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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

METALMANIA - Carta Aberta ao Grilo Falante Nº 4

Texto originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 26/04/2005

Pois é meu amigo Grilo Falante, convidei pra ir e você não quis... Perdeu! Tá bom, tá bom. Tá legal, eu aceito o argumento que você está de dieta e que essas audições pesadas fazem mal à digestão. Concordo. Eu mesmo acordei com um mau humor dos infernos que só diminuiria quando finalmente rolou um sinal positivo daquela loira que ando interessado em coisar. Mas isso foi depois, bem depois, não tem porra nenhuma a ver com a Noite do Metal! Ho Yeah!!! Exclusive isso (sic). Não se sabe muito bem como, mas o fato é que fui parar no bar "Entre Amigos II", fico imaginando como seria o primeiro. Pior são os trocadilhos, afinal, eu fui com um amigo doidão que, aliás, tivera o carro "abduzido" na noite anterior, os aliens rebocaram o carro dele para um desmanche; mas o cara não parava de imitar o Silvio Santos - Lálálálá! - e me perguntava intrigado: ô Juca, se “entre amigos” é assim imagina lá em cima do Morro do Alemão!

Fiquei constrangido logo à entrada quando me deparei com aquela imensa massa ignara toda vestidinha de preto. Mal advertido pelos infames colegas de trabalho baixei, saravei, enfim, coisei na parada vestido que nem um tenista: todo de branco, esporte fino, porém com uma certa protuberância pançística. Lá estávamos nós: eu e aqueles adolescentes cabeludos traduzindo pro capixabês o que eles imaginavam ser a alta costura fashion do metal. Acabei ponderando que o luto deveria ser por conta da morte do bom gosto musical, ou então dos tímpanos de alguém.

Como não podia perder a viagem resolvi me divertir fazendo o que sei melhor: criticar. Encostado no palco tem um cara muito parecido com o Gregory Hines, só que cheio de tatuagens e que implantou dentes de vampiro! Ou então mandou afiar os caninos, algo do gênero. Esse cara é o mais empolgado e, apesar dos dentinhos, um dos menos travestidos de metaleiros. Digo isso porque acabou de passar por mim um rapaz todo maquiado, baton nos lábios (e não falo do chocolate), calça jeans e coturnos, camiseta preta e até um sonoro sobretudo (!) É isso mesmo véio, nesse puta calor!

No intervalo entre uma apresentação e outra nada de alívio pro ouvidão. Assim que acabava o show entrava a música mecânica, mais barulhenta ainda. Um garoto muito cabeludo, parecia o "Floquinho" - aquele cachorro esquisito do Cebolinha - enfiou a cara numa das caixas de som e ficou lá girando a cabeça e, consequentemente, a cabeleira. Dizem, aliás, que os metaleiros fazem isso pra ver se o cérebro pega no tranco. Achei o intervalo meio tedioso, várias garotas bonitas espalhavam-se pela parada e nem todas estavam tão sorumbaticamente disfarçadas de Mortícia Adams, mas iniciar uma parlamentação naquele ambiente era impossível, o barulho impedia até o pensamento de funcionar direito.

Pensei em várias sugestões para a organização do evento a fim de abrilhantar a parada, enquanto coisa. Por exemplo, aproveitando o clima hetero-nazista-facista-neo-positivista-direitista e gozado, porque não organizar um concurso pra eleger a "Garota Metaleira". Hein? A menina poderia ganhar uma tatuagem, ou um protetor auricular, ou um curso de libras, até pra ver se conseguia agitar uma paquera com alguém. Valendo os mesmos brindes para uma outra categoria de competição, em que se escolheria a melhor fantasia de metaleiro. Que nem aqueles grandes bailes de gala do carnaval. Já imaginou? O apresentador fazendo aquelas vozes guturais, ou então poderiam chamar o Zé do Caixão pra ser anfitrião da parada que também ia ficar demais!

