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quinta-feira, 30 de abril de 2009

Contos de Terror da Letra Elektrônica - Parte I: A Casa Mal Assombrada


A maior parte das pessoas diz que tem mais medo dos vivos do que dos mortos, vou contar então a curiosa história de um perfeito incrédulo que um dia deu de cara com o além. O estranhamento já começou quando Edgard encontrou um poema muito triste grudado na porta de uma antiga geladeira. Muito tempo depois, ao relembrar a história, lamentou não ter simplesmente arrancado aqueles misteriosos versos e os enfiado no bolso. Não lembrava mais as palavras quando saiu da casa, momentos depois já não conseguia repetir o que lera, nem dizer realmente o que o deixara tão incomodado.


Encontrou o que sentiu ser a essência do desespero e da desesperança emanando daquele poema, era uma coisa de arrepiar, como ler a carta de suicídio de alguém que se conheceu. O poema justificava razões por desistir de lutar, não como se pedisse desculpas para o resto do mundo, mas como se quisesse convencer que aquilo era o certo a se fazer: por um fim à vida. Se aquelas palavras fossem encontradas ao lado do corpo frio de uma pessoa morta seria perfeitamente compreensível, mas estavam grudadas na porta da geladeira! Alguém lera aquilo por dias, semanas, como se buscasse coragem para dar o passo final.


Edgard afastou os olhos daquele texto macabro, não sabia de nada daquilo, não sabia nada de nada, era só uma má impressão, uma sensação ruim. Embora parecesse ter mais alguém ali, sabia que estava sozinho naquele casarão. Bom, mas e se tivesse mais alguém? Agora já não tinha mais certeza. Voltou ao vestíbulo onde havia uma escada que levava ao segundo andar e falou bem alto:


- Tem alguém aí? - Nesse mesmo instante viu no terceiro degrau de mármore branco da escada uma estátua de gesso do tamanho de um punho. Era uma caveira em cima de alguns livros. Um arrepio percorreu seu corpo. De lá de cima teve o silêncio sepulcral como resposta. Sepulcral. Aquele lugar parecia um cemitério. A caveira o olhava desafiadoramente, parecia ter sido colocada ali como um aviso, uma ameaça. Não suba essas escadas...


No final daquela manhã estava em seu escritório quando chegou da rua uma corretora novata trazendo aquele imóvel para alugar, um casarão de dois andares, um sobrado como costumava se dizer antigamente. Edgard tinha costume de visitar todos as novas “mercadorias” antes de começar a oferecê-las, achava um absurdo quem falava de uma casa ou um apartamento que nem sequer conhecia. Estava chegando a hora do almoço e, como morava perto, levou a chave da casa para dar uma olhada. Quando saía seu sócio o interrompeu:


- Ô Edinho, você vai visitar essa casa nova que entrou para aluguel?


- Vou sim, tô já de saída.


- Pera lá bicho, leva a placa da imobiliária pra colocar logo. Fica naquela avenida perto de sua casa não é?


- Fica.


- Ali é perfeito pra aluguel comercial, esse imóvel não vai ficar encalhado aqui nem uma semana.


- É bom que a gente economiza em anúncio...


Do lado de fora da casa o sol era de rachar, pleno meio dia de um verão daqueles. A casa estava toda fechada, as janelas cobertas com grossas cortinas, estranhamente Edgard não sentia calor, lá dentro parecia que era meia noite. A caveira continuava o fitando ameaçadoramente, resolveu dar um tempo e vistoriar o resto do andar de baixo antes de enfrentar o capeta e descobrir o que mais o esperava no pavimento superior.


A sala de estar estava ainda toda mobiliada, a impressão que se tinha é que o dono daquele imóvel chegaria a qualquer momento. O estilo da decoração era antigo e pesado, sofás de tecido grosso, tapetes felpudos orientais imitando o pelo de burro quando foge, mesinha de centro com alguns objetos de decoração, cinzeiros e até um porta-retratos com pessoas nos anos setenta. Também havia revistas, catálogos e discos de vinil empilhados pelos cantos. Edgard pegou uma caixa parda e abriu, era uma coleção da Readers Digest com os maiores clássicos de todos os tempos...


