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sexta-feira, 31 de julho de 2009

COMO APRENDER A LIDAR COM PROBLEMAS

Ganhei um livro maravilhoso publicado pelo Arquivo Público Estadual, o Instituto Modus Vivendi e a Secretaria de Estado da Cultura. (Aliás, quero anunciar que no início da semana assumi a assessoria de comunicação do IMV). O livro é de autoria do Doutor em história Renzo Grosselli e se chama Colônias Imperiais na Terra do Café. Conta a saga de camponeses trentinos (vênetos e lombardos) nas florestas brasileiras. Sou apaixonado por livros, essa foi uma das razões que me fizeram decidir cursar biblioteconomia e acho que falar deles é a melhor maneira de contribuir com as campanhas de incentivo à leitura. Fiquei feliz com o presente que tem como epígrafe um verso sensacional que há alguns dias eu estava buscando oportunidade para usar:


Eis que dos meus versos

Sobre emplastadas intrigas de salões

Esguichou a urina da égua campesina.

Não vos agrada, não é verdade? Compreende-se...

Para pessoas afeitas ao orégano e às rosas...

Mas o pão que vós comeis

Sim, nós o adubamos com estrume!


Sergei Esenin - trad. de Agostino Lazzaro


Não vi ninguém da imprensa local noticiando, nem achei nenhum blog daqui comentando o caso, mas ontem me disseram que a lenda do basquete, Oscar Schmidt, teria arrumado um barraco com um mestre de cerimônias local, durante sua palestra no evento de abertura da 23ª edição da Feira da Associação Capixaba de Supermercados (Acaps). Não tem graça, mas o nome da palestra que o nosso querido “mão santa” apresentou virou piada pronta: “Desafios: Como aprender a lidar com problemas”.


Atuo profissionalmente como Mestre de Cerimônias em solenidades formais faz alguns anos, conheço vários dos meus companheiros de profissão, mas se tem um que eu gosto e por quem tenho grande admiração é Eduardo Santos. Talvez o de mais idade e a mais tempo nessa seara, Eduardo é o de maior experiência e disparadamente o mais solicitado da classe. Tenho-o como um verdadeiro gentleman, uma pessoa de sorriso honesto, um cara do bem.


Uma vez Eduardo me disse que seu sonho era ser ator e, enquanto a carreira não deslanchava, acabou aceitando diversos trabalhos, inclusive como mestre de cerimônias, o qual exerce até hoje com merecido sucesso. Essas acomodações são comuns na vida, às vezes é preciso nos perder de nossos sonhos para vivê-los no mundo real. Dizem que o ator Johnny Depp sonhava ser roqueiro e, da mesma maneira, enquanto a carreira não decolava foi fazendo filmes, deu no que deu. Eu sonhava em ser super-herói, infelizmente meus poderes nunca se manifestaram, fiquei ilhado em Vitória e tive que me contentar em escrever mensagens dentro de garrafas blogs espalhadas pelo oceano Internético.


Existe uma reclamação geral de quem organiza eventos com relação à dificuldade de se lidar com o ego das pessoas. Dizem que o maestro Quincy Jones, quando foi produzir a gravação da canção We Are The World, com todo aquele grupo de celebridades, colocou um aviso bem grande na porta do estúdio: Deixe seu ego do lado de fora! Conheço muuuita gente que gostaria de poder fazer uma plaquinha dessas e colocar em nossas ocasiões solenes. Existem muitas “autoridades” aparentemente calmas e centradas que na hora de um evento ficam pra lá de estressadas e inventam problema onde não tem, querem quebrar protocolo passando por cima de outros e não se furtam de falar duramente ou criticar publicamente A ou B. Custava ser um pouco mais elegante e relax como aparentam?


O que me disseram da abertura da ACAPS foi que, durante a palestra do Oscar, o mestre de cerimônias - pela descrição me pareceu ser Eduardo Santos - estava conversando com alguém (nessas cerimônias toda hora vem alguém buzinar alguma coisa) e o basqueteiro achou ruim. Parou sua fala, esbravejou no microfone e ainda teria pontuado assim: “É por isso que eu não gosto de vir nesse tipo de evento!” Não sei dizer para vocês o que eu teria feito nessa situação, talvez cavar um buraco para me enterrar. Essa minha amiga disse que deveria haver algum seguro profissional para esse tipo de situação, mas que o mestre de cerimônias foi educado e hábil ao contornar o problema e no final ainda pediu aplausos para nosso tradicional “mão insana”. Ops! – como diria Emily – saiu sem querer.


É claro que não devemos julgar uma pessoa apenas por um fato isolado, é bem provável que o maior ídolo do basquete nacional não estivesse num bom dia. Tive a oportunidade de almoçar com Oscar faz alguns anos e durante todo o tempo ele foi de uma simpatia e de uma simplicidade encantadora. Pra falar a verdade duas coisas chamavam a atenção nele: uma era a altura, óbvio, o cara parece uma árvore de tão grande; a outra era o costume de pontuar suas frases com sonoros palavrões, coisa que adorei, me lembrou a época em que convivia mais estreitamente com meus amigos roqueiros, porém, na mesa estava também uma autoridade evangélica que quase caia da cadeira a cada “puta que pariu” ou “num sei que é do caralho” que o gigante alegremente proferia.


Toda profissão tem seu risco, mas certas situações podiam ser evitadas. Não quer respeitar o profissional, leve então em consideração um homem honesto, em sua melhor idade, que não merece ser desrespeitado perante as maiores autoridades de seu Estado. Pelo que entendi desse episódio, a saia justa poderia ter acontecido com qualquer um, se fosse comigo eu ficaria uma semana sem dormir, a cabeça remoendo os acontecimentos. Na verdade eu fiquei assim. Acordei no meio da noite pensando nesse assunto, de manhã já estava formatando o texto na cabeça e desde então o estou aqui escrevendo para me solidarizar com esse colega de profissão e para exorcizar essa questão.


