favor, pra que ela acorde alegre como o dia oferecendo beijos de amor...

Mas enquanto isso o diabo do tempo estava passando...

- Você sabe que o despertador já tocou não é?

- Humn? – Ursinhos, grandes pirulitos coloridos, meninas loiras de Maria Chiquinha correndo atrás de coelhinhos saltitando e um grande cogumelo pavarótico cantando “amazing grace”... O resto era o vento nas árvores e o silêncio.

- Foi você mesma quem desligou ele meu bem. – Nesse momento, de repente, seus olhos se abriram assustados e o leve sorriso de bonança desapareceu de seu rosto.

- Eu desliguei? Eu nem ouvi ele tocar... – Comecei a rir enquanto ela se debruçava novamente para ver se eu estava falando a verdade... Voltou e colocou a mão na testa.

- Putz! – Sorri solidário, beijei seu rosto e falei:

- Feliz aniversário meu amor!  

... E nunca, nunca mais vou saber novamente qual era, ou como era, a tal frase genial para iniciar um livro.

Para Alice Nascimento no dia de seu aniversário. Essa crônica é um presentinho de pobre, como diria meu muito querido poeta Manuel Bandeira em suas flautas de papel. Aquela canção que para você eu nunca escrevi. LOVE!

quarta-feira, 17 de abril de 2013

CORAL ARCELORMITTAL TUBARÃO É ATRAÇÃO EM CONCERTO DE PÁSCOA

Numa promoção do Instituto Todos os Cantos, o Coral ArcelorMittal Tubarão vai realizar sua primeira grande apresentação do calendário 2013. Um Concerto de Páscoa que acontecerá dia 26 de abril, no Teatro do Sesi, com entrada gratuita. O repertório privilegia, naturalmente, a música sacra mostrando várias facetas da expressão espiritual ao redor do planeta, serão apresentadas peças de Tchaikovsky (Russia), Verdi (Itália), Liszt (Hungria), Camargo Gaurnieri (Brasil), entre outros, e até um “Pai Nosso” composto pelo regente Adolfo Alves.


A apresentação conta ainda com a participação de vários cantores solistas e instrumentistas entre os coristas que integram esse grupo que é um dos mais antigos e tradicionais do Espírito Santo, fundado em 1986. A regência do coro e direção geral deste espetáculo é do maestro Adolfo Alves - que ininterruptamente dirige corais há mais de cinquenta anos - é também conhecedor profundo de música clássica e explica a importância da arte musical na celebração da Páscoa:



O calendário litúrgico cristão tem várias datas em que são celebrados ou relembrados momentos da vida de Cristo ou de seus ensinamentos. Duas dessas datas têm mais evidência em todo o mundo não apenas pelo que se celebra, mas por causa de tradições e costumes paralelos que foram se formando em torno delas: O Natal e a Páscoa. Durante séculos foi criada muita música especial para essas celebrações, de maneira que hoje temos um grande repertório coral de cantos natalinos e pascoais.



Essas ocasiões são também ricas em poemas clássicos que foram usados por grandes compositores em obras que se tornaram célebres. Destaca-se a festa de Corpus Christi, cuja sequentia e outros textos são de autoria de S. Tomas de Aquino, de onde vêm o Pange Lingua, Ave Verum Corpus, Panis Angelicus, Jubilate Deo e outros. Alguns desses textos serão cantados na língua original – geralmente o latim - ou em inglês, português, italiano, etc.



O Coral ArcelorMittal Tubarão mostra, assim, algumas dessas páginas sacras, não exatamente como mensagem religiosa, mas com o intuito de resgatar obras artísticas que já se vão perdendo na bruma do tempo. Mas não podemos desprezar ou esquecer o lado religioso especialmente para contrapor ao momento de violência, falta de solidariedade e materialismo que ora vivemos e que nos trazem tanta insegurança e tristeza. Continuamos a acreditar que a MÚSICA EDUCA PARA A PAZ e assim seguimos A CANTAR EM TODA PARTE COM ALEGRIA, AMOR E ARTE. 



FICHA TÉCNICA


Concerto de Páscoa


Coral ArcelorMittal Tubarão


Dia 26 de abril de 2013. 20 horas.


Local: Teatro do SESI.


Rua Tupinambas, 240. Jardim da Penha.


Informações ITC: 27 3033 9010.


