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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

ESCRITO SEM QUERER ESCREVER



Estou um tempo sem escrever e acho que acabei gostando dessa descontinuidade. Quando sou lembrado do esquecimento (tem gente que lê as coisas que escrevo) costumo dar desculpa que estou sem tempo. Isso não é bem a verdade verdadeira, mas também não é nenhuma mentira. A vida muda e outras coisas paralelas mudam na banguela, depois é que a gente se dá conta. Por exemplo, em 2012 eu mergulhei em um projeto que me proporcionou as dores e delícias de trabalhar em casa. Certas noites eu ficava doido para sair à rua e ver gente. Agora é o contrário, os momentos que tenho para ficar em casa são mais raros e valiosos.

Na atual mudança de rotina e de hábitos passei a escrever menos e agora me soa engraçado quando alguns amigos falam que eu deveria escrever sobre esse ou aquele assunto. Não tenho tempo, quer dizer, tenho, mas acabo o usando para fazer outras coisas, inclusive visitar amigos. Numa dessas fui visitar Alexandre Lima. Saí muito tocado com a situação de meu amigo, em coma vigil até este instante. Fiquei naquela semana escrevendo um textinho sobre a experiência de ir ao hospital, de como postergamos isso porque nos remete a lembranças dolorosas, de como é uma dura provação para a família ter uma pessoa querida naquela situação...

Antes de divulgar um texto eu o fico ruminando, não é fácil admitir, mas ando me preparando para completar meio século no ano que vem, portanto, estou começando a me considerar um escritor experiente, maduro se você preferir. Então peso com outras medidas aquelas palavras na tela do computador: se são justas ou não, se terão efeitos positivos ou, inadvertidamente, negativos. Frequentemente acontece de alguém não gostar de algo que escrevi – não que eu esperasse obter unanimidade – mas cabeças diferentes acalentam sonhos divergentes ou interpretam sentidos que não tinham nada a ver com o que eu estava querendo dizer. Não posso deixar de escrever por causa dessas pessoas, mas mesmo quando erro estou tentando acertar.

Enquanto ponderava o texto sobre Alexandre tomei uma pernada da vida e agora imagino meu notebook transformado em moeda de troca entre os traficantes de drogas. Vejam só vocês: fiquei mais algumas semanas sem querer escrever. Poderia até tentar refazer o texto, lembro a maioria das coisas que coloquei nele, mas uma amargura estranha me desanimou. Pensei em escrever como fora o roubo, como Vitória está ficando uma cidade perigosa de verdade e que essa foi a primeira vez que algo do gênero me aconteceu aqui. Corri pra casa e, ao invés das teclas do computador, martelei o Mendelssohn no velho piano, uma peça difícil, mas que tem crianças no youtube tocando velozes como notícias furiosas.

Hoje de manhã, totalmente sem querer, descobri que a arte de escrever é parecida com a de fazer música: quanto mais experientes e respeitados somos, quanto mais pessoas nos dão ouvidos, mais difícil a coisa se torna.

E foi nessa hora que me toquei da importância de voltar e continuar...

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A IMPORTÂNCIA DE UM LINDO RÉVEILLON



Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
                                                                           Eclesiastes 3:1 e 4

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu
Eclesiastes 3:1

A festa de Réveillon 2014, promovida pela Prefeitura de Vitória na Praia de Camburi, foi uma das mais bonitas dos últimos anos. Pena que as televisões e jornais tenham dado mais destaque a um único episódio de tiroteio do que à ótima programação de shows, formada exclusivamente por artistas do Espírito Santo, a apresentação do Pixx Flux e da queima de fogos. É curiosa e me soa provinciana essa onda austera do capixaba, a renitente valorização da “seriedade” em detrimento da “alegria” e isso parece influenciar a maneira como a mídia circula as notícias. Fora isso a festa da virada foi muito elogiada e olha que quando houve o anúncio oficial de que o “réveillon” estava mantido na capital muita gente criticou, disseram que – por causa das recentes catástrofes - não era hora de fazer festa, que era desrespeito.

Show do Bloco Bleque, imagem por Gustavo Macako
 “Na boa”, uma coisa é lamentar as perdas e sermos solidários para com nossos irmãos que estão passando por sérias adversidades – e o espírito voluntarioso do capixaba ficou mais do que claro durante esse episódio – outra coisa - igualmente importante - é a celebração da vida! Internacionalmente a festa de ano novo tem significado de renovação, de recomeço, de um novo ciclo retomado com esperança. Será que não existem benefícios na alegria? Um sentimento gregário que é tão importante. A alegria ajuda a curar as feridas da alma e a reencontrar a felicidade, não fora assim, o que dizer de grupos como os “Doutores do Riso”?

As grandes cidades do mundo celebraram a passagem de ano, os noticiários mostraram a festa em Salvador, Nova Iorque, Paris etc. São metrópoles que têm seus desafios, seus dramas e suas catástrofes. No Rio de Janeiro rolou um baita tiroteio, mas a reportagem carioca focou na beleza da festa. A parcela mais pobre da população sofre mais e são justamente os que mais se divertem nas festas populares, além de sempre dar um jeito de faturar algum. Em função das tragédias neste final de ano as cidades de Cariacica e Vila Velha cancelaram seus Réveillons. No palco da festa em Vitória apareceu uma menina chamada Ladislaine que, vinda de Cariacica em companhia da mãe e da avó para catar latinhas, acabou por se perder na multidão.

Uma das razões para que se mantivesse a festa em Vitória foi a sua evidente importância para movimentar o turismo e o comércio, curioso como o trivial episódio da pequena catadora de latinhas é emblemático dessa necessidade, não só do dito “burguês capitalista”, mas do povo que se vira como pode. A destruição é um fato, já aconteceu, é preciso reconstruir e a festa de ano novo vem justamente reafirmar a esperança de que tudo vai melhorar. No ano novo somos tomados pelo ímpeto de repetir rituais que presenciamos desde a infância, espocar um champanhe, jogar flores para Iemanjá, vestir branco ou amarelo, pular sete ondinhas no mar ou congregar com um grupo religioso. Será que agora alguém ousaria negar isso às milhares de pessoas que ocuparam os cinco quilômetros da praia de Camburi? Eu preciso duvidar...

A dimensão da festa de Vitória, foto de Yuri Barichivich