- É isso aí galera do mal! É realmente uma merda ver tanta gente aqui nessa primeira edição do “Gala Metal do Espírito Santo”! Huhúuuu! Hô yeah! Dando início aos desfiles dessa noite, convido à passarela o metaleiro Jeremias, nos desagradando a visão com a sua pavorosa fantasia "O Conde Drácula Vai ao Maculelê".

- Na passarela também desfila Joãozinho Deus me Livre, apresentando seu "A Pós-Decadência Agélica Encontra o Trash e Tá Tudo Clean". Lembrando de esquecer que, infelizmente, a lamentável criação do abominável Joãozinho tem patrocínio da funerária "Agora Só Falta Você". Deus me Livre!!!

Enquanto me perdia em devaneios, eis que começa o show da última banda, grupo que contava com um cantor talentosíssimo; o cara conseguia alternar, musicalmente falando, arrotos cavernosos com lancinantes gritos histéricos. É isso mesmo! Primeiro o cara fazia à capela: aarroooooto! Daí entrava um instrumental sorumbático que alguém me explicou se tratar de "Brutal Death Metal", em que o cantor se sacolejava que nem uma enguia, uma lesma, uma coisa malemolente, enfim: os brutos também amam! Então, do nada, o cara disparava a gritar que nem uma mulher doida sendo esfaqueada: Uáááááááááááiiii!

Putz véio, depois dessa eu desanimei, francamente! Quando vi já tinha ido embora daquele lugar infernal! No dia seguinte, até perdi a hora. Acredite, ou não, simplesmente porque não escutei o despertador tocar!
O ouvido fez greve, ou então estava de ressaca. Sei lá!

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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

PRA FAZER SILÊNCIO EU BERRO! - Carta Aberta ao Grilo Falante Nº 3

Texto originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 11/04/2005
Caro amigo Grilo Falante, não é que acabei vindo parar na Igreja Assembléia de Deus? Vim acompanhar o "Chefe" em uma visita a um evento tradicional dos evangélicos. Aqui estão reunidos pastores de todo o Espírito Santo alguns até de outros estados do Brasil, provavelmente aproveitando as férias de verão, afinal ninguém é de ferro, mas meus nervos são de aço. Como faz tempo que não te escrevo, e sei que estes assuntos de religião muito te interessam, resolvi então coisar-lho algumas parábolas a respeito:

Sessenta a setenta por cento do público é formado por negros e mestiços, a esmagadora maioria aparenta ser de origem humilde. Empunham grandes bíblias, aquelas de capas pretas com "fecho écler" (Zipper). Caminham animados e risonhos e falam maquinalmente, a título de comprimento: A Paz do Senhor. Sabe que uma vez eu tive uma agenda preta que também fechava com zipper? Daí que um dia sentei pra engraxar os sapatos do lado de fora do Centro da Praia com ela no colo e lá pelas tantas um cara me perguntou se aquilo era uma espada. Não entendi a pergunta, mesmo porque estava distraído e o sujeito falou apontando para a região da minha pélvis, onde realmente fica uma coisa que assim pode ser classificada. Demorou um tempo pra eu entender que o rapaz simplesmente perguntava se minha agenda era uma bíblia. Ora...

Vejo as pessoas sentadas em grandes bancos de madeira, espalhadas em um enorme salão. As mulheres de meia idade – que são maioria - ostentam expressões austeras e cabelos crespos espichados presos em rabo de cavalo. Vestem roupas caseiras de tecido fino e cores berrantes, sobretudo o vermelho e o verde limão. Os homens parecem ter saqueado algum brechó da esquina, vestem ternos completamente fora de seus padrões físicos, seja de altura, comprimento ou outro qualquer. E as combinações? Tem um rapaz bem do meu lado de terno azul marinho e camisa preta, também vejo muitas camisas verdes, vermelhas e, sobretudo, o goiaba, independente da cor do terno.