ENTRADA FRANCA

quarta-feira, 10 de abril de 2013

ANTIGAS MESSALINAS - PROIBIDAS E INCOFESSÁVEIS



Afonso era filho de uma família tradicional de imigrantes portugueses, donos de propriedades em áreas nobres da cidade e estabelecimentos comerciais importantes. Gostava de enfatizar um traço espanhol qualquer que havia em seu sangue, nunca entendi muito bem porque, parecia uma implicância qualquer com sua gente da terrinha, mas não tinha nada a ver com o estereotipo brasileiro de português não ser muito inteligente ou coisa que o valha.

Afonso era um cara que mascou, apesar da fortuna e de ser “bem nascido” não deu pra nada das coisas práticas da vida e, não sei se por isso, virou uma fruta às vezes azeda, às vezes amarga. Também não sei se estudara a ponto de ser formado em alguma coisa ou professar uma profissão, nem que fosse de professor. Por conta da fortuna da família nunca precisou trabalhar e muito menos o quis. Casar também não casou, aliás, sua orientação sexual, digamos assim, era muito temerária em sua juventude e maturidade, passível até de punição com cadeia.

Atravessou a vida ligeiramente bêbado - muitas vezes completamente - mas seu auge foi nos anos setenta, quando usava os cabelos castanhos um pouco compridos e grossas costeletas de Mi Buenos Aires Querida. Ora, não só pela fortuna que herdara, algumas mocinhas casadoiras o achavam atraente e passível de um flerte. Não, nunca foram e nem seriam correspondidas. Afonso viveu foi uma paixão alucinada com um rapaz bastante humilde que trabalhava em uma peixaria. E pensaria com desgosto seu pai se fosse vivo: mas esse bosta nem sequer é o proprietário do estabelecimento?

Vestia camisas de cetim estampadas, mas de cores sóbrias e grossos cordões de prata, nunca seria visto de calça jeans e tênis, quando muito um chinelo de Franciscano. Muito menos daria a doida de se vestir de Cinderela, mas no fundo esperava o príncipe encantado chegar para resgatá-lo daquela miséria toda e serem felizes para sempre.

Por saber que seus sonhos nunca se realizariam, era cínico e sarcástico para com as pretensões do alheio, parecia supor e até desejar que todo mundo fosse dar em nada exatamente como sua vida dera. Esse seu aspecto era bastante detestável, mas fora moldado à custa de muito sofrimento, sozinho desde pequeno em instituições de ensino onde foi sumária e reiteradamente surrado e seviciado. Em seu sono falava e soltava gritos sonâmbulos, não se sabe se de terror ou de prazer. Talvez os dois.

Gostava de ler e de se deixar ver enfiado e compenetrado em livros; obviamente, ele mesmo nunca escreveu nada, nem mesmo memórias, porque acreditava realmente e por toda a vida que fosse o que fizesse jamais iria resolver coisa alguma. Para ele o mundo não tinha jeito. Era condenado a dar o desprezo porque entendia que aí residia sua verdadeira herança, no abandono e na desilusão. Aliás, sofreu muito quando seu peixeiro o trocou por um funcionário público federal, um rapaz mais jovem que acabaria um dia assassinado de maneira tenebrosa em um daqueles encontros amorosos “proibidos e inconfessáveis”.

Não era um cara muito falante, era reservado, mas depois de umas biritas - e quando se sentia seguro - gostava de contar histórias picantes de seu universo homossexual. Falava especialmente de um amigo que, muito diferente dele, resolvera contrair o matrimônio e até gerara filhos “cada um mais lindo do que o outro”, comentava com espanto e talvez despeito. O amigo casou, mas, disse ele, nunca se vira no mundo pessoa mais sexualmente degenerada. Passou quase toda a festa das bodas dentro do banheiro dos homens servindo aos convivas, sim, e ainda rebatia com uísque. Era, como lembrava divertido em suas recordações, “uma Messalina desvairada”.

Um dia Afonso morreu - incógnito como atravessara toda a vida - sem deixar herdeiros para seus vencimentos que devem ter ido parar nas mãos daqueles que mais desprezava e que aqui não fazem nenhuma diferença. O encontrei por acaso pouco tempo antes disso, suponho, porque também nem sei direito quando se deu a libertação de seu longo cativeiro. Eu estava olhando um disco de Chabrier numa loja do Centro da Praia e mostrei para Afonso que deu a entender que já conhecia, talvez por não admitir alguma pequenez em seu saber enciclopédico, ainda mais perante um guri como eu.

Conversamos depois sobre os velhos tempos e que muitas senhoras falavam de uma pessoa em comum com saudades. De seu jeito amargo que aparentemente se acentuara ao ver o ocaso à menor distância, Afonso me respondeu quase às lágrimas:

- Elas mentem Juca, as mulheres mentem...