Novamente sentiu-se incomodado por uma presença invisível, esquadrinhou a sala com os ouvidos em pé: não viu nem ouviu nada de anormal, apenas o silêncio da casa mesclado ao barulho do trânsito lá fora. Colocou a caixa de volta em seu lugar quase se desculpando por estar mexendo em coisas que não lhe pertenciam sem pedir a devida autorização. Aquele lugar estava começando a lhe dar nos nervos, o desespero impresso nas palavras daquele poema pregado na porta da geladeira o perseguiam e o atormentavam. De repente resolveu que precisava sair dali.


Precipitou-se para fora da casa batendo a pesada porta de madeira maciça, era como se quisesse impedir que alguma coisa daquela sucursal do inferno ganhasse a liberdade. Caminhou até o muro para perto da rua, como se quisesse retornar ao contato dos vivos, as pessoas que passavam caminhando distraídas pela calçada. Do lado de fora o aspecto de desleixo geral do imóvel se fazia ainda mais patente, a grama estava alta, o mato crescia em vários cantos, animais de rua e mendigos pareciam ter transitado livremente por ali.


Antes de ir-se de vez ainda olhou novamente para dentro da casa, parecia querer se certificar de que não havia nenhum rosto o espreitando do canto das janelas cobertas por pesadas cortinas. Foi aí que se deu conta: em seu devaneio sobrenatural tinha esquecido completamente de colocar o anúncio da imobiliária! Foi praguejando até o carro buscar a placa e mais uns apetrechos usados para a afixar: alicate, arames, barbante, etc. Caminhou com dificuldade pelo mato, maldizendo a própria burrice, enchendo a barra da calça com os detestáveis picões. O sol estava agora derretendo o asfalto, o suor escorria pelo rosto do corretor, vestido com aquela tradicional roupinha comercial, de gravata e tudo o mais.


A fachada dianteira da casa tinha apenas uma única e grande janela, aquela que dava para a sufocante sala de estar, protegida por uma sonora grade de ferro chumbada na parede externa e era ali mesmo que Edgard pretendia afixar a sua placa. Ficou muito aborrecido quando viu que não ia dar. Ali pelo lado de fora suas mãos apenas alcançavam a parte de baixo da grade e era preciso fixar a placa o mais alto possível para que as pessoas pudessem a ver da distância. Foi muito contrariado que o rapaz chegou a conclusão que, para concluir sua missão, a única maneira era entrar naquela casa mal assombrada mais uma vez...


Pior que continua...

terça-feira, 28 de abril de 2009

50 ANOS DA ALIANÇA FRANCESA EM VITÓRIA


- Você gosta de Música? Todo mundo diz que gosta.


Essa frase é dita por David Byrne no seu mais ambicioso projeto o filme denominado True Stories, ou estórias reais, verdadeiras. Hoje, com a nova mudança ortográfica essa denominação “estória” foi pro saco e ficamos apenas com a “história”, mesmo quando para definir fatos que muitas vezes não são tão verdadeiros assim. Alguém pode por aí argumentar que no passado muito já se fez para que algumas estórias escabrosas entrassem para a história oficial, mas não podemos brigar com o mundo inteiro e querer arbitrar essa nossa língua complicada, correndo o risco de aumentar a bagunça.


Para quem não viveu os loucos anos oitenta e não tem obrigação de saber, David Byrne foi o líder messiânico de uma ótima banda chamada Talking Heads. O grupo surgiu no final dos anos setenta e em meados da década seguinte estava no auge, especialmente com a realização desse ótimo filme (lançado em 1986) em que vemos a cultura americana, especialmente a jeca, interiorana, em sua plenitude otária e consumista. Recortes de jornais sobre casos curiosos foram colecionados por Byrne durante anos dentro de uma caixa de sapatos para montar um arremedo de roteiro, mas o fio condutor é sempre a música da banda que deixou sua marca prensada em vinil no final do século passado.