À direita fica o púlpito, na verdade um grande palco, na frente e no centro tem uma mesa enorme como as da igreja católica, com bíblia em cima e outras coisas. Atrás estão sentados os pastores presidentes, segundo me informaram os únicos que recebem salário e que são denominados "donos de campo". Aliás, quando um amigo falou: "esse que vai passando aí é dono de um campo lá em Terra Coisada". Eu pensei - vê só que cabeça de bagre a minha - que ele estivesse falando de alguém que investisse em lazer, tipo campo de futebol para aluguel, churrasco, enfim essas coisas. No fundo do palco estão colocadas várias cadeiras onde estão sentados, lado a lado, em duas fileiras os presidentes e as autoridades. Lá em cima a proporção racial é inversa à da platéia, são quase todos brancos, a começar pelo pastor que está pregando com um forte sotaque nordestino. Prega em pé com um microfone sem fio na mão, andando muito empolgado de um lado para o outro do palco. Alterna seu discurso com expressões do tipo "Aleluia!" e grandes modulações de dinâmica, às quais o público responde imediatamente em frenesi. A fala é metralhadôrica e o som não ajuda, a acústica muito menos, a ressonância embola tudo. Parece uma transmissão de partida de futebol em rádio AM, num final de tarde de domingo, quando você é jovem e sabe que vai ter que acordar cedo pra ir à escola e que a primeira aula é de matemática que você odeia. Um outro (des) crente que estava a meu lado falou que o pastor parecia um locutor de rodeio, no melhor - ou pior - estilo: Seguuuuuuura Jesus!!! Ou, Aleluuuuuia Peão!!!

Agora o pastor diminuiu o tom, fala – do que eu consigo entender – sobre os falsos e os verdadeiros adoradores. Tem um sujeito muito compenetrado que está bem ao meu lado com a mão esquerda no rosto, a outra segura com firmeza uma bíblia. De vez em quando grita "aleluia!" muito alto, enquanto levanta um dos braços em sinal de devoção, seu corpo se balança pra frente e para trás. Olho à minha volta, tem várias pessoas na mesma situação, num banco de madeira próximo três ou quatro homens se abraçam e oram fervorosos de olhos bem fechados. Seguram suas bíblias com uma mão e com a outra fazem uma saudação meio nazista, sacodem-se e gritam embolados, como numa peleja santa, um refrega espiritual!

A pregação já alcança mais de uma hora e o pastor está a mil, anda exaltado de um lado pra outro do palco, grita como um louco: servir e orar, servir e orar! (vai crescendo), servir e orar!! (cresce mais) servir e orar!!! (chega no auge): Aleluia!!!!

A multidão já se resumiu a uma massa enlouquecida, tudo é ruído, duas mil pessoas se esguelando. Uma carga invisível de energia corre solta pelo ar, sinto a cabeça tonteando frente à histeria coletiva. O pico da zoeira já se estabeleceu, o pastor está literalmente pulando no palco, instiga a multidão e sorri triunfante ante a resposta ensurdecedora. Vocifera que o Senhor Jesus vai se fazer presente ali naquele momento. A multidão se agita e resfolega que nem um cavalo bravio, ante a possibilidade de ver o improvável acontecer. Tenho a sensação que as coisas vão realmente escapar do controle. Por via das dúvidas vou me colocando mais próximo da saída...

No meio da platéia um rapazola começou a pular e se curvar batendo os braços abertos como se quisesse voar. Um sujeito de terno amarelo, ou bege, vem correndo em sua direção e o pega pelo braço, pensei com pena: vão por o menino pra fora. Mas que nada... Levaram o moleque pra cima do palco onde teve as mãos colocadas sobre a careca de um dos "presidentes" e começou a pular que nem um doido, dando pinotes no ar. A multidão lançava altos brados em uníssono, é impossível distinguir qualquer coisa mais, o culto virou um verdadeiro pandemônio.