Oscar: passei várias noites torcendo por você naquele timásso da seleção brasileira de basquete que tinha o Carioca, Marcel e companhia. Lembro bem que a narração era do Luciano do Vale e que depois foi pra Band abrindo caminho para Galvão Bueno. Hoje, eu torço por melhores dias: pra você companheiro, pra mim e para o Brasil. Que o mijo da égua campesina, o suor do nosso rosto, traga a igualdade entre as classes e a justiça. Porque de humilhações e achaques dos que estão acostumados ao perfume das rosas nós já estamos por aqui!


terça-feira, 28 de julho de 2009

NA VERDADE ERA TUDO MENTIRA

“Tem que ter um governo com um olhar social, mas não para fazer propaganda. Quanto mais eu vejo criança na rua mais vejo propaganda dizendo que estão todos na escola. Quanto mais as filas do SUS aumentam, e as pessoas morrem de madrugada, e os velhinhos não são atendidos, mais você vê as pessoas dizendo que na bosta do país está tudo bem.”


Trecho de entrevista do sertanista Sydney Possuelo à Revista Trip de Fevereiro de 2006.


Essa frase me pegou pelo pescoço, apertou, eu até parei de respirar. A verdade está por aí, flutuando e, muitas vezes, ela só vem chapar no meio de nossa cara quando alguém emputecido bota a boca no trombone. Conversava com amigos essa semana sobre a vantagem dos blogs e alguns sites em relação aos jornais e revistas, especialmente os produzidos aqui no Espírito Santo: só na Internet ainda há espaço para se abordar livremente assuntos cabeludos e dizer certas verdades que não são possíveis nos veículos de comunicação, completamente comprometidos com patrocinadores e anunciantes.


Mas não podemos embarcar tão facilmente nessa de culpar os administradores públicos por toda essa lambança, nem a mídia por querer lucrar com esses “me engana que eu gosto”, tem muitos problemas do Brasil que é de junta mesmo, sabe como é? Junta tudo e joga fora. Existem cabeças de burro enterradas que não são fáceis de se livrar, talvez se todos fossemos mais atuantes e menos críticos a coisa pudesse mudar pra melhor, mais honestos e éticos talvez... Olhei da janela de meu apartamento e vi um pedacinho da cozinha de um vizinho só no contra-piso, daí pensei: tão quebrando o apartamento todo! Depois me questionei: Será? O que eu via não era nem dez por cento daquela cozinha. Muitas vezes nos enganamos, muitas outras somos enganados. Difícil descobrir onde a verdade está...


Por falar nisso, tem gente me perguntando se o conto Perseguição é baseado em fatos reais e eu realmente esqueci de mencionar que não é. Talvez algumas personas sejam inspiradas em seres viventes e estrambóticos com quem convivo por aí, mas esse é um conto que prima por ilusões e fantasias, amalgamas de situações, exageros de coisas que quase aconteceram ou que não foram do jeito que está lá. Quando escrevo tenho a intenção de emocionar, de surpreender, afinal todos sabemos que a verdade é sempre menos compreendida, a fofoca nasce e se esbalda nessa afirmação. Além de machucar, a realidade - como a de Cleofas mesmo - pode muito bem soar pedante e chata, mesmo porque sei que ler nesses tempos velozes e curiosos é um ato de rebeldia contra o estabelecido em nossa vida moderna. Então recite comigo esse mantra que aprendi com um feiticeiro Banani:


Dinheiro, velocidade, informação.

Pessoas importantes, telefones ocupados,

dinheiro, velocidade, competição.


Verdade, conhecimento, realidade

Pessoas importantes, todo mundo é importante

Verdade, auto-conhecimento, realização


Vamos pensar no que estamos fazendo

É bom saber para onde estamos indo

Então, quando descobrir... Passa aqui e me diz!


Paz no mundo meus amigos, tamo junto!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A REVANCHE DE SORAIA: PERSEGUIÇÃO - FINAL

O menino ria de uma maneira que parecia muito estranha a Cleofas e este nunca gostara muito de crianças. Jogava para o alto uma bola colorida, o brinquedo quicava no chão como era esperado, bem à sua frente, o moleque ria ainda mais alto agora excitado cobrindo a cabeça com seus braçinhos magros e finos, parecia ter medo que aquela esfera de borracha pudesse se voltar contra ele e, como uma bala de canhão, rachar sua moleira.

- Querido para de brincar com essa bola. - O garoto a recolhera do chão e agora olhava curioso e desconfiado para a mãe e o estranho visitante, parecia adivinhar suas intenções. Avançou timidamente e entregou o brinquedo a Cleofas sem dizer nada. – Ele quer brincar com você. - Cleofas tinha entendido, e sem demonstrar muita vontade, até para não encorajar o moleque, pegou a bola. O garoto correu excitado para o outro lado da pequena sala, suas sandalinhas fizeram um som que deixou o advogado agoniado quando passaram velozes pelas taboas de madeira do assoalho, postou-se junto à parede e ficou de lá pulando e rindo da própria excitação. O estômago de Cleofas borbulhava e queimava como se estivesse sendo preparado para uma buchada... Nunca se sentiu tão idiota na vida, segurando nas mãos aquela grande bola colorida... “O que eu vim fazer aqui?”