Por isso a pergunta: “você gosta de música?” Tem muita ironia estofada nessa afirmação. Talvez porque, apesar de muita gente dizer que gosta de música, poucos são os que fazem alguma coisa por ela e, especialmente, por seus representantes. Ou talvez Byrne quisesse dizer apenas: que diferença faz se você gosta de música... Sabe o que Shakespeare disse sobre esse assunto? “O homem que não possui a música em si mesmo, aquele a quem não emociona a suave harmonia dos sons, está pronto para a traição, o roubo e a perfídia. Desconfia de tal homem. Escuta a música”.


Mas antes que esse texto fique grande demais, falando em língua e música, tô escrevendo para enviar aquele convite bacana para vocês meus chegados. Amanhã e depois acontece o tradicional concerto sinfônico da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo no Theatro Carlos Gomes. Esse concerto marca os cinqüenta anos da Aliança Francesa de Vitória e o início do ano do França no Brasil, coisa que eu nem estava sabendo, mas ontem encontrei com meu amigo Marcos Godinho que me deu algumas infos desse importante acontecimento. Eu estudei francês na Aliança, quando era lá nas grimpas da Rua Sete, no centro, mas confesso que não imaginava que sua história aqui já contava meio século.


O repertório deste concerto é indispensável para quem realmente gosta de música e tá ligado na subliminariedade desse texto. Na abertura tem de cara a obra “Pavane Por Une Infante Defunte” de Ravel, originalmente composta para o piano, mas cuja orquestração alcançou enorme sucesso, rolando até em novela da Globo. É impressionismo francês na veia. Na seqüência Carlos Cruz vai estrear a sua obra “Lendas Capixabas”, numa primeira audição mundial. Ocasião para se contar pros netos. Depois vem o belíssimo “Concerto de Aranjuez” - do espanhol Rodrigo - para violão e orquestra com nada menos que Paulo Pedrassoli como solista. Não bastasse isso tudo, ainda encerra o programa a obra “Quadros de Uma Exposição” - do russo Mussorgsky - que ficou mais conhecida arranjada para orquestra por Ravel.


Em seu conjunto esse é o repertório mais instigante que já vi a orquestra anunciar, ainda bem que haverá duas apresentações, porque as últimas não têm dado nem pra saída e frustrado muita gente. Esse negócio de ir lá no centro da cidade, num lugar impossível de se estacionar, duas da tarde pra pegar ingresso é de deixar qualquer um doido. Vamos torcer para que a Secretaria de Estado da Cultura consiga realmente concluir seus projetos ainda nessa administração como é o do Cais das Artes, porque do jeito que está não dá mesmo.


RESUMÃO ELEKTRÔNICO:

O Maestro Helder Trefzger mandou essa retificação, que, sem dúvida faz diferença: Na quarta-feira, dia 29, o concerto é comemorativo e a entrada é franca: basta retirar o convite na Aliança Francesa (qualquer pessoa pode passar lá e retirar um ingresso). O endereço é: Rua Alaôr Queiroz Araújo, 200 - Enseada do Suá -Vitória - 27 3345-1498.
Já na quinta-feira os ingressos custam R$10,00 (inteira) e R$5,00 (meia) - as vendas para o dia 30/04 estão sendo feitas desde o dia 23/04, a partir das 14h, na bilheteria do Teatro Carlos Gomes (informações pelo número do Teatro: 3132-8396).


Regente: Manfredo Schmiedt

Solista Paulo Pedrassoli

Dias: 29 e 30 de abril

Horário: 20 Horas

Local: Theatro Carlos Gomes

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Escreveu Não Leu, Antes Ele do Que Eu...