Dois rapazes muito magros, de terno escuro, vêm então se postar embaixo do palco, cada um com um microfone na mão. - Esses aí vão cantar - Pensei. Passa um tempo, a gritaria permanece inalterada. A música começa abafada, mas logo o som cresce e dá pra reconhecer o ritmo: é um danado de um forrózinho sem vergonha! Nada mais adequado para terminar aquela fuzarca: uma cançoneta nordestina saudando Jesus e seu jegue. A cantoria era sinal claro que meu suplício estava terminando, o chefe me dispensou e foi-se embora apressado. Entrei no carro e rumei para casa aturdido, desencantado da vida e mentalmente currado.

O que mais me impressionou nessa curiosa experiência mística é que, apesar de ver aquelas pessoas desejando a “Paz do Senhor” para todos, coisa que automaticamente nos remete à quietude, silêncio e introspecção, na hora de rezar – clamar segundo o jargão deles – os caras gostam mesmo é de fazer barulho. Que calma, tranqüilidade e introspecção o quê? Daí fica difícil olhar para dentro de si e encontrar as perguntas que precisam de respostas, mas provavelmente aquelas pessoas sofridas querem mesmo é o contrário disso. Esquecer. Nem que seja só por alguns instantes. Esquecer de tudo.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

MUITA FORMIGA E POUCA CIGARRA: OS MALES DO BRASIL SÃO!

Assisti dois filme-biografias de boa qualidade essa semana. O primeiro é sobre Noel Rosa, uma produção bacana, especialmente levando-se em consideração as limitações nacionais de produção cinematográfica. Pelo menos não é decepcionante e irritante como o filme do Villa Lobos, fico chateado só de lembrar a atuação demente de Antônio Fagundes no papel daquele que deveria ser idolatrado pela massa Brazuca como o Rei da Música, ele ou Tom Jobim, pelo menos. Já pensou coroar Rubens Barrichelo como o nosso Rei da Fórmula 1?

E se vocês acham que estou exagerando na crítica à atuação de Marcos Palmeira e Antonio Fagundes, na ridícula tentativa de mostrar uma pessoa em duas fases distintas de sua vida, façam uma comparação com o recente Piaf “Um Hino ao Amor”, onde, em menos de duas horas, vemos uma moça se transformar em uma senhora recurvada, sem perder a pegada e – especialmente - a alma do personagem. Não é pra menos que Marion Cortillard, a atriz principal, passou a perna em medalhões hollywodianos e levou o Oscar de melhor atriz em 2008.

A parada mais bacana do filme Noel “O Poeta da Vila” é o resgate histórico do cruzamento entre o samba malandro dos negros dos morros do Rio de Janeiro com a mente culta e faiscante do filósofo/poeta, encontro que fomentou o surgimento de frutos maduros ao longo do século elevando o samba ao patamar de maior expressão da música popular Brasileira. Filmes como esses são muito necessários e oportunos, trazem atenção para a vida de pessoas importantes para a construção de nossa cultura e que a grande maioria nem conhece.

Cartola aparece como parceiro e amigo de Noel que foi, aliás, conta a lenda que o sambista foi redescoberto lavando carros nas calçadas do centro do Rio de Janeiro, pelo lendário cronista Sérgio Porto, o “Stanislaw Ponte Preta”. O autor de monumentais canções como "As Rosas Não Falam", amargava um longo e injusto ostracismo causado por problemas de saúde e financeiros. Nossa sociedade moralista, fundamentada na exploração da mão de obra, sempre criticou duramente aqueles que ousam colocar o “trabalho” de lado para se dedicar a criar. Ora, qual é a pessoa normal que fica dez horas presa a uma atividade estafante e depois vai pra casa compor sinfonias e sambas canções? A primeira e maior prova de um artista é a sua capacidade de se libertar.