Aquela era uma semana que não tinha começado bem. A Diretoria estava envolvida em um grande seminário de gestão administrativa e Cleofas tinha sido escolhido para auxiliar o chefe que faria uma exposição na quarta-feira, nessas ocasiões o homem entrava em estado de ebulição neurótica, por qualquer razão o tempo fechava e o esporro comia. “Esse filho da puta é bipolar!” Resmungava o advogado entre os dentes, enquanto mascava uma pastilha para tentar amenizar a tremenda queimação no estômago. - Isso é nervoso. - Dizia Sueli enquanto Cleofas preparava outra enorme caneca de café. - Além do mais essa sua mania de encher a cara de café o dia inteiro só ajuda a piorar. – O homem sabia muito bem, mas ficar sem o café nesse momento era impensável, impossível.

Soraia pirou do cabeção quando Roberta se foi para o terceiro andar, virou dragão soltando fogo pelas ventas, teve crise de abstinência: tremeu, babou, o diabo a quatro! Quando começaram a circular os mexericos de que a menina estava embarcando de braços - e pernas - abertas na lábia do “doutor” Cleofas a mulher literalmente perdeu o rumo de casa! “Traidooora! Ingraaata!” Soraia queria vingança, algo que pelo menos aliviasse o que lhe carcomia por dentro o coração e envenenava o sangue! Odiava Roberta e, sobretudo, odiava Cleofas. Soraia queria ver sangue, imaginava inclusive o velório do homem acontecendo ali no grande hall de entrada da firma em que trabalhavam. Essas fantasias a acalmavam, mas não curavam a dor que sentia porque não era realidade e Soraia precisava da realidade! Queria sentir o cheiro da coroa de flores que o chefe mandaria ela mesma comprar, as velas ardendo, as carpideiras cantando, queria cuspir no túmulo daquele “filho da puta!”

E então Léo - agora Roberta chamava Cleofas pelo apelido usado pelos amigos - você terminou de ler o livro que te emprestei? - Não havia a menor curiosidade na pergunta era só uma forma de entabular conversa e Cleofas logo desconversou, já que o assunto era um incômodo. - Sim, já sim. Livro fácil de ler. Podia até ter te trazido pra devolver, mas esqueci em casa. – Mentiu sentindo a ardência no estômago eclodir como um vulcão expelindo chamas em suas entranhas, imaginava o Ziza com o livro aos pedaços por toda a casa, não podia dizer a verdade, não queria admitir que fora tão descuidado com algo de outra pessoa. Olhava a coleção de cds que a moça trouxera para o mostrar com orgulho, era apaixonada por Zezé de Camargo e Luciano. Colocou um para tocar perguntando se ele conhecia a música. Cleofas fez que não tentando negociar o mal estar e a repugnância, aquilo era muito pior do que o livro do Dan Brown. O menino sentou a bola colorida em sua cabeça no momento em que ele pensava: “Por que será que ninguém mais é fã dos Beatles?”

Soraia procurou um feiticeiro “Banani” - não me pergunte o que isso é - o mesmo que a aconselhara ferver um chá para Roberta em uma de suas calcinhas usadas, garantindo que seria tiro e queda pra resolver a paixão a seu favor, os resultados insatisfatórios nós já conhecemos. Seu desejo agora era envenenar o desafeto, colocar uma estriquinina no café pra ele tomar, era ela quem cuidava do almoxarifado, seria fácil colocar essa vingança em prática. Banani era bicho solto e esperto, sabia que a cliente estava completamente doida da cabeça e que se desse uma merda muito grande ele seria o primeiro a se ferrar, então passou às suas mãos gordinhas um saquinho negro com ervas que garantiu ser veneno mortal, mas que na verdade não passavam de um potente laxante. Pelo menos essa merda não respingaria em sua reputação... Soraia saiu de lá contente da vida.

Homem descasado, Cleofas costumava ficar no escritório até oito da noite. A desculpa era a de evitar o tráfego, mas o que sentia mesmo era desânimo de voltar para a casa vazia e ficar lá olhando para as paredes. O dia seguinte seria o da exposição do chefe, o estresse andava altíssimo. Foi então que tocou o telefone, era Roberta cheia de conversa mole o convidando para ir a sua casa. A idéia o agradou, nunca havia acontecido nada entre eles até então, Cleofas fez todo o trajeto imaginando uma série de cabeludas aventuras sexuais, se complicou para encontrar o lugar, mas a moça já o esperava no portão. Entrou pelo quintal de terra batida trazendo a pasta e afrouxando a gravata, a casa era humilde daquelas que começou térrea e foi virando sobrado e prédio conforme a necessidade do crescimento familiar. Sua entrada foi saudada por cachorros vira-latas e olhares curiosos de portas e janelas, algumas outras pessoas vieram o cumprimentar o que o constrangeu e fez perceber com desânimo que a visita seria muito mais social do que sexual como ele imaginara.

Soraia preparou o “chá venenoso” e chegou bem cedo no trabalho, foi direto para a cozinha onde sua presença causava sempre um certo desconforto, rapidamente as duas serventes do matutino saíram para fazer qualquer coisa longe da bruaca que, curiosamente, ostentava uma expressão de contentamento muito incomum, cumprimentando todos com simpatia. Antes assim. Para evitar confusões e para sorte de Soraia, as garrafas de todos os setores eram nomeadas. Assim que ficou sozinha despejou todo o veneno na bela garrafa térmica azul com o nome Dr. Cleofas. Sueli já estava no escritório quando as garrafas de café foram sendo distribuídas, como sabia que o amigo ficaria fora o dia inteiro no tal do seminário de gestão passou a mão na garrafa dele antes que algum outro esperto o fizesse e foi tomando. Lá pela hora do almoço teve que ir embora pra casa desesperada porque tinha passado a manhã inteira no banheiro, literalmente, fazendo xixi pelo lugar errado!

