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domingo, 30 de setembro de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: TERROR



“Bebo para tornar as outras pessoas interessantes.”
George Jean Nathan

O demônio caminhava sobre a terra. Não seguia intuição, mas algo - como poderia dizer? – mais terráqueo e predestinado. Tudo existe para cumprir uma função, pensava ele, especialmente o medo no coração dos homens. Ah! O demônio sabe disso! Entretanto, não é de seu feitio inculcar pavor em ninguém não. O medo é tão comum quanto o sangue que circula e a respiração que pode ventilar ou envenenar dependendo do que se respira.

 
As fronteiras entre o medo e a crença em poder o derrotar criaram o círculo vicioso que alimenta a besta. Quem pensa que o demônio não sabe disso não conhece suas verdadeiras intenções no mundo, ou suas necessidades. A única coisa que o demo sabe ser preciso combater é a suspeita de alguns que começam a cogitar a negação de ambos. E tem como? Ter medo é ter já alguma coisa, perder todas as outras é um perigo que povoa os ninhos de corvo e os fios de cabelo naqueles que ainda o têm.

O medo corrói a alma por dentro, cria buracos no coração, prepara o homem para o fim. As pessoas destemidas são grande diversão para o demônio, porque ele acredita de verdade que não existe isso e adora ver alguém quebrar a cara tentando provar o contrário. Ainda assim, o demo reconhece transformações de fúria e transmutações de tédio. Esse último é parente da descrença, primo da desilusão, retrato do corpo que foi encontrado na praia, um homem que nadou, nadou e morreu por lá.

O bicho homem foge do medo tentando se divertir, muitas vezes coloca medo nos outros, aí do nada vem um que diz “isso é tudo ilusão”. Diz que todos os castelos eram de areia, os oásis eram miragem, o anel que tu me destes era vidro e se quebrou. Saber isso não quer dizer nada, não é novidade, nem segredo de sociedade secreta. É como a própria vida: uma hora estou dormindo e sonho, outra hora não quero ter medo de acordar quando não estou dormindo.

“Dijahoje eu disvaziei as memória do que inhantes era coisa de valor pra eu e mais umas pessoas de casa, meus conhecidos lá da época. Arrastei os pés pela sala, precisava ir no banheiro mijar. Ouvia os meus ossos estalando, o chinelo arrastando no chão e o cheiro do óleo na mobília de madeira. Não sei se estava viva ou morta, se é pensamento sonhado na cabeça de alguém. Mas o demônio, ele sabe, isso e ainda muito mais. Não tenho medo dele não por causa da minha fé, faz tempo que me ensinaram a me defender, a rezar...”

E o demônio ri. Porque no fundo é tudo muito engraçado mesmo... 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

RAPIDINHA CULTURAL URGENTE!!!

BOA NOTÍCIA ELEKTRÔNICA!





O Quarteto Radamés Gnattali, que tem na viola o nosso capixabíssimo Fernando Thebaldi, acaba de ser indicado para o Grammy Latino em 3 categorias - melhor álbum de Música Clássica com o Prelúdio XXI; melhor faixa clássica do álbum do Tim Rescala com Quarteto Popular e pela participação na faixa Querido Diário do CD Chico, do Chico Buarque de Holanda... Quero só ver se a midia local vai dar essa notícia... 
O furo é da Lektra, mas o buraco é mais embaixo...

Repassando convite da Secretaria de Cultura da UFES, com um grande abraço para nosso amigo Orlando Lopes... 

Por fim segue convite da SECULT para debater a cultura e acabar com essa frecura!

domingo, 23 de setembro de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO SEM PÉ NEM CABEÇA



Vi que o filme TED está entrando em cartaz e resolvi dizer de qual é para a galera, porque sei que muitas garotas podem pensar que é um filme “de menininha” com o Mark Wahlberg ou os caras podem pensar que é uma comédia “porra louca”, com muita droga e situações engraçadas; isso para quem acha engraçado ver um bando de marmanjos doidões aprontando. Pois a “película” (na era digital?) tem isso tudo e tem ainda um ursinho de pelúcia hedonista babaca que nem um filhinho de papai. Sim, é estranho e a piada nem sempre funciona ao longo do filme...


