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domingo, 16 de setembro de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: ANDO DEVAGAR PORQUE JÁ TIVE PRESSA



Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente.

Renato Teixeira – Tocando em Frente

Como a maioria dos meninos eu fui um apaixonado por carros, tive uma Lotus (a gente dizia uma) de plástico preta que amarrava num pedaço de barbante e puxava desembestado ao redor da quadra em que morávamos em Santa Lucia. Anos setenta era o auge dos irmãos Fittipaldi, mas tinha também o José Carlos Pace que eu era fã. Eu não tinha autorama, então improvisava pistas no espaço grande da copa com os livros que abundavam em nossa casa e travava altos duelos imaginários com meus carrinhos de ferro Matchbox. Velocidade é desde essa época uma paixão do brasileiro, ainda mais depois com o reinado de Ayrton Senna.

Comecei a dar uns pegas no carro da família assim que meus pés alcançaram os pedais e as mãos o volante, especialmente um buguinho que mamãe numa época de dureza até rifou. Com dezesseis anos, como faziam os playboyzinhos tirados a “bom de sela”, eu dirigia sem carteira pra cima e pra baixo, posso então dizer que tenho mais de trinta anos de experiência ao volante. Evidentemente, era outra época, a gente jogava pelada nas ruas onde hoje mal se consegue uma vaga para estacionar sem um flanelinha atrás do “cafezinho” ou um guarda enfezado de bloco na mão.

Gostava de pegar a estrada daqui (Vix-ES) pro Rio de Janeiro, tinha uma galera que sempre apostava quem é que conseguia fazer a viagem no menor tempo. Tirar onda de “fera no volante” era prova de macheza e habilidade entre os adolescentes. Uma vez, com um Gol GT 1.8 vermelho, fizemos Vitória/Rio em cinco horas parando para almoçar em Campos (!). Não tinha pedágio, eu sequer usava óculos para corrigir a miopia e as estradas não eram tão ruins assim, a não ser um pedaço depois da cidade “Goiabada Cascão / com muito queijo” que ficou esburacado por mais de uma década.

Hoje acontece o contrário, o tempo da viagem é o que menos importa, o desafio é conseguir chegar em casa inteiro e sem tomar uma facada extra do Estado. Tente ir, por exemplo, de Vitória à Guarapari pela rodovia do sol evitando ultrapassar a velocidade permitida aqui e ali pela absurda quantidade de “radares eletrônicos” visíveis e invisíveis. Eis um desafio automotivo para os nossos tempos. Teve casamento de um sobrinho em Marataízes e um dos padrinhos está para perder a carteira por conta somente daquela viagem, um homem pra lá de maduro que dirigiu tranquilo com a segurança de seu “pé de chumbo” como sempre fez.

Romper com hábitos de uma vida inteira é difícil e tirar proveito disso é uma puta sacanagem, mas não adianta ficar reclamando, importa não dar esse prazerzinho pros sa-canas. Antes tarde do que nunca, estou adaptado à fiscalização dos radares, faço como diz o Renato Teixeira “ando devagar porque já tive pressa”. Por isso o trânsito parece ser muito mais seguro e civilizado hoje, especialmente nas propagandas do Detran, o curioso é que não vemos a mesma coisa no noticiário. Vivemos num mundo cada vez mais perigoso, vigiado, punitivo e ainda com a estranha e antiga sensação de que atrapalha muito mais quem vende o peixe de que quer ajudar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Juca, Bom (sempre são os) seu artigo. E me enquadrei (ou fui “enquadrado”) com o padrinho. Estou com 22 pontos na “carteira” (a outra pagou a conta), todos obtidos na Rodovia do Sol, dirigindo com todo cuidado.

Mas, não importa: sou contraventor!

Deverei ser chamado a devolver a primeira “carteira”, vez que nenhuma defesa – via advogado, resultou em qualquer consideração.

Te afirmo que me considero “inocente”, e nem sou “pé de chumbo”. Nem de “Lotus” eu ando...

Mas, imagine o valor que circula para o Detran, Prefeitura, guardas, escolas, advogados...
Para que considerar qualquer situação?
Cidadãos indefesos... Os mesmos que não podem ter armas, não podem dar um corretivo nos filhos, são obrigados a usar cinto de segurança, são obrigados a comprar kits de primeiros socorros, são obrigados a trocarem as tomadas de suas casas (padrão brasileiro, incompatível com o mundo), não podem ter música ao vivo, não podem beber, não podem fumar, não podem, não podem e não podem, mas são obrigados, obrigados, obrigados.

O que o “alto comando” está preparando para esse povo cordeiro?

... bem, fico no aguardo de ser chamado para entregar a primeira carteira, enquanto a segunda já pagou a conta, alimentou o sistema.

Abraço,

Victor

Juca disse...

Rapaz o Fabiano Mayer fez um comentário no Facebook dizendo que "é isso mesmo tem que multar mesmo e bla´bla´blá". Um monte de gente concordou e discordou, os primeiros sempre nos comparam nossa realidade com a do Japão ou Estados Unidos para dizer que lá é assim e assado. Ora! Vá lamber sabão né? A máquina do Estado é perversa e maquiavélica, suas açõe não são pensadas para proteger o cidadão como apregoam, mas para lucrar mais e mais. Por isso os telejornais - e a midia em geral - vivem ensinando a população a lidar com dívidas, vai dizer que uma coisa não tem a ver com a outra? Eu reclamo sim, sou do contra sim e acho que se a gente não criticar aí é que o vaca vai pro brejo!