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terça-feira, 27 de outubro de 2015

A SAGA DO GATO SIMBA

Depois que parti para a carreira solo da vida jamais pensei ter em casa algum animal de estimação. Não tinha sequer opinião negativa ou positiva a respeito e Alice – em nossos quase dez anos de relacionamento - de vez em quando dizia querer um gatinho. Eu até aceitava a ideia enquanto coisa, mas soava distante como uma viagem a Europa ou voar de parapente. O Rodrigo, colega de trabalho, tem dois gatos e dizia que o legal é que, diferente do cachorro, o felídeo (Eita!) não dá trabalho nenhum.

Ouvi aquilo desconfiado como um fedelho diante de um prato de buchada...

Breve eu descobriria mais umas e outras coisas sobre os “pets”. Senão, vejamos: é importante, por exemplo, a maneira como o bicho entra em cena. Nunca me passara pela cabeça, mas tem gente que condena o comércio de animais de estimação, afinal, se trata de uma vida e não de uma mercadoria. Então, quando esse personagem estreou no final de nossa oitava temporada, uma das primeiras perguntas era se o gato fora comprado ou adotado e rolava uma satisfa quando contávamos sua peluda saga...

Era uma vez uma família que morava em Alvorada. Uma noite, em sua porta, apareceu um gatinho maltratado, faminto e bastante machucado. O bicho parecia ter se metido em alguns arranca rabos e passado maus bocados. Foi acolhido com um carinho danado, mas não podia ser adotado, afinal, na casa moravam já outros dois gatos e perigava começar a terceira guerra territorial. Começaram então uma campanha de adoção e as fotogênicas imagens do bichano inundaram o telefone de Alice... Até que um dia veio a decisão, dita com um pouco de receio: vamos pegar esse gato pra gente?


Primeiro registro do gato Simba em sua nova casa
Confesso que não tinha nada contra, mas, veja bem: muito menos tinha algo a favor...   

Na hora do encontro fomos recebidos por uma solene comitiva familiar, uma senhora e duas mocinhas, era início da noite, dia 3 de agosto naquele ano em que a Dilma, o PT, o PMDB e sei-lá-mais-o-quê quebraram o Brasil. O gato vinha no colo da matriarca e tive impressão de que o bicho me olhou com desconfiança recíproca, se voltando bem para o outro lado. A mais jovem comentou que o felino parecia um leão, na mesma hora veio o nome na minha cabeça “Simba”! Mas não falei nada, afinal a adoção do gato era iniciativa de Alice que a essa altura já acarinhava o bicho no colo...

Valente como os grandes felinos de sua espécie, ao chegar em nosso apartamento o diabo do gato imediatamente elegeu o fundo da máquina de lavar como trincheira e esconderijo e de lá se limitou a vigiar nossos movimentos. Dava para ver apenas a pontinha do focinho e os olhinhos amedrontados, do esconderijo só saía para comer a ração. Mais tarde tomou coragem de explorar a casa, descobriu um buraco embaixo do sofá na sala e ali passou a se encarapitar.




Foi com uma dificuldade danada que o arrancamos do novo esconderijo para levar ao veterinário no dia seguinte e lá, coitado, tomou vacina, teve as garras aparadas e – last but not least – temperatura medida. Na volta para casa o bicho estava amuado, pasmado e ligeiramente estuprado. Demonstrando raciocínio inteligente, nem dentro do sofá se enfiou mais, construindo, aliás, uma curiosa relação de causa e efeito.

Após conviver pela primeira vez com um bicho dentro de casa, confesso, foi passando o estranhamento e gostei muito, mas muito mais do que esperava. Quando dei por mim já estávamos assistindo televisão juntos, fazendo videocassetadas e tirando altos cochilos no sofá. Descobrimos depois, da pior maneira possível, que os gatos dormem pra caramba de dia porque têm hábitos notúrnicos. Mas minha maior surpresa foi constatar que o bicho se utiliza de uma forma de comunicação bastante clara e eficaz.

Simba desfrutando a parte externa de seu esconderijo predileto
Quando da adoção uma das meninas falou que aquele era um bichinho muito obediente, gostava de brincar e que se pedisse comida era só a gente dar. Pensei que fosse viagem. Imagina, vai pedir comida como? Pois não é que pede? O gato mia e olha pra gente, vai até a vasilha de comida, mia de novo e fica olhando pidão. Só falta falar: “ô cara pega esse saco vermelho de ração e bota uma comidinha aí pra mim”. Depois de alimentado fica numa satisfa doida e passa a realizar tocaias e caçadas imaginárias da sala pro quarto, da cozinha pro banheiro, correndo e derrapando pela casa.

Depois de umas semanas senti o felino adaptado ao novo habitat como fora mesmo a sua selva, ao invés de correr apavorado para se esconder passou a receber gente estranha com sua curiosidade olfáctica característica. Demonstrou, inclusive, certa predileção pelas visitas femininas... E essa é outra das coisas que aprendemos sobre os animais de estimação: a onda de castrar. Honestamente, ainda não tivemos coragem de mandar as bolas do nosso gatinho maluquinho pro cadafalso.   

O dia em que Simba encontrou o seu lugar ao sol
 Alice ainda não conseguia decidir como chamar o filho adotivo e o apelidou de Zebulom, filho de Jacó, mas não sabe explicar por que, era uma espécie de piada pessoal. Como quem não quer nada dei ideia de chamar o gato de Simba e uma hora pegou. Sinto agora que sua denominação poderia ser outra, mais adulta. Do canto de seus olhos saem traços que parecem maquiagem de egípcios, um treco sobrenatural. Hoje eu o chamaria de Mister Crowley, Bubastis ou Bastet. No fim, o nome nem é tão importante, o bacana foi a surpresa dessa nova alegria em nossas vidas.


Escrevi esse texto como uma forma de registrar a adoção que realizamos com um receio danado e que depois nos trouxe tantos momentos especiais. Escrevo agora mesmo com o Simba correndo pra lá e pra cá. As pessoas que confiaram essa vida em nossas mãos tiveram medo também, afinal, não nos conheciam, e o bicho homem – esse sim - é um danado ardiloso. As feiras de adoções de cães e gatos acontecem regularmente, então, se você quer adotar um animal e está na dúvida, eu digo: não perca mais nenhum segundo.

Simba posando para uma selfie com sua nova família
A receita para sermos felizes e começarmos a pensar em termos um mundo melhor e menos violento é cuidar que outros possam ser felizes também...