Ontem – 23 de abril - foi a data escolhida pela UNESCO, para as comemorações do dia internacional do livro e dos direitos do autor. Como Mestre de Cerimônias e Bibliotecário, participei do Primeiro Fórum em Defesa das Bibliotecas Escolares, realizado pelo Conselho Regional de Biblioteconomia do Espírito Santo, onde foi lançado um manifesto relativo ao assunto do fórum e discutiu-se, entre outras coisas, a necessidade do incentivo à leitura.


Eu gosto de escrever. Na verdade a afirmação mais correta seria: eu sofro de uma certa necessidade de escrever, mas confesso que nunca gostei do termo “válvula de escape” pra definir essa minha onda escrivinhatória. “Válvula de escape” dá idéia de coisa que a gente tem que colocar pra fora pra se aliviar... Isso mesmo que vocês estão pensando aí com suas mentes poluídas como a Praia de Camburi. E escrever é para mim o contrário: é como desenhar mapas de terras desconhecidas dentro da minha cabeça, dentro desse meu pequeno mundo.


Naturalmente, ler é uma coisa que também faço com frequencia e tenho até dificuldade em entender esse bloqueio que algumas pessoas têm para se abstrair através da leitura. Sempre que vou ao dentista, ao banco, ou algum lugar que existe a possibilidade de ficar tomando “chá de cadeira”, carrego comigo dois ou três livros que leio ao mesmo tempo como muitos tem o costume de fazer.


Minha necessidade de escrever vem da tentativa de entender coisas, racionalizar, como diriam os mais técnicos. É impossível dizer o quanto escrever, por exemplo, o Livro do Pó me ajudou a entender meu rito de passagem para a idade adulta, colocar meus erros e acontecimentos do passado em uma balança e medir seu peso real e o que os ecos desses fatos ainda ribombam de importante no presente. Escrever é um exercício de auto conhecimento e é sempre uma surpresa agradável descobrir que muitas pessoas convivem com problemas e encucações semelhantes.


O fórum me fez pensar em maneiras (estratégias?) de tentar despertar as pessoas para a importância da leitura e, sei lá por que, lembrei de uma expressão muito usada antigamente que era: escreveu, não leu, o pau comeu! Minha mãe nos falava muito isso em tom de ameaça, sem que a gente entendesse direito o que ela queria dizer, mas quem gosta de música sabe que o tom é o mais importante. Acabei associando a frase com os deveres de casa feitos de maneira desleixada, cheios de erros, e o desprazer de entrar na chinelada. Resolvi fuçar a Net atrás de explicações para esse dito popular:


“Cleópatra não queria mais saber de Marco Antônio que, apaixonado, escrevia cartas que ela não lia. Um dia o romano se encheu foi até seu palácio e deu um pau nela (no sentido de surra e sexual). Dizem que a imperatriz egípcia gostou tanto do expediente que nunca mais leu nada que seu amante escrevia, só para ele ter que ir sentar o pau nela oura vez!”


Simpatizei com essa explicação sabe? É uma forma interessante de apimentar a relação, mas certamente não incentiva a leitura, pelo contrário! O blog Entrevero surgiu com uma versão bem menos picante (nos dois sentidos), segundo o autor, saída de um livro antigo chamado Pelos Píncaros de Santa Rosa: Eita!


“Há muitos anos atrás (ops!) a única padaria da cidade era a do Léo (isso remonta o ano de 38). Como o movimento era grande, a freguesia tinha que deixar o pão reservado. Por isso a expressão certa é: Escreveu no Léo, pão comeu.”