O romance entre Cleofas e Roberta jamais haveria de decolar, especialmente depois daquela visita conturbada à casa da moça. O advogado percebeu o quanto sua presença a deslumbrava e o perigo de se permitir ser “eternamente responsável” por aquela conquista, se fosse só para ter uma transa informal de vez em quando até valeria a pena, mas ele sabia que a coisa não seria assim, somava-se a isso o quadro todo daquela noite infeliz: o estômago queimando, o menino com a bola colorida, aquele casebre humilde e a música dos filhos de Francisco. Era demais para sua sofisticada sensibilidade burguesa, quase saiu correndo de lá e a partir de então não deu mais pelota pra moça. Só muito tempo depois, quando Roberta percebeu o afastamento como definitivo e passou a cobrar a devolução do livro, é que resolveu comprar um novo que achou em promoção por vinte reais e Sueli quando soube fez questão de pagar.

Todos buscaram novos caminhos em suas existências sentimentais; uns com mais sucesso, outros com menos. Sueli mesma arrumou um caso que estava deixando todo mundo intrigado: flores chegavam, cartões apaixonados telefonemas misteriosos e coisas do gênero. Cleofas não deu muita importância pra novidade, mas um dia o computador da amiga travou e ela resolveu usar o do advogado para checar suas mensagens, de repente percebeu que já era mais de meio dia e dizendo que tinha combinado de almoçar com “uma pessoa” saiu desembestada. Cleofas foi checar suas mensagens também, sentou na frente do computador e mandou abrir o Hotmail, para sua surpresa caiu direto na página de recados de Sueli. Lembrando do tal caso misterioso, ficou curioso e resolveu bisbilhotar, ficou pasmo com o que leu:

Como vc é linda! Como te desejo!! Quero te jogar, te imprensar na parede e te beijar muito. Tô pouco me f... se as pessoas vão ficar olhando, desde eu esteja do seu lado. Obrigada pela noite maravilhosa no Bailão do Pedro, obrigada pelo carinho, obrigada por me fazer tão feliz!! Quero tirar sua roupa, abrir devagar cada botão, a sua... na minha mão! Bjo meu amor, te amo.

Soraia.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

INCLUA-ME FORA DA MÚSICA DE CONCERTO!

Tem coisas que só acontecem com meu amigo Fabiano Mayer e que parecem brincadeira. Fabiano, para quem ainda não sabe, é um violonista de concerto muito talentoso, tem disco gravado, livro editado e vários vídeos postados no youtube demonstrando sua arte. Professor efetivo da Faculdade de Música do Espírito Santo; montou também uma escola no limite de Santa Lúcia com a Praia do canto para, entre outras coisas, receber os alunos mais específicos da música dita popular. Para promover as aulas fez uns panfletinhos (flyers?) de divulgação, não demorou e bateu um fiscal no estabelecimento. Olhando sério para a recepcionista disparou:


- Tenho duas coisas para dizer aqui, primeiro: esta frase “não jogue este panfleto em via pública” foi impressa numa fonte menor do que é o estabelecido por Lei, portanto estou multando esta escola em trezentos e tantos reais. – Destacou o recibo da multa, enfiou na mão da menina e continuou. – Segundo: sempre quis aprender a tocar violão e estou aqui também para me matricular. - É o que eu chamaria de fiscal musical, da próxima vez já pode multar em prosa e verso, cantando e tudo o mais.


Daí que um dos alunos ou admiradores de Fabiano resolveu colocar dois vídeos dele no youtube tecendo alguns elogios até exagerados; num destes, o violonista apresentava uma versão instrumental bastante complexa de uma canção da igreja católica muito cantada na Festa da Penha. Sabe-se-lá como, alguém disse que a música era de um antigo cantor capixaba chamado Carlos Bona e assim foi creditado no youtube. A surpresa veio quando um cara - e parece muuuuito ter sido o próprio Bona dando uma de fake - achou ruim a menção, dando a entender que Fabiano estava usando o nome do cantor para se auto-promover(!) Hein?!!! Alguém de vocês por aí lembra quem é Carlos Bona? Bom, eu sim e a memória - especialmente a musical - não é das mais relevantes; desculpem a franqueza dessa afirmação que - admito - beira a grosseria.


No início dos anos oitenta, de carona com o boom da última grande fase da Música Popular Brasileira, antes do Brasil mergulhar na deliciosa onda BRock, havia aqui um grupo de cantores e compositores que se tornaram re-conhecidos: João Pimenta, Guto Neves, A Banda Woops, Lula D’Vitória e Carlos Bona, entre outros. Todos desenvolveram um trabalho autoral interessante, porém, com as intrigantes limitações capixabas nunca replicaram o sucesso local no resto do país. Com o passar do tempo foram aparecendo cada vez mais raramente na mídia, de vez enquanto encontro com Guto e Lula por aí, fazendo compras no horti-fruti ou em alguma Secretaria de Cultura, mas de Carlos Bona eu nunca mais tinha sequer ouvido falar.


Daí me pegou de surpresa aquele comentário mal humorado no vídeo do Fabiano e pensei: quem esse cara pensa que é? O Roberto Carlos? Indignado saí em defesa do amigo com uma resposta casca grossa, tachei o cara de brega e o caralho. Depois me arrependi, vi que tinha exagerado e atualizei a coisa para o eufemismo “ultra-romântico” que me parece ser mais acertado. Justo? O público que julgue, se alguém conseguir resgatá-lo da memória; não que a culpa seja dele, é que o nosso estado nunca a teve, pelo menos até hoje. Achei apenas curiosa a preocupação do sujeito em querer evitar a divulgação do nome de “seu ídolo” na companhia da nossa Filarmônica, de Maurício de Oliveira e do próprio Fabiano Mayer. Será que se fosse o Calcinha Preta ele teria achado bom? Como diria o pessoal do Muquecada: desconfiamos.