Outra biografia interessante é o filme “As Aventuras de Molière”. Uma produção do ano passado que nos conta um pouco da vida galante desse conhecido dramaturgo francês contemporâneo de Luis XIV, período rococó de muito oba-oba por aqueles lados, pouco tempo antes do epa-epa convulsivo da Revolução Francesa. Corri no Sebo Monarquia e arrebatei o único volume de Tarfufo que achei por lá, na notícia biográfica que antecede o texto percebe-se que muita coisa foi deixada de fora, como é natural acontecer.

Existe um pequeno paralelo entre as biografias destes dois artistas tão distintos e de épocas distantes: a necessidade de criar que move o ser humano. Ainda que muita gente prefira criar confusão e marcar sua passagem pelo mundo com dor e ranger de dentes. O bonito é ver esse mau exemplo das pessoas que dão uma banana pro mundo formal e se atiram de cabeça nos precipícios da arte. A necessidade de sobrevivência, a interferência da família e o simples medo do fracasso devem ter impedido muita coisa boa de aparecer no mundo. Graças a Deus que ainda tem gente doida pra se arriscar a viver que nem cigarra.

Alguns de meus textos estão sendo publicados no site http://www.robertobeling.com/, passe lá!

domingo, 16 de novembro de 2008

SUPER HOMEM, EIS A QUESTÃO - Carta Aberta ao Grilo Falante Nº2

Originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 21/03/2005

... por causa da mulher

Meu caro amigo Grilo Falante. Resolvi voltar a escrever-lho ainda dentro do assunto abordado em minha anterior missiva, pra ver se a gente consegue chegar a alguma conclusão sobre as histórias de Manuel. Pois você sabia que a maioria dos caras que comem viados pensam que não são homossexuais? E que tem bibas tão birutas que pensam que são mulher e que os "homens" delas o seriam realmente? Talvez por causa disso muitos transem viados numa boa, como se fosse uma espécie de brincadeira, uma traquinagem sexual. O problema é quando as coisas saem do controle e quem menos espera paga a conta e rifa a esfera... Desculpe o inevitável trocadilho meu velho amigo: eu perco o fio da meada, mas não posso perder a piada.

Tudo começou por causa de uma bela mulher. Que bela o quê?! Linda! Gostosona, altona, curvas generosas e perigosas. Manuel estava ficando doido... Agora estabelecido na pequena cidade de Princesinha do Norte, todo dia ele a via passar na porta de seu modesto comércio de tecidos e aviamentos. A beldade sorria em sua direção, às vezes aparentava indecisão, voltava, demorava-se na frente da loja até que finalmente ia embora. Era difícil de acreditar, mas depois de um tempo Manuel teve certeza que aquele mulherão estava mesmo paquerando com ele, aliás, flertando como diriam os antigos, ou dando mole como diriam os mais jovens.

Com o passar dos dias começou a apresentar sinais de estar ficando apaixonadão de verdade: arrumava-se com mais esmero, andava até perdendo o sono por conta da expectativa. No dia em que a mulher demorava a aparecer, era um cú de boi. Brigava com os funcionários da loja, atendia os clientes com displicência e má vontade. A tempestade só passava quando ela surgia, linda, leve e solta. Manuel suspirava...

Quase deu vexame quando um dia deu de cara com a mulher dentro de sua loja, era bem cedinho e lá estava ela olhando uns tecidos. Teve que se amarrar de corda pra não se intrometer, afinal, sua amada já era atendida por um empregado e ele não queria fomentar mexericos. A mulher rodou, rodou, perguntou preço de um monte de coisas até que tiveram que consultar o patrão.

- Pode deixar que eu atendo a senhorita... – Era a primeira vez que se acercava de seu luminoso objeto do desejo, contrariado ficou quando notou a grossa aliança de ouro que a mulher ostentava na mão esquerda.

- É senhora... – Sua voz era tão doce e inebriante quanto sensual e insinuante. Era como se dissesse que o fato de ser casada não significasse muita coisa, que a fruta estava em oferta da mesma maneira, só faltava aparecer um macho de verdade que ousasse "trepar" na árvore.

- A senhora né daqui não, é? Cidade pequena... A gente conhece todo mundo.