Fora o bizarro da situação - nada contra, afinal a gente vê tanta bizarrice mesmo - o problema são as referências ao passado, especialmente uma linha meio rock dos anos oitenta que, quem não curtiu - seguramente a maioria no Brasil - vai ficar boiando. Por exemplo: os caras eram fãs do filme Flash Gordon (1980) que - fora a não tão inspirada trilha sonora da banda Queen - é uma das maiores porcarias já produzidas no cinema em todos os tempos e olha que essa é uma briga feia, ainda mais se colocarmos as produções do Casseta e Planeta no páreo.


O filme do Flash, uma tremenda aventura de ficção científica, sofreu muito com a falta de efeitos especiais da época, o resultado é altamente risível agravado pelos tresloucados figurinos. Os personagens e suas tribos se sucedem como alas de escola de samba, homens alados, um imperador do planeta Mongo que parece o Fu Manchú, enfim, um samba do crioulo doido completo com direito a Undenberg com soda ou na caninha, ah! E aquelas mulatas que não estão no mapa.

A rapaziada da ala dos Urubús de Ouro se preparando para o desfile
Talvez vão gostar do TED aqueles que têm mais de quarenta anos e tiveram acesso a cinema e televisão no início dos anos oitenta (acredite, nem todos tiveram, o Bussunda, por exemplo, e isso explica muita coisa), ou os que cultuam aquela época, porque o resto do filme é meio jeca, fora algumas piadas muito pesadas e escatológicas que, para quem gosta, são realmente engraçadas. Os diálogos de sinceridade absurda do ursinho com seu patrão são surpreendentes e hilariantes, mas esses momentos são escassos. Tô pra te dizer que eu até gostei do filme, mas periga a maioria “ficar boiando”... Então vou continuar falando do Flash Gordon de 1980...



Samba do crioulo doido na avenida, esse produção deve ter contado com acessoria de algum carnavalesco da MUG....
Lembro bem quando o filme entrou em cartaz, primeiro porque eu era fãzão dos desenhos do Alex Raymond, foi uma das primeiras coisas que li e até hoje guardo três edições daquelas grandonas da Ebal. Segundo porque estudava no colégio Martim Lutero e uma menina me convidou para ir ver, disse até que a trilha sonora era “daquela banda Quéin”. Estranhei o nome, nunca tinha ouvido falar e, sei lá se, para me convencer a ir com ela ao cinema disse que era a mesma da propaganda de televisão: Bicicle! Bicicle! Essa eu conhecia, a banda veio depois, a pronúncia correta do nome, as festinhas do Greatest Hits e outras tantas histórias...

Sente o sonoro bigodão do mister Freddie Mercury. As minas pira! Ou "os cara", afinal, não é a toa que o nome da banda era Queen...
Bom domingo galera!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

CULTURA E TERRITÓRIO CAPIXABAS: DIVERSIDADE, BELEZA e FUTURO

Faz tempo que não rola uma participação especial aqui na Letra Elektrônica e como nossa especialidade é descer o malho no capixabismo, vem aí um texto pregando exatamente o contrário que é só pra provar que nós somos que nem o Chacrinha: "viemos pra confundir..."

Aos que se assustam com perspectivas otimistas vai um conselho: não leiam este artigo.

É clássico definir-se cultura como “um conjunto que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (Edward B. Tylor).

O termo cultura pode abrigar uma infinidade de outras definições, pois este mesmo conjunto que o forma varia de acordo com a sociedade que o abriga, a qual sempre irá interpretá-lo à sua maneira.

Usando e abusando do termo, entretanto, podemos afirmar que nós, capixabas, abrigamos em nossa cultura o melhor retrato da diversidade do continente Brasil, e dela temos prova exatamente no viés da nossa identidade.