O tempo voava, então voltei para o escritório onde trabalhava e peguei o carro; indo para casa passei pelo mesmo lugar onde nos encontráramos que ficava bem perto e o vi, indo embora também. Era o início da noite num dia de semana qualquer. Afonso tentava a travessar a rua, agora mais acentuadamente bêbado que um gambá. Soltava palavrões trôpegos e discutia com os carros velozes na penumbra da noite, parecia um maluco enquanto ajeitava a camisa de seda que devia ter se enganchado por acidente na bicicleta de um passante qualquer.     

Depois Afonso sumiu, eu sei lá, deve ter virado fel...

domingo, 7 de abril de 2013

O ESTRANHO OFÍCIO DE ESCREVER



Li faz pouco tempo que a falta de assunto é um dos melhores temas para escrever e foi drama ou solução para meus heróis de antigamente - ultimamente mais presentes - Rubem Braga e Fernando Sabino. Gostaria mais de ler os outros de quem eles falam muito (como Paulo Mendes Campos, Helio Pelegrino e o nosso Carlinhos Oliveira), mas, curiosamente, não é nada fácil encontrar livros nas livrarias, especialmente quando estamos querendo e quando estamos precisando é que não achamos mesmo.

Tanto Rubem Braga quanto Fernando Sabino escreveram crônicas sobre as necessidades e as dificuldades de se parar de fumar o danado do cigarro. Falam do vício como uma antiga paixão, uma loucura obsessiva cheia de esses e não como um vício para o qual hoje muita gente torce o nariz. Acho que ambas as crônicas foram escritas em meados dos anos oitenta e, salvo engano a do Rubem vem do livro “Recado de Primavera” e a do Sabino vem de “A Falta que Ela me Faz”.

É muito fácil criticar um vício quando a pessoa nunca teve necessidade dele, é como padre fazendo sermão sobre o amor conjugal, aconselha, analisa, mas não entende bem do assunto... E, como diz o Góis, se entende não deveria. Reproduzo-lhos então uma croniqueta de Fernando Sabino sobre esse miserê estranho e solidário do ofício de escrever, só para emprestar uma dimensão da dor e da delícia que se equilibravam diariamente os nossos cronistas.

Lançamento da Editora Sabiá na cobertura de Rubem Braga. Os três crônistas a seguir mencionados estão em pé, da esquerda pra direita: Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e Fernando Sabino. Fecha o seleto grupo Carlinhos Oliveira. Sentados estão Vicícius de Moraes e Sérgio Porto (aka Stanislaw Ponte Preta) e no chão Chico Buarque de Holanda.
 
ÉRAMOS três condenados à crônica diária: Rubem no “Diário de Notícias”, Paulo (Mendes Campos) no “Diário Carioca” e eu no “O Jornal”. Não raro um caso ou uma ideia, surgidos na mesa do bar, servia de tema para mais de um de nós, às vezes para os três. Quando caiu um edifício no Bairro Peixoto, por exemplo, três crônicas foram por coincidência publicadas no dia seguinte, intituladas respectivamente: “Mas não cai?”, “Vai Cair” e “Caiu”.

Até que um dia, numa hora de aperto, Rubem perdeu a cerimônia:

- Será que você teria aí uma crônica pequenininha para me emprestar?

Procurei nos meus guardados e encontrei uma que talvez servisse: sobre um menino que me pediu um cruzeiro para tomar uma sopa, foi seguido por mim até uma miserável casa de pasto na Lapa: a sopa existia mesmo, e por aquele preço. Chamava-se “O Preço da Sopa”. Rubem deu uma melhorada na história, trocou “casa de pasto” por “restaurante”, elevou o preço para cinco cruzeiros, pôs o título mais simples de “A Sopa”.

Tempos mais tarde chegou a minha vez – nada como se valer de um amigo nas horas difíceis:

- Uma crônica usada, de que você não precisa mais, qualquer uma serve.

- Vou ver o que posso fazer – prometeu ele.

Acabou me dando de volta a da sopa.

- Logo esta? – Protestei.

- As outras estão muito gastas.

Sou pobre mas não sou soberbo. Ajeitei a crônica como pude, toquei-lhe uns remendos, atualizei o preço para dez cruzeiros e liquidei de um vez com ela, sob o título: “Esta Sopa Vai Acabar”.
     
Fernando Sabino 
Crônica "O Estranho Ofício de Escrever"
Livro "A Falta Que Ela Me Faz", Editora Record, 1980.