Veja o video, leia os comentários e ajude a aumentar essa confusão... Vem aí a parte III do conto PERSEGUIÇÃO!




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terça-feira, 21 de julho de 2009

BOM PRA CACHORRO: PERSEGUIÇÃO - Parte II.

Foi só depois da patética tentativa de suicídio de Roberta que o coordenador geral da repartição resolveu levar a sério os chiliques da moça e aceitar seus pedidos para ser colocada à disposição em outro lugar. Soraia fez de tudo para não se ver privada do prazer de torturar diariamente seu objeto de desejo favorito, mesmo porque a infeliz caíra na real dos singelos caprichos de sua libido e passara a olhar com o mesmo nojo que criança olha um prato de buchada. Eita! Por outro lado, em sua obsessão, a bruaca caiu em desgraça junto aos demais companheiros de trabalho, especialmente seus sisudos e hipócritas superiores. Essa coisa de chefe ficar dando em cima de subalterno não teria sido bem vista nem se ela fosse homem, imaginem o desgosto em ter que lidar com essa situação constrangedora, só não foi parar direto no olho da rua porque era competente e seria difícil arrumar outra pessoa de confiança para colocar imediatamente em seu lugar. Mas sua batata foi pro forno e por lá ficou assando...


Do térreo Roberta foi parar no terceiro andar do prédio e sentiu como se estivesse realmente subindo na vida. Tudo era novidade e deslumbramento, lá em cima estava instalada uma parte da elite da repartição, logo, percebendo suas limitações intelectuais, a colocaram para atender ao telefone e tirar xerox. Foi lá que a moça se aproximou do doutor Cleofas, um cara cobiçado na parada, apesar de não ser propriamente o que se chamaria de galã. Era um homem maduro de seus quarenta e tantos anos, relativamente bem sucedido e, mais importante e melhor de tudo: recentemente separado. Roberta rapidamente sucumbiu a uma paixonite retumbante capaz de fazer inveja a qualquer virgenzinha pré-adolescente, em contrapartida era solenemente ignorada. O homem passava, muito alinhado e simpático, carregando pastas e livros jurídicos. “Ele gosta de ler!” Pensou a menina, já era uma maneira de tentar se aproximar. Enquanto isso o sujeito não dava a mínima para aqueles grandes olhos castanhos que piscavam em sua direção.


Muitos de vocês considerariam Cleofas um verdadeiro leviano, um sem vergonha completo, um safadão. A crise da meia idade o enchera de cuidados e preocupações com a imagem, tinha vergonha de ser alvo de mexericos e falatórios, especialmente no lugar em que trabalhava. Bastante observador para essas coisas mundanas, no primeiro dia que viu Roberta “se arreganhando” para seu lado, já sabia tudo o que de uma boa sacanagem podia advir daquele sorriso amigável. Porém, também sabendo da fama de complicada e destrambelhada da garota ficou com os dois pés atrás. A última coisa que queria era uma biruta dando escândalo dentro da repartição por sua causa, preferia mil vezes não comer a passar o vexame. Mas a moça entrou numa de o conquistar, fez até apostas com as novas colegas, afinal, não estava correndo sozinha no páreo.


Na sala vizinha a de Cleofas trabalhava uma desquitada chamada Sueli que era provavelmente a mais antiga interessada em passar-lhe o rodo, desde quando casado ela já arrastava a asa pra seu lado, passado o divórcio infeliz os convites para tomar uma cervejinha depois do expediente se intensificaram. Com o passar do tempo e a convivência diária ficaram mais amigos do que amantes, não era nada, mas já era algum “negócio de coisa”. Eram amigos, mas não tinham nada em comum: nada. Cleofas odiava dançar, achava ridículo tanto ver quanto se imaginar fazendo. Desconfiado aceitou o convite para ir à casa da colega comer uma pizza e tomar vinho, sua rápida passagem foi marcada pelo ataque sistemático e estrambótico de um pequeno cão chihuahua chamado Ziza que latiu, lambeu e até urinou em cima da visita. O bicho realmente fazia justiça à alcunha de batismo!


A verdade é que Cleofas rezava na cartilha do lobo mau, também escolhia suas conquistas pela idade do rebanho e nisso Roberta se encaixava direitinho. Apesar das idas e vindas infelizes, a doidinha não tinha mais que vinte anos mal vividos. Pela mesma razão, as investidas da balzaca Sueli nunca sequer fizeram cócegas no imaginário sexy do cara. Após a súbita e dolorosa separação – sua mulher fugira da cidade com o palhaço do circo - passou uma fase de pegador enferrujado e conseqüentemente patético: saiu para as noitadas, bateu com o carro doidão, deu derrame na própria conta, se apaixonou, sofreu e fez sofrer. Mas, como diria Nietzche: “o que não mata engorda!”


Roberta resolveu dar uma de ousada e abordar Cleofas diretamente. Interpretando seu hábito de ler como uma ponte entre os seres normais; resolveu oferecer emprestado - fazendo um certo ar de quem lê comumente - um exemplar do recém-lançado e sucesso absoluto “O Código da Vinci”. O estômago do homem fez reviravoltas só à visão daquela capa vermelha, símbolo de consumo inútil e alienante. Difícil explicar, mas o intelectualismo voraz de Cleofas passava longe do que se poderia considerar como up to date, as novidades não o interessavam, muito ao contrário: detestava-as. Por outro lado, aquela era para ele uma situação bastante inusitada: uma garota jovem e relativamente bonita lhe oferecendo o empréstimo assim de um livro, coisa que ele relutava em fazer aos melhores e mais confiáveis amigos; não aquele livro, evidentemente, aquela obra tinha para ele o mesmo valor de um saco de pipocas ou de um picolé derretendo na praia.