Nossa identidade cultural é tão complexa e multifacetada que pode ser confundida com "não identidade" por um desavisado. Não somos facilmente identificáveis, mas somos facilmente admiráveis, pois somos, ao mesmo tempo, botocudos, guaranis, africanos, portugueses, alemães e italianos, sírios e libaneses, só pra citar a parte maior do caldeirão que nos forma.

É nesse caldeirão, panela de barro, que produzimos qualidade de vida entre as melhores do continente e começamos a pisar no precioso e infinito território denominado futuro. Somos agora não só minério, celulose, café e navios: somos petróleo, somos software, design, tecnologia em meio ambiente, e nosso limite, repito, é o infinito.

Somos também mar e montanha, areia e pedra, quente e frio, norte e sul. Somos moqueca e polenta, peixe e paca, orquídea e beija-flor, altos e baixos Jucus e Guandus.

De Guarapari, o paraíso de praias radioativas que resiste heroicamente a décadas de maus tratos, até Pedra Azul, nosso monumento de granito que desabrocha hoje seu potencial turístico internacional, quem visita o Espírito Santo é invariavelmente tomado de surpresa e encanto.

Nós, hoteleiros capixabas, presenciamos dia após dia essa descoberta e deslumbramento, seja dos capixabas, com sua própria terra, seja dos visitantes brasileiros e de todo o mundo, com a terra bendita do Espírito Santo.


Do alto da Pedra Azul, agora candidata na UNESCO a Patrimônio Natural da Humanidade, até o Convento da Penha, futuro Patrimônio Cultural e Histórico do Planeta, fica fácil vislumbrar que o novo século nos trouxe o momento de colher os frutos das sementes plantadas por gerações de valorosos capixabas, que trabalharam e confiaram neste futuro que se faz presente.

Leonardo Tristão,
Diretor da Pousada Pedra Azul, Informático e capixaba fanático.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

BIBLIOTECA ESTADUAL LANÇA LIVRO: UM PAINEL DA NOSSA HITÓRIA II




No final do ano passado (de 21 a 25 de novembro) aconteceu na Biblioteca Pública do Estado do Espírito Santo o II Painel da História do Espírito Santo, uma iniciativa que reuniu nomes de prestígio no Estado para falar sobre quatro temas: Desafios Contemporâneos da Sociedade Capixaba, Identidade e Expressão Cultural, Processo Histórico e Conformação de Territórios e Desenvolvimento e Sustentabilidade. Era o resgate de um primeiro seminário acontecido há uma década (2001) com o objetivo de atualizar informações sobre nossa história. Segundo a própria divulgação da Secult à época:

“O ciclo de palestras reunirá estudiosos das mais diversas áreas, capazes de promover o despertar do pesquisador capixaba para as fontes e temas da historia sob a ótica pluridisciplinar. Entre os convidados estão: Vitor Buaiz, médico e professor; Fernando Pignaton, cientista político; José Eugênio Vieira, economista; Juca Magalhães, escritor; Luiz Cláudio M. Ribeiro, historiador; e Arlindo Villaschi, economista e escritor.”

Como visto acima, participei do seminário como palestrante - falando de meu então recém-lançado livro sobre a Orquestra Filarmônica do Espírito Santo - mas também como ouvinte de várias palestras empolgantes sobre a história dos capixabas, como a que fez o Nammy sobre a Revolta da Xandoca e muitos outros como os professores Gabriel Bittencourt e Luiz Claudio Ribeiro, ambos organizadores do painel e também de uma obra muito interessante para pesquisadores e público em geral, cujo (cujo?) lançamento vai acontecer na quarta-feira que vem (dia 19 de setembro).