- Eu e meu marido nos mudamos pra cá faz só uns dois meses. Ele veio pra dar aulas na faculdade nova...

- Sei, sei... – A misteriosa mulher foi embora sem comprar nada, apenas deixou generosos sorrisos que prometiam céus e infernos praquele modesto comerciante.

Daí pra frente os encontros aconteceram mais amiúde, Manuel cada vez mais louco. Apesar de estar francamente o seduzindo a mulher era escorregadia e etérea, ficavam num jogo de gato e rato que não chegava a lugar nenhum. Logo o homem tornou-se temerário, começou a cantar o seu amor abertamente, enquanto ela respondia com sorrisos enigmáticos e incertos, depois escapulia sem dar explicações.

Um dia estava distraído na fila do banco quando uma voz soou grave em seus ouvidos.

- E ahê, tudo bem? – A saudação era simpática e familiar, mas Manuel ficou fazendo aquela cara de quem sabe que é, mas não lembra o quê. Daí o cara emendou com intimidade. - A gente precisa conversar...

- Conversar o quê, eu te conheço amigo? – O cara era bem apessoado, estava todo arrumado - o que não era comum naquela hora do dia - tinha jeito de gente de cidade grande. Pegou Manuel pelo braço e falou com seriedade:

- Eu tô sabendo que você anda querendo comer a minha mulher. – E o susto? Manuel se enrolou todo fazendo o que todo mundo faria: negou com veemência.

- Não, não, quê que é isso amigo? O senhor deve estar me confundindo com outra pessoa. Eu sou um homem sério e nem o conheço, muito menos sei lá quem é essa sua mulher aí que você está falando! – O cara apertou seu braço e mandou Manuel se acalmar, quando o viu quietar o facho prosseguiu:

- Tudo bem rapaz, calma! Tá tudo bem... – O comerciante estava lívido, começou a se abanar, de repente a chapa tinha esquentado. – Eu deixo você comer ela. – Sem conter a surpresa elevou outra vez a voz.

- Cuméquié!?!

- Fala baixo homem, ôrra meu, mas que diabo! – Recuperando-se da surpresa olhou à sua volta e, sentindo-se mais seguro, retomou interessado, ainda que desconfiado na mesma proporção:

- Deixa como assim?

- Deixo sim ué, mas só que tem o seguinte: – Se encostando sussurrou em seu ouvido. - Pra chegar lá, antes você vai ter que passar por aqui.

- Cuméquié?!?

No fim de semana, na roda de amigos que, por sinal, já vinham acompanhando à distância a novela, Manuel finalmente resolveu contar todo o drama que foi pra finalmente poder consumar o ato com aquela linda mulher há tanto tempo desejada. Quando chegou na parte do ultimato do marido dentro do banco ficaram todos pasmos do mesmo jeito que o rapaz já tinha ficado.

- Tá doido homem! E aí, tu enfiou a porrada nele? O que foi que você fez?

- Cumi ué.

- Como assim? Deixa eu entender: você tá me dizendo que foi pra cama com os dois e que comeu os dois? Marido e mulher?

- Cumi. – Falou encabulado.

As gargalhadas explodiram na mesa do bar, ainda mais por conta da evidente satisfação que Manuel ostentava. Era como um garoto traquinas que tinha conseguido ver a calcinha da Madre Superiora Diretora do Colégio. Entrementes, seu enigmático sorriso dava muito mais o que se pensar.

- Tá bom amigo, pela sua cara dá pra ver que o negócio foi bom mesmo hein? Agora, fala sério, cá entre nós: com qual dos dois você gostou mais de transar?

