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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

OS TURCOS SE ESBALDAM NO ÉPICO "A CONQUISTA DE CONSTANTINOPLA"

Crítico inglês do The Guardian demonstra preocupação ocidental e preconceito “british” com produção épica turca onde, segundo ele, pululam “turbantes e testosterona”. O filme mostra a queda de Constantinopla marcando o fim da idade média. É importante para os patropis porque deu início à busca por um caminho alternativo para as Índias, levou ao período das grandes navegações “ultramarinas” e à “descoberta” do Brasil.

Por Fiachra Gibbons, livremente traduzido pela Letra Elektrônica.
Originalmente publicado no site www.guardian.co.uk, no dia 12 de abril de 2012


Em parte pelo ressurgimento do interesse no passado imperial do país, mais de cinco milhões de turcos já foram assistir à saga graficamente computadorizada de Maomé II conquistando Constantinopla. O filme está fazendo o coração dos turcos transbordarem mais que o usual de orgulho patriótico. O título original é Fetih 1453, um épico de turbante e testosterona que bateu todos os recordes de bilheteria e é saudado como uma reafirmação de que a emergente Turquia ainda tem sangue de conquistador mundial em suas veias.

Como o jornal de tendência religiosa Zaman disse, “Os Turcos estão se sentindo imperiais de novo” após uma década de crescimento econômico sem precedentes, estão se voltando cada vez mais para os ancestrais otomanos em busca de inspiração. Na política exterior, assim como na decoração, culinária e moda existe pressão “neo-Otomana” para reafirmar a hegemonia da diplomacia do sultanato turco sobre os antigos domínios árabes e europeus ocidentais.

A religiosidade transborda no filme – com o profeta Maomé predizendo que a antiga capital do Império Romano um dia cairia nas mãos dos fiéis – e atraiu uma nova e subserviente plateia aos cinemas, encantou especialmente ao primeiro ministro Recep Tayyip Erdogan que vibrava com a possibilidade de “elevar gerações de devotos ... que irão abraçar nossos valores históricos”. Alguns de seu partido agora estão dando a ideia de exibir o filme nas escolas como um antídoto para a “mentalidade cruzada” de Hollywood.

Não que o filme seja inteiramente inocente de licenças históricas, por exemplo: a caracterização do último imperador Bizantino, Constantino XI, como um hedonista quando o homem era basicamente celibatário; a magnificência da cidade já extensivamente saqueada pelos cruzados em 1204; e a omissão do fato de haver muito mais gregos lutando pelo sultão do que defendendo as muralhas, provavelmente havia tantos soldados de Maomé rezando pela Virgem na manhã do ataque final em maio de 1453 quanto para Alá. Em outra cena, escavadores fazem um túnel abaixo das imensas muralhas que não haviam sido invadidas em mil anos e, para não serem capturados pelos bizantinos, explodem como os infames homens bombas aos gritos de "Allahu Akbar". Na verdade, os escavadores de Maomé eram cristãos ortodoxos alistados nas minas de prata da Sérvia.

Enquanto o público invade os cinemas para ver o filme, o veredicto da crítica é longe de unânime, até mesmo no Zaman. O crítico Emine Yildirim destaca a tendência ao “nacionalismo extremo” da película e aos velhos estereótipos que os turcos fazem dos vizinhos cristãos. “Assim como ficamos furiosos ao ver caricaturas orientalistas preconceituosas nas grandes produções ocidentais, deveríamos pelo menos ter a decência de não cometer o mesmo erro. Fetih 1453 é uma piscina turva de hipocrisia. Enquanto se alimenta da trivial paranoia de não receber bem o ocidente e o desmerecer, o filme reforça nossas aspirações por superioridade.”

O comendador Burak Bekdil foi ameaçado de morte após satirizar essa tendência à supremacia. “O que faremos a seguir? Um filme chamado Conquista 1974 para celebrar a invasão do Chipre pela Turquia, ou Extinção 1915, o Genocídio Armênio? Ao invés de lembrar 1453 com vergonha, os turcos lembram o mundo inteiro que sua maior cidade já pertenceu à outra nação e foi conquistada debaixo da espada. Blogueiros enfurecidos posteriormente postaram que Bekdil era um “grego ignóbil” e que não deveria lhe ser permitido respirar ar.” Outros disseram que a foto de seu perfil no jornal apresentava “características armênias”.

A mais famosa crítica de cinema turca, Alin Tasçiyan, disse com alta nostalgia que nada seria mais natural do que os cineastas olharem de novo para o legado otomano, particularmente porque foi deliberadamente negligenciado por Atatürk e seus sucessores secularistas. “Já é hora de ver o império de forma objetiva. Foi uma civilização imensa, por que negar? Teve seus altos e baixos. Mas vamos entender uma coisa, esse filme não retrata isso, nem foi feito com motivos políticos e religiosos. É puramente comercial, muito inteligentemente voltado para as massas.”

Tasçiyan disse que há um enorme interesse pela história otomana justamente porque foi ensinada mal e porcamente. “A história ensinada nas escolas da Turquia é rigidamente nacionalista, lá aprendemos que os otomanos conquistaram metade do mundo e de repente se tornaram ruins, sem explicação. Antes que você saiba, o sultão está conspirando com os Britânicos e que por sorte Atatürk apareceu para nos salvar.”

Yildirim diz que o filme revela uma contradição na maneira que os turcos veem a si próprios: por um lado, um autoritário desejo de poder, por outro a tentativa tolerante de conciliar e abraçar a todos como vemos na cena final quando Maomé II, após entrar na catedral de Hagia Sophia (a “Meca” dos Ortodoxos), pega uma criança loura no colo e declara “Não tema povo de Constantinopla, professem sua religião como acharem melhor”.

Não há nada que venda mais na Turquia do que o nacionalismo e o diretor e produtor do filme Faruk Aksoy – que já faturou três vezes o custo de 17 milhões de dólares da produção – está planejando outro épico sobre Gallipoli, onde Atatürk, fundador da república moderna turca, luta com os britânicos. Pode apostar que não vai ter moleza para o velho Churchill.

Para ler o texto no original clique no link abaixo:
http://www.guardian.co.uk/world/2012/apr/12/turkish-fetih-1453

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