Aceitou o empréstimo sorrindo galantemente, agradecendo com gentileza à oferta, afinal, ele nada pedira e ela nem perguntara se o assunto o interessava. Tentou – e acreditou ter conseguido - não deixar transparecer nem uma ponta de todo o desprezo intelectual que aquela “literatura” despertava, alguns de seus colegas ficariam ofendidos com a oferta de algo do gênero, seria como insinuar que eram uns bundões aculturados. Para a ingênua Roberta, aquele livro era uma parada chique, uma coisa que o doutor Cleofas gostava e pronto. Claro que para ela o livro era bom, não estava todo mundo comprando e comentando? Iam até fazer um filme e parece que o Tom Hanks estaria no papel principal. Doutor Cleofas ia pagar o maior pau pra ela, aliás, era o que a moça realmente esperava...


Apesar de ser um advogado mais cioso de seu estofo intelectual do que de sua carreira propriamente dita, Cleofas acabou lendo o Código inteirinho. Dois dias em momentos de ócio ululante foi o bastante para dar cabo da história. Achou até bem escrito, ágil e movimentado como fora um filme de ação mesmo, chegou a imaginar a deliciosa afronta de tecer elogios àquela porcaria em seu meio sofisticado e esnobe. O Código ficou esquecido em cima da mesa de trabalho no meio da papelada. Sueli que estava sempre rondando o escritório do amigo viu o livro encostado e perguntou se podia o ler o que ele concordou desinteressadamente, apesar de saber muito bem que não se deve jamais emprestar coisa dos outros. Foi só depois de muito tempo cobrando a devolução que veio à tona a triste sina do best seller: o desgramado do Ziza tinha, literalmente, devorado a porra do livro!


Conclui no próximo capítulo.

domingo, 19 de julho de 2009

PERSEGUIÇÃO

Também entre os diabos há livros de duelos,

porque o autor que o fez é filho de vizinho do inferno.

Guevara, O Diabo Coxo.


O que chamava atenção em Roberta é que ela tinha grandes olhos castanhos, quando piscava parecia coisa de desenho animado japonês ou retrato de alguma cocote francesa. Não dava pra dizer que era uma garota bonita, a juventude talvez fosse sua aliada momentânea - Talvez? Muito provavelmente eu diria – Os homens mais velhos têm o costume de classificar suas conquistas apenas pela idade, não importando muito a beleza ou que possuam quaisquer outros atributos femininos desejáveis. Falam para os amigos com orgulho - “rapaz, to pegando uma menina de vinte e dois anos!” - como se só isso já bastasse pra dizer que a garota era linda, gostosa, rica e divertida. Inteligente? A maioria dos homens que conheço não consideram a inteligência feminina um pré-requisito necessário - ou mesmo desejável - para as coisas do amor, mesmo porque, como diria minha mãe: “a amizade só é possível entre iguais”.


Roberta tinha os cabelos curtos e estes eram castanho escuro e lisos, caiam para o lado de seu rosto e se limitavam à altura do pescoço, creio que chamam esse corte de Chanel. Era uma garota alta, de longas pernas, mas sua principal característica, aquela que se evidenciava logo de cara a todos, era a falta de auto-estima. Em sua juventude e relativa exuberância atraía a fina flor da escória que freqüentava a repartição em que trabalhava. Era freqüentemente assediada por “Seu” Adílio, um senhorzinho de pouco mais de meio metro, aposentado, desses que adotaram a agiotagem como passatempo. Do entorno complicado de seus cálculos financeiros, de seus pequenos olhos de ave de rapina, tudo o que ele via no mundo tinha um preço e podia ser comprado; a questão sempre se resumia a valer a pena ou não bancar a aventura. Roberta era tão tímida e rastaquera que declinou de suas investidas com vergonha ao invés de indignação, suas colegas de trabalho – porque nestes lugares onde pouco se faz e acontece, muito se comenta e fuxica - é que disseram o diabo do velho, em pouco tempo até na calçada em frente ao prédio, onde todos iam fumar, já se comentava o fato com virulência dando surgimento até a coisas que nunca aconteceram. Mas algo ainda pior estava por vir.


A chefe de Roberta se chamava Soraia e foi das que mais se indignou com o episódio envolvendo aquele agiota escroto. “Velho sem vergonha” repetia ela entre os dentes quando o sujeito aparecia, magrinho e cara de pau, para destilar suas propostas indecentes à moça. A mulher só faltava pular em seu pescoço para o esganar. Percebendo a falta de forças emocionais de sua subordinada para escapar às investidas daquele abutre, resolveu ela mesma colocar o velho pra correr proibindo a entrada de pessoas estranhas na repartição. Roberta ficou muito agradecida, passou a ver a chefe como uma espécie de anjo da guarda pessoal, logo estavam almoçando juntas todos os dias, trocando intimidades de mulher. Soraia era uma dessas mocréias sólidas e redondas, um barrilzinho que explodia com facilidade, mas com a subordinada, vítima do mundo e suas mazelas, ela era só atenção e mimos. Sempre ouvia atentamente as queixas da moça sobre o marido problemático de quem ela já se separara inúmeras vezes, o filho de três anos que sofria de alguma doença mental e depois dava conselhos maduros e opiniões que a moça considerava muito inteligentes. Carente e ingênua, passou a idolatrar a chefe, uma mulher forte que vencia terríveis tempestades com facilidade e tratava os grandes de igual para igual. Esse foi o bom período que houve entre as duas.