Muito caretinha essa explicação, né não? E inverossímil também, não ajuda a divulgar a leitura, a não ser que a padaria do Léo distribuísse livros para as pessoas da fila. Falando nisso, gostaria de saber como foi o resultado daquele projeto de livros nos pontos de ônibus do Transcol. Não sei como as coisas funcionam nessas bibliotecas dentro dos terminais, mas a caixinha com livros que ficava no ponto aqui em frente de casa não durou uma semana. Ora, os vândalos também merecem ter acesso à informação, nem que seja para destruí-la. Mas não acho que esse tipo de iniciativa seja em vão: uma hora dessas os porcos podem muito bem descobrir o valor e o que fazer com as pérolas...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

EU TAMBÉM VOU RECLAMAR

Recebo de meu amigo Railton o repasse de uma mensagem indignada, lotada de afirmações lugar e senso comum, me lembrou aquela carta anônima que andou circulando pela net tempos atrás. Apesar de não ser de sua autoria, o texto guarda algumas semelhanças com o estilo esporrento e histriônico de ser desse amigo meu, um antigo virtuoso do bongô, fundador de diversas bandas baianas de Heavy Black Death Trash Metal... Seguem algumas pérolas do email com os respectivos comentários:

“O Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo enquanto um terço da população passa necessidades alimentares e também possui a maior riqueza natural do planeta”.


Gostei desse eufemismo “necessidades alimentares” para falar da FOME! Mas fico aqui pensando: será que isso tudo é fato mesmo? Todo mundo paga pau pra Amazônia - que, aliás, é lá fora considerada patrimônio da humanidade – sem nunca ter passado nem perto de lá. Só pra comparar, a Rússia tem a maior reserva natural de gás do mundo e as maiores reservas de petróleo estão no oriente médio. Ou seja: estamos na pior porque as riquezas naturais deles têm mais valor e nossa floresta – cercada de misteriosos incêndios e queimadas sustentáveis - parece um elefante verde sambando na mão dos gringos e dos silvícolas, que finalmente arrumaram um jeito de dar o troco nessa pátria europonga madrasta que sempre enganou e exterminou sua gente.


“O Brasil tem a maior dívida externa dos países pobres e os Brasileiros são os maiores investidores em cadernetas de poupança... na Suíça.”


A primeira parte dessa afirmação senso comum é antiga como a briga na Palestina e muito pouco questionada. Segundo dados colhidos ao acaso, em 2008 o país mais endividado do mundo foi o Zimbabue, parece que o Brasil estaria bem ranqueado, no mau sentido, entre os emergentes. É preciso então lembrar que apesar da esbórnia pública patropi tem muita coisa pior pelo mundo. Também é bom destacar que os atuais administradores, Lula inclusive, foram eleitos pelo povo e que outros serão escolhidos no ano que vem. Será que toda essa indignação nos trará eleitores mais sábios, ou, mais difícil ainda, uma máquina governamental diferente da que temos?


“Os serviços públicos são uma merda. Os servidores já se aposentaram e não sabem. As empresas públicas estão falidas de tanto desviarem dinheiro. Um país que segue esse modelo capitalista onde a venda da mão-de-obra é a única força de sobrevivência...”


Curioso esse negócio de reclamar indignado sem propor nenhuma solução. É como aquela frase do filme Melhor Impossível: “Cara eu estou me afogando e você está me descrevendo a água”. Meu cunhado Eduardo certa vez cometeu alguma infração no trânsito e logo em seguida foi parado pela polícia. Ninguém gosta de ser multado, e o pior é que o guarda enquanto preenchia a multa ainda ficou pagando a maior geral. Lá pelas tantas rolou o aparte:


- Peralá seu guarda! O senhor já não está me multando, então pra quê o esporro? Escolhe aí uma coisa ou outra, os dois juntos não...


Então: já não vivemos no Brasil? Para de reclamar e vai fazer alguma coisa meu filho! Não está satisfeito entra num buzão e vai pra Argentina. Senão vamos fazer mais o quê? Sentar no chão e chorar que nem criança? Tacar fogo nessa bodega e recomeçar do zero? Montar um exército revolucionário anticorrupção, marchar para Brasília e tomar o poder como Fidel fez em Cuba? Certamente vai ter muito candidato a Che se embrenhando pelas florestas com um exército de jovens sarados dispostos a tudo... Ui!