Num lindo projeto gráfico e edição luxuosa, essa nova obra, além do conteúdo imperdível das palestras do II Painel da História do Espírito Santo, tem fotografias coloridas e acabamento de alta qualidade. A iniciativa é da Biblioteca do Estado do Espírito Santo “Levy Curcio da Rocha” - BPES, Secretaria de Estado da Cultura- SECULT e contou com patrocínio do Instituto Sincades. O lançamento vai reunir os participantes do seminário para autografar a obra que será disponibilizada gratuitamente aos presentes.

Local: Biblioteca Pública do Espírito Santo
Dia: 19 de setembro de 2012, 19 horas.
Endereço: Av. João Batista Parra, 165, Praia do Suá - Vitória
ENTRADA FRANCA
Informações: (27) 3137 9349

domingo, 16 de setembro de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: ANDO DEVAGAR PORQUE JÁ TIVE PRESSA



Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente.

Renato Teixeira – Tocando em Frente

Como a maioria dos meninos eu fui um apaixonado por carros, tive uma Lotus (a gente dizia uma) de plástico preta que amarrava num pedaço de barbante e puxava desembestado ao redor da quadra em que morávamos em Santa Lucia. Anos setenta era o auge dos irmãos Fittipaldi, mas tinha também o José Carlos Pace que eu era fã. Eu não tinha autorama, então improvisava pistas no espaço grande da copa com os livros que abundavam em nossa casa e travava altos duelos imaginários com meus carrinhos de ferro Matchbox. Velocidade é desde essa época uma paixão do brasileiro, ainda mais depois com o reinado de Ayrton Senna.

Comecei a dar uns pegas no carro da família assim que meus pés alcançaram os pedais e as mãos o volante, especialmente um buguinho que mamãe numa época de dureza até rifou. Com dezesseis anos, como faziam os playboyzinhos tirados a “bom de sela”, eu dirigia sem carteira pra cima e pra baixo, posso então dizer que tenho mais de trinta anos de experiência ao volante. Evidentemente, era outra época, a gente jogava pelada nas ruas onde hoje mal se consegue uma vaga para estacionar sem um flanelinha atrás do “cafezinho” ou um guarda enfezado de bloco na mão.

Gostava de pegar a estrada daqui (Vix-ES) pro Rio de Janeiro, tinha uma galera que sempre apostava quem é que conseguia fazer a viagem no menor tempo. Tirar onda de “fera no volante” era prova de macheza e habilidade entre os adolescentes. Uma vez, com um Gol GT 1.8 vermelho, fizemos Vitória/Rio em cinco horas parando para almoçar em Campos (!). Não tinha pedágio, eu sequer usava óculos para corrigir a miopia e as estradas não eram tão ruins assim, a não ser um pedaço depois da cidade “Goiabada Cascão / com muito queijo” que ficou esburacado por mais de uma década.

Hoje acontece o contrário, o tempo da viagem é o que menos importa, o desafio é conseguir chegar em casa inteiro e sem tomar uma facada extra do Estado. Tente ir, por exemplo, de Vitória à Guarapari pela rodovia do sol evitando ultrapassar a velocidade permitida aqui e ali pela absurda quantidade de “radares eletrônicos” visíveis e invisíveis. Eis um desafio automotivo para os nossos tempos. Teve casamento de um sobrinho em Marataízes e um dos padrinhos está para perder a carteira por conta somente daquela viagem, um homem pra lá de maduro que dirigiu tranquilo com a segurança de seu “pé de chumbo” como sempre fez.

Romper com hábitos de uma vida inteira é difícil e tirar proveito disso é uma puta sacanagem, mas não adianta ficar reclamando, importa não dar esse prazerzinho pros sa-canas. Antes tarde do que nunca, estou adaptado à fiscalização dos radares, faço como diz o Renato Teixeira “ando devagar porque já tive pressa”. Por isso o trânsito parece ser muito mais seguro e civilizado hoje, especialmente nas propagandas do Detran, o curioso é que não vemos a mesma coisa no noticiário. Vivemos num mundo cada vez mais perigoso, vigiado, punitivo e ainda com a estranha e antiga sensação de que atrapalha muito mais quem vende o peixe de que quer ajudar.