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

UM AMOR DE PRACINHA - Carta Aberta ao Grilo Falante Nº1

Texto originalmente publicado no Blog “A Vingança de Prometeu” em 20/02/2005

Caro amigo Grilo Falante, essa é uma estória dos tempos em que Manuel Walldaiss era ainda um jovem pracinha e gostava de tocar violão cantando estridentes boleros que embalaram os sonhos dourados da sua geração. Seu point preferido era a zona de boemia e prostituição do Rio de Janeiro, o problema era a falta de dinheiro para bancar as aventuras, mas dava pra tomar uma cerveja com os amigos e, de vez em quando, até arrastar uma morena pro beco escuro.

Nos dias de folga da dura rotina militar, os pracinhas saíam em disparada, ávidos por respirar os ares de liberdade do lado de fora do quartel. Muito bem arrumados, fardados e de banho tomado; exalavam vigor e juventude. E não é que se podia notar à espreita alguns senhores amaneirados rondando a Praça da Liberdade, discretamente assediando os meninos e propondo todo tipo de sacanagem a troco de grana?

Menino criado no interior, Manuel ficou indignado com aquelas abordagens indecentes, reagiu, como muitos, desdenhando, fazendo piadas de mau gosto, posteriormente chegou a bater boca com colegas de visão menos “ortodoxa”. Porém, com o passar do tempo, viu que os praças saíam ilesos da aventura e ainda faturavam uma graninha pra curtir na zona, concluiu que besta era ele de não aproveitar a oportunidade.

Passado um tempo se tornou um especialista no assunto, divertido contava que desenvolvera um estilo próprio de fazer “a coisa”. Muito orgulhoso de sua criatividade contava, por exemplo, que depois de gozar costumava dar um violento cutucão na altura dos rins de seus parceiros. Com o susto e a dor os caras retraíam as partes baixas e a “arma” do soldado saía, lá mesmo de onde vocês estão pensando, limpinha e reluzente.

Um belo dia, um senhor distinto e circunspeto o abordou sem muitas reservas e, depois de uma rasteira negociação, combinaram como pagamento uma certa quantia, cinqüenta contos vamos dizer, e lá se foram ao apartamento do coroa a fim de “quitar logo a fatura”. Diferente de outras vezes, o negócio acabou sendo um pouco mais animado e demorado, de maneira que o jovem guerreiro acabou dormindo a noite toda na casa do cliente.

Nem bem o sol raiou e o rapaz já se paramentara todo, envergando outra vez a distinta e gloriosa farda verde oliva. Tomaram café juntos até que, já na porta da rua, foram acertar as contas e o cara jogou em sua mão uma quantidade de dinheiro menor do que fora combinado. Timidamente, o rapaz ensaiou um protesto encabulado olhando para aquelas notas gastas na própria mão, parecia um menino que os pais tinham prometido uma bicicleta e ganhara um estilingue:

- Poxa doutor... Mas só vinte mangos? - O cliente retribuiu seu, não muito convincente, protesto com uma boa olhada desdenhosa e retrucou carinhosamente, lânguido poderia se dizer.

- Qual é Manuelito, querido... Você sabe muito bem que fez por amor...

CARTAS ABERTAS AO GRILO FALANTE

Amigos,

É com o coração lavado e enxaguado de emoção que lhes ofereço, de mão beijada, a republicação da série de quatro "Cartas Abertas Ao Grilo Falante". São textos que escrevi e publiquei no blog "A Vingança de Prometeu" numa época em que eu tinha preguiça de fundar o meu. Fiz uma revisão e atualização das histórias e quero logo explicar que as mesmas - apesar de convincentes - são verdadeiramente fictícias, qualquer semelhança com a realidade será uma megera coincidência.

A primeira carta (Um Amor de Pracinha) é baseada numa conversa ouvida por acaso, há uns cinco anos, entre um senhorzinho bem idoso e um homossexual assumido. Acreditem ou não o protagonista da história - um respeitabilíssimo patriarca com bisnetos e o caralho - relembrava orgulhoso suas aventuras sexuais e acabou gerando essa pérola de nossa moderna sexualidade. Espero que vocês gostem...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

ALWAYS LOOK ON THE BRIGHT SIDE OF LIFE

Li em algum lugar que as pessoas precisam ver de perto acidentes de carro para terem certeza de que não são elas que estão mortas. Passei por um no domingo passado, em Laranjeiras, bem em frente ao terminal. Tinha uma ambulância tombada, outros carros batidos e muita, mas muita gente. Quando consegui atravessar a muvuca, vi um cara fechando seu carro apressadamente, trazendo o filhinho bem criança pela mão, como se fossem ao Grande Circo de Beto Carreiro, montado ali na Rodovia Norte Sul. Mas não, e aquele homem exibia no rosto uma indefectível expressão de curiosidade, excitação e contentamento....

Recentemente passou na Record o filme A Paixão de Cristo - segundo Mel Gibson, com uma versão dos fatos que causou polêmica, em minha opinião, pelas razões erradas - Por falar nisso, quem sou eu pra dizer o que é certo? - Para mim o cara estava simplesmente querendo mostrar que - enquanto prega-se a paz e o amor – as pessoas realmente se divertem horrores com a violência gratuita e que o sofrimento alheio é uma forma de prazer, sobretudo de auto-afirmação. E o gringo escolheu um fato histórico bem emblemático para fundamentar sua tese, ele sabe bem do que está falando, afinal, virou ídolo mundial fazendo filmes de ação.

Depois veio a chuva, abundante e torrencial, por que diabos tenho sempre que estar no meio da rua quando desaba um temporal medonho destes? O pior é que tinha ainda que passar pelo trecho entre o Posto Monza e o Edifício Castelamares e meu carro não é anfíbio. Mas parece que, para nossa sorte, a maré não estava cheia naquele momento, então chegamos em casa sãos e salvos. Fiquei em dúvida se abria uma cerveja, ou encomendava uma missa. Ou será que era uma pizza? Pra chegar, o entregador teria que usar escafandro e submarino, a idéia era perversa e me animava... Então não fomos ao cinema.

Espetei no DVD o famigerado documentário “Triunfo da Vontade” de Leni Rifensthal sobre um congresso do Partido Nacional Socialista. Todo mundo sabe como essa história acabou, mas parece que a humanidade continua esperando a vinda de um outro líder como Adolf Hitler. Vemos isso quando um novo político, como Barack Obama, se elege com promessas de dar jeito no mundo, ele realmente acredita que pode, porque não tem a real idéia do que vai administrar, mas consegue convencer todos que vai tirar algum coelho da cartola. Passados uns anos a realidade cai na cabeça de todos e acontece como Bush, que sai da Casa Branca no clima de “já vai tarde”.

Uma senhora me disse outro dia que as pessoas tendem a só ver e dar valor ao lado negativo das coisas, mas que muita coisa boa tem sido feita e que se nossa sociedade fosse tão caótica quanto dizem a situação já teria se tornado insustentável. Gosto disso sabe? Concordo com isso. No filme Ratatouille tem uma pala assim: a crítica negativa é muito mais divertida de se escrever e de se ler. Tanto é que quando elogiamos alguma coisa logo pensam ou que estamos puxando o saco ou que existe algum outro interesse envolvido. E isso é uma espécie de perversão, porque causa injustiças e atrasa a verdade e esta deveria chegar mais cedo.

Houve uma época de minha vida em que passei doze anos sem comer nenhum tipo de carne, nem usar álcool, nada. A primeira coisa que me perguntavam, entre risos maliciosos, é se eu ainda praticava aqueles antiquados rituais de acasalamento, tão caros à reprodutiva raça humana. Pergunta que só deixava de ser imbecil e despropositada quando feita por alguma garota com quem eu estava negociando a coisa... Se é que vocês me entendem. Mas quando eu estava de bom humor e a fim de ser diplomático, o que não é raro, costumava explicar que parar de comer carne e tomar bebidas alcoólicas não era nada de extraordinário na vida de uma pessoa: difícil mesmo era deixar de criticar tudo e, especialmente, a todos...