Com relação a esse negócio de mão de obra do serviço público ser ruim, quero aproveitar para também fazer uma queixazinha (com sotaque baiano), porque eu também sou "apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso" e acho que o atendimento do setor privado não fica muito atrás. As empresas de telefonia atendem mal, os bancos privados te fazem esperar em filas quilométricas, os funcionários do comércio – pelo menos na Grande Vitória – são, de maneira geral, mal orientados e quase nada entendem do que vendem. O mais incrível é que, apesar gritaria por conta da crise, não vejo nenhum deles quebrando (!)


“Um país governado por corruptos, traficantes, safados, picaretas, fs-das-pts!!! E o povo brasileiro não faz nada, se contenta com novelas e big brothers, caras e contigos, futebol e carnaval.”


É também muito antiga essa coisa do Panem Et Circencis, a alegria do povão, ser visto simplesmente como uma forma de alienação e de dominação das massas. Certamente se nos reuníssemos com mais freqüência para debater problemas comuns e buscar soluções, o mundo seria um lugar diferente, mas vivemos tempos cada vez mais individualistas e as pessoas que querem falar sério são vistas com muita desconfiança. Quer saber o que mais? Railtu meu filho pega lá o seu bongô que eu vou mandar um “Éromedo” (Iron Maiden) aqui... Depois de tanta desgraça na vida só faltava agora ficar sem futebol, carnaval e Big Brother! Ignorance is bliss...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

CRÔNICAS DOS BUSCADORES DA VERDADE

“Pogossian e eu chegamos à conclusão bem firme, de que havia realmente alguma coisa da qual os homens antigamente tinham tido conhecimento, mas que esse conhecimento estava, hoje em dia, completamente esquecido e dedicávamos toda a atenção à literatura antiga”.


Trecho de Encontros com Homens Notáveis de G. I. Gurdjieff


Teve uma época em que viajei um bocado com um grupo do qual fiz parte por mais de uma década, só que dessa vez não era uma sonora banda de rock, ao contrário: o objetivo era silenciosamente espiritual e hoje - quando muita coisa esfarela na distância - me parece ingênuo, romântico e pretensioso. Que audácia e que delícia crer ser realmente possível descobrir as verdades fundamentais perdidas pelas veredas do mundo. As decepções nos trazem maturidade, mas também essa impossibilidade prática e a preguiça cética de correr atrás de tudo quanto é bola perdida.


Ontem no Fantástico falavam de uma “nova” descoberta científica pela qual seria possível apagar algumas lembranças das pessoas. Pensei: mas que coisa mais idiota, lavagem cerebral não existe há tanto tempo? Esquecer é fácil. Quero ver o dia em que vão fazer a gente conseguir lembrar! Lembrar que precisamos correr atrás de tudo o que é imprescindível e deixar de lado as bobagens inúteis que nos consomem. Lembrar nas próximas eleições o que os candidatos já aprontaram de ruim no passado. Lembrar pelo menos o nome de três pessoas que me ajudaram a crescer de um ano para outro e ir lá agradecer por isso...


Fantasio às vezes uma voltinha pelo meu passado distante, como naquele filme “Em Algum Lugar do Passado”, acordar em um dia qualquer de 1988, por exemplo. O que será que eu estaria fazendo naquela época dos meus vinte e poucos anos? Lembro de muita coisa, claro, mas tão vagamente como alguns sonhos. Queria ter todos aqueles detalhes perdidos de volta! Queria poder sentar à mesa de jantar com meus pais e ter com eles uma conversa de adulto, especialmente com minha mãe que morreu pouco mais velha do que sou hoje. O que será que ela diria do homem em que me tornei? Ou melhor: o que o homem que me tornei diria de tão imprescindível assim para ela?


Viagens noturnas de ônibus que duram de oito a quinze horas não são tão agradáveis e relaxantes assim. Alguns tomam remedinho e antialérgicos pra conseguir dormir, outros tomam uma birita mesmo, eu comprava palavras-cruzadas e um gibi qualquer pra ler até o sono chegar. Vamos combinar que um ônibus sacolejante não é o melhor lugar do mundo para se ler a Divina Comédia de Dante, mesmo porque, os entediados ficam puxando conversa com os que não estão fingindo estar dormindo. Um destes me viu lendo o número 28 da revista Wolverine e veio bater papo:


- Eu gostava muito de ler isso quando era criança. – Sua abordagem soou arrogante, dava a entender que eu não tinha idade para estar lendo uma revista em quadrinhos. Era uma pessoa messiânica, entrara para o grupo, vindo de uma igreja evangélica e cultivava um ar soberano que tanto podia ser de síndico de prédio, quanto de presidente das Nações Unidas. O mundo está cheio de Reis depostos à procura de um trono, apesar de fazerem bom uso destes diariamente, pelo menos os de intestino mais regular. Estava adorando aquela saga do Wolverine, mas desviei os olhos das páginas coloridas pra ver se entendia o prazer daquele senhorzinho careca me interromper com a intenção imbecil de tentar me fazer sentir ridículo. Simplesmente perguntei para ele:


- Se gostava de ler, parou por causa de quê?


Sua resposta não importa, o que ele queria era conversar, mesmo sendo indelicado e pedante, afinal, tanta gente é assim. É preciso ter paciência e diplomacia para viver sem mandar o resto do mundo tomar naquele lugar. O que me incomoda agora é a lembrança daquela noite. Queria esquecer aquela revista - hoje guardada em um baú - e ter o prazer de a ler novamente sem saber o final. Talvez para isso essa descoberta da ciência fosse legal. Poderíamos ver um mesmo filme que gostamos umas dez vezes, era só esquecer e ver outra vez. Ou então beijarmos a mulher que amamos pela primeira vez um montão de vezes. Um dos maiores prazeres do mundo é a surpresa, a mãe de todas as artes.


Mas o perigo é que nós mudamos com o tempo e nossas memórias mudam também, como naquele ditado: um homem nunca toma banho no mesmo rio duas vezes. Nem nós, nem nossas lembranças somos os mesmos e apaga-las talvez não queira dizer nada, apenas que estamos indo embora, nos perdendo na espiral do esquecimento. A questão ainda é: para onde? Para onde vamos e o que vamos encontrar lá? Eu não esqueci, apenas parei de correr atrás da resposta. Quem sabe um dia destes a verdade fundamental da vida não vem rolando até a porta da minha casa, que eu posso muito bem ter esquecido de trancar, e entra!

terça-feira, 7 de abril de 2009

BOA NOITE SEU JUCA

Lembro direitinho da primeira que vez que alguém me chamou de “rapaz”. Eu devia ter treze pra quatorze anos e era um moleque espichado, estava comprando um refrigerante numa lanchonete qualquer no centro de Vitória, daí a mulher que me atendeu virou-se para um menino que trabalhava com ela e falou:

- Pega lá o refrigerante pro rapaz. – Me deu um orgulho danado por dentro, era a primeira vez que não me tratavam sumariamente como criança. Minha mãe sabia dessa minha vontade de ser adulto logo e sempre me recitava seus poemas prediletos, especialmente um que falava em prolongar ao máximo o tempo de criança e coisa e tal, não lembro direito como era...

Agora me surpreende por dentro, em razão inversa e proporcional - ando matemático ultimamente - a quantidade de vezes que tenho sido tratado de “O Senhor”, e ainda mais do que isto: me assusta a naturalidade com que isso tem acontecido. Nunca me quis, nem me imaginei, um “senhor” respeitável, mas cara: não é que aconteceu? Entro no elevador segurando o riso - especialmente se estou acompanhado - quando o porteiro me deseja uma “boa noite Seu Juca”.

Como assim “Seu Juca”? Esse “Juca” é o meu apelido queridíssimo de infância, grudou - como diria Alzinete - “ni mim” e antes que eu entrasse na adolescência já tinha ocupado o lugar do meu sonoro nome, não poderia jamais vir precedido por esse “Seu”. É como encontrar os Trapalhões e chamar o Renato Aragão de “Seu Didi”. Esse apelido pressupõe familiaridade, conhecimento, intimidade... Mas a culpa é minha mesmo, talvez devesse ter continuado usando o Juarez que herdei de meu pai. Jucarez = Juca.

A idade mesmo não me incomoda. O que assusta é sentir esse deslocamento sutil para um outro grupo de pessoas, aquele tão distante faz, parece, tão pouco tempo. Sinto-me como se fosse de uma tribo de doidões e de repente tivesse entrado pra polícia. Não sou mais um como todos, sinto-me impuro e respeitável como uma bomba atômica, objeto de reverência e alienação de todo o resto, totem cravado no pátio da aldeia. Presença distante.

Muito desse processo social de envelhecimento incomoda as pessoas pelo viés da vaidade, o que não é certamente o meu caso. Sinto esse movimento como um fenômeno do inconsciente coletivo mais do que físico, porque não tenho idade para ser classificado como velho... Ainda não. O que me acontece é o estupor de entrar com tudo nessa fase madura da vida e me dar conta disso através dos olhos e da voz das pessoas do mundo, descobrir que me mudaram de categoria sem ao menos me consultar.

Pronto Seu Juca, agora o senhor é “sênior”, bem vindo ao maravilhoso mundo das perguntas sádicas e indiscretas: o senhor já sabe que na sua idade é preciso fazer exame da próstata não é? Tem certeza que o senhor não tem problemas de ereção e ejaculação precoce? - e falando amigavelmente de minha mulher - Essa aí é sua filha?

quinta-feira, 2 de abril de 2009

ASSOCIAÇÕES LIVRE S. A.


TEMPO DISTANTE: Um amigo me fala que está de saco cheio, que fulano fuma demais e que a fumaça incomoda... Depois vira a metralhadora pro meu lado e pergunta quais são os meus vícios.


Na época era apenas o café.


Café? Eu sou viciado em mulher!


Afirmação redundante. Mulher pra mim é religião. No jogo, se alguém pergunta é porque tá na vez de jogar.


EM QUALQUER TEMPO: Detesto carros, marcas de automóveis e assentos de couro, rodas de liga leve. Prefiro o metal pesado! Aquele gosto de palha de aço enferrujada na boca, dando choque elétrico nas obturações.


TEMPO PRESENTE: Tive que ir ao dentista.


Então doutor não tem como obturar?


Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


Você pensa que é pleonasmo? Acho que é mesmo. É como falar um “samba brasileiro” e tem tanta gente que fala. Lembrei disso porque a seleção de Maradona perdeu de seis a um e o que me deixou mais impressionado foi a felicidade do repórter da Globo - um careca que agora comenta esportes - sorrindo e fazendo piada com a desgraça dos hermanos. Que fair game o caralho!


ONTEM: o phi é um número que explica as proporcionalidades das coisas, na própria natureza e na arquitetura, por exemplo. As pirâmides, o furacão e o caramujo Nautilus. Tem muita gente - as mais chatas e insistentes - que pensam que tudo pode ser explicado com números. No alfabeto hebraico a palavra “pai” tem as letras A e B, sendo que os valores correspondentes são 1 e 2...


A música escrita pode mesmo ser explicada em números, basta contar o tempo a partir dos valores das notas e dos compassos. Mas a música tocada não... Essa tem um quê de irrealidade e improbabilidade que mais parece uma gloriosa aparição de outro mundo quando comparada à música dos sequencers e as demais bugigangas eletrônicas. E Martha Argerich toca hein? Você não sabia que ela é argentina? Pois eu não troco ela nem por duzentos e dezesseis Maradonas...


A fim de encerrar reafirmo as minhas proposições em sua ordem de importância: CAFÉ! MÚSICA!! RELIGIÃO!!!