Como Roberta era uma moça meio apatetada, seu elástico marido vai-e-vem, um policial violento e problemático, vivia aprontando de tudo o que se possa imaginar. Chegava em casa doidarásso quebrando as poucas coisas que tinham, depois a moça descobria seus casos pela rua, sofria, chorava, levava o problema para o trabalho o que logo se tornava o principal assunto de fofocas exageradas durante semanas. Soraia aconselhava a protegida a despachar o vagabundo para sempre. “Coloca esse moleque pra correr! Tire esse encosto de sua vida menina! Você ainda é jovem e bonita, tem que arrumar coisa melhor!” Roberta chegava em casa disposta a colocar em prática os conselhos da chefe, só que na primeira vez que juntou as coisas do malandro para colocar na escada do lado de fora da casa, tomou um sacode tão violento quanto inesperado que até baixou hospital.


O barraco desta vez tinha ido longe demais, a família de Roberta – moravam todos em um pequeno prédio num bairro pobre da periferia - entrou na refrega conjugal e conseguiu espanar o policial encrenqueiro da casa onde moravam, da qual ainda falarei melhor mais a frente, ameaçando o denunciar na delegacia da mulher e o caralho a quatro. A moça estava livre de um problema, mas logo apareceu outro: o medo da solidão. Ruim com aquele traste imprestável, pior estava sendo ficar sem ele. A moça começou a alternar momentos de euforia, em que fazia inúmeras bobagens, seguidos de depressão e ressaca moral. Mais chororô no trabalho, mais exposição pública de suas mazelas pessoais, mais junto dela a chefe se achegava. Soraia oferecia o ombro à sua preferida, chamava pra dançar no Bailão do Pedro, até que um dia, depois de uma dessas noitadas, Roberta perdeu a carona e acabou dormindo na casa da grande amiga. Não vou entrar em detalhes, até porque eu não estava lá, mas no fumódromo comentava-se com muito espanto que a chefe, até então uma mulher razoavelmente considerada por todos, tinha partido pra cima de Roberta a fim de ter com ela algo que nunca nem passara pela cabeça da garota.


Como todos podem bem imaginar, depois desse dia a coisa pegou entre as duas no trabalho. Roberta tomou um pavor homofóbico da chefe e esta, quanto mais rejeitada, mais obcecada ficava em devorar aquele petisco que lenta e secretamente vinha cevando fazia meses. Que triste situação: o marido encrenqueiro, o filho doente e a amiga tarada por ela. Logo a moça mergulhou na melancolia, ao mesmo tempo em que Soraia se dava conta de que a tão desejada putaria não ia rolar jamais. Do alto do pedestal jogou então sua santinha na sarjeta; passou a perseguir implacavelmente a antiga protegida: num dia o esporro comia por causa de uma bobagem, no dia seguinte era por conta do contrário. Agora, tudo o que a moça fazia a irritava, sua própria presença melancólica e digna de pena era irritante ao extremo. Se isso fosse possível, ela mesma teria abreviado o sofrimento daquela infeliz. Enquanto isso Roberta definhava a olhos vistos, tinha muita vergonha de dizer abertamente para todos qual era a verdadeira origem de seu problema com a chefe. Quando alguém perguntava o que estava acontecendo ela balbuciava um acanhadíssimo: “nada não”. Foi por essa época que a idéia de “acabar com tudo” finalmente tomou conta de seus pensamentos tristonhos...


Pior que continua...


quarta-feira, 15 de julho de 2009

RAPIDINHAS CULTURAIS

Alguém aí tá sabendo que hoje é dia do homem? Só descobri porque os(as) Moquecas twittaram. Fui pesquisar, mas, como é natural nesses casos, as informações são poucas e desencontradas, afinal, ficar comemorando dia não é coisa de macho! Eu sou homem sim cara, por quê? Cê tá duvidano do quê xará? Qué levá uma bifa!?!


Bom, mas vai daí que eu não vou, na Avenida Paulista resolveram fazer uma homenagem aos homens instalando uma parada para ver a quantas anda a saúde do macho brasileiro... Como diria José Simão: É o país da piada pronta. Fala sério cara. Enquanto em seu dia as mulheres recebem flores e homenagens, a proposta dos paulistas é examinar a próstata da rapaziada. Hummm, mas que implicância...


***


Tô só escrevendo pra zoar com vocês e convidar para o concerto da Orquestra hoje no Theatro Carlos Gomes. Aliás, já fico até com medo de convidar, porque os amigos chegam lá na hora da apresentação, não encontram mais lugar e depois vêm reclamar comigo. Então não vou convidar ninguém não, vou só dizer que o programa é imperdível e rezar para eu também conseguir entrar.


Vem um maestro convidado lá do Canadá, o que, a princípio, não quer dizer nada, mas o capixaba enquanto índio botocudo valoriza essas coisas importadas mesmo sem entender as sutilezas de um acorde de “dó be fá”. Vai ter solista também, o pianista Giulio Draghi, professor da UFRJ. Então no repertório vamos ter a primeira sinfonia de Prokofiev, conhecida como “clássica”, o segundo concerto para piano e orquestra de Shostakovich e a primeira sinfonia de Mendelssohn. O concerto é no Carlos Gomes e começa oito da noite.


Como a entrada é franca – e eu acho ótimo que seja – os ingressos têm se esgotado rapidamente. A Secretaria de Estado da Cultura os disponibiliza na bilheteria do Theatro do meio dia em diante e quem não pode ir ao centro nesse horário acaba ficando a ver navios. Mas o problema não é a forma e a distribuição gratuita dos ingressos: é a constatação de que o nosso simpático e valente Theatro Carlos Gomes não é mais suficiente para o público de concerto da Grande Vitória. Acho isso tudo uma maravilha, mas, enquanto o “Cais das Artes” não sai do papel que tal pensarmos em uma solução?


***


Outra parada boa pra convidar os meus chegados: amanhã (16 de julho) é aniversário de 154 anos da Biblioteca Pública Estadual do Espírito Santo. O prédio foi totalmente reformado faz um tempo e o ambiente tornou-se acolhedor e bacana. A gerência está por conta de Rita de Cássia Maia que tem em sua equipe, entre outros, o poeta Sergio Blanc e o escritor Reinaldo Santos Neves. Mas então vai acontecer a partir das sete da noite uma mesa redonda sobre a história da Biblioteca Estadual com o historiador, poeta e etc Fernando Achiamé e a participação de meu amigo Joca Simonetti. A programação acontece no auditório da Biblioteca Pública. Endereço - Avenida João Batista Parra, 165. Praia do Suá, Vitória. Tels: (27) 3137-9351 / (27) 3137-9349


segunda-feira, 13 de julho de 2009

ATRÁS DO MURO NO DIA INTERNACIONAL DO ROCK

Hoje é o dia internacional do Rock, 13 de julho, tô aqui ouvindo Rolling Stones só pra homenagear. É também aniversário de um grande amigo meu, o Bené, flautista da Orquestra Filarmônica, especialista em chorinho, mas que num tem nada a ver com o assunto. Pesquisando pela Internet descubro que a data foi estabelecida após o Live Aid de 1985. Uma parada bacana armada pelo maluco do Bob Geldof, aliás, ator principal do filme The Wall.


A primeira vez que vi essa “Ópera Rock” foi no Cine Glória, que hoje está lá sendo reformado. Fui com Ingrid Vervloet (pronuncia-se Verfluit) uma linda amiga, já há tempos falecida, e outras garotas da turma. A coisa mais incrível com relação a essa produção é a sonoridade atemporal do Pink Floyd nesse disco gravado no final da década de setenta. É um mistério como essa música nunca me soou datada e envelhecida como aconteceria com o Dark Side of The Moon e inúmeras canções que inundavam as rádios da época.


Saí do cinema na maior deprê quando vi o The Wall pela primeira vez, aquela história angustiante e baixo astral fez mal à minha sensibilidade de adolescente ainda cheio de ilusões românticas e sonhos fomentados pelo pacote de mentiras sociais daquela época. Respeitar e ser respeitado, compreender e ser compreendido e, sobre tudo, amar e ser amado. Tempos depois descobriria que o amor romântico ocidental, a compreensão e o respeito que se tem pelas pessoas são coisas baseadas em status social - o lugar que cada um tem dentro dessa sociedade -, mais do que na valorização de máximas cristãs.


O tempo foi passando e lá pelas tantas assisti o The Wall outra vez, lançaram a parada em vídeo com o natural estardalhaço e nossa galera se juntou para uma degustação estrambótica. Nessa época eu atravessava o auge da minha fase contracultureira de maluco beleza que achava tudo uma merda e que o roquenrou ia nos salvar daquela vidinha medíocre capixabesca, que nem os Beatles acharam um dia que o mundo ia ser salvo pelo amor. São tantas ilusões, já dizia “Sir” Robert Charles do alto de seus sessenta e tantos anos de sucesso.


Falando nisso e abrindo até um parêntesis: já tinha que ter dado esse negócio de homenagem ao “Rei”, né não? Confesso que devo ter gostado da “música” Robertocarlesca em algum lugar dos anos setenta, um pequeno enfante então, ouvindo “eu voltei agora pra ficar” e coisas do gênero. Depois, no auge da fase do metal, tornamo-nos inimigos do Rei, detratores de suas canções bregas, caretas e exageradamente doces, o que certamente não deve ter feito muita diferença, a não ser para seu braço direito, “O Tremendão”, vítima de latadas e vaias incessantes durante a realização do primeiro Rock in Rio, também em 1985.


Um dia desses conversávamos sobre o assunto e chegamos à conclusão que, mais do que o sucesso na música, Roberto Carlos é um grande exemplo de superação, um brasileiro que não desiste nunca. Imagine só: o cara conseguiu sair de Cachoeiro - que nos anos sessenta ainda nem devia ter aeroporto - foi pro Rio de Janeiro (no que fez muito bem, porque se viesse pra Vitória não teria dado nada certo) e conseguiu se tornar o maior ídolo da música popular brasileira; isso tudo sem uma das pernas. Cara! Robert Charles é Phoooddaaaaaa!!!


Uma das coisas que a gente mais detesta ouvir dos pais e pessoas de mais idade é: quando você crescer você vai entender. Ou então: na sua idade eu pensava assim também. Porém, só hoje compreendo as coisas que me perturbaram quando vi o The Wall pela primeira vez e admito que era mesmo muito inocente para saber do que o roteiro realmente se tratava. Eu não imaginava que a vida podia nos reservar tantos sofrimentos assim, eu nada sabia sobre a dor do abandono e o desejo de auto-isolamento que podemos ter quando feridos profundamente. O verdadeiro Rock’n Roll se diferencia dos outros estilos musicais justamente por essa preocupação de seus representantes em expor suas feridas, mais do que a felicidade aparente e artificial de festas de arromba e amadas amantes.


Ainda sonho, até mesmo quando durmo, