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domingo, 28 de fevereiro de 2016

ONDE ABUNDAM REDUNDÂNCIAS

Os elevadores estão em reforma - acho que por isso - outro dia lembrei coisas que havia esquecido. Obras e paredes nuas fazem isso comigo. Não me recordo de ter sentido medo de elevador quando criança, nem mesmo de ter algum estranhamento. Muito menos lembro quando foi a primeira vez que andei em um. Quando terá sido? Em algum edifício do centro da cidade talvez, foi onde conheci os primeiros prédios. Edifício Aldebaran, por exemplo, que nome bacana.

Lembro velhos elevadores no Rio de Janeiro onde visitávamos a família de papai. Minha avó morava num prédio em Botafogo, Rua e Edifício Real Grandeza. Nós moramos sempre em casas e sobrados e no Rio tinha uns elevadores antigos daqueles com “ascensorista” e porta “pantográfica”. Disso eu lembro o estranhamento, do nome e do aviso. Hoje poderia até fazer uma ligação direta com sacanagem - porta “pornográfica”? - mas no mundo já abundam dessas redundâncias.


O Rio de Janeiro daquela época era um lugar pra lá de bacana, avenidas muito largas, engarrafamentos e zilhões de edifícios. Da janela da sala dava pra ver o Corcovado, o Cristo envolto pela noite, iluminado pela lua. Eu achava muito legal o sotaque dos cariocas a perguntar o endereço de vovó: “é perto da Voluntáriox da Pátria?” Gozado, papai nunca teve o menor sotaque botafoguense, quem àx vezex puxava o “s” era mamãe - que nasceu e cresceu em Timbuí – isso por que... Eu-sei-lá-por-quê.

Lembro crianças que estranharam o elevador na primeira vez que o viram, porque entravam num lugar e saíam em outro completamente diferente. Vivi essa sensação de magia dentro de um armário antigo no qual brincava de viajar com minha irmã caçula, fantasia parecida com as Crônicas de Nárnia que na época nem suspeitávamos existir. Os armários de hoje não caberiam nem os “Ricardões”, não é só porque a coisa apertou, ouvi dizer que os amantes engordaram e usam carruagens vermelhas.



Os elevadores seguem em reforma e a vida continua: subindo à cobertura tríplex e descendo ao fosso da corrupção, o Brasil e suas enormes variações de dinâmica. Eu vejo buracos nas paredes, tijolos e argamassa por baixo do reboco. Lembro que também tenho algumas obras em andamento e me pergunto como ou quando isso vai terminar. Incomoda um pouco suspeitar a falta de significância, mas não é por isso que tenho de falar: é que por dentro tem essa questão que sobe e desce e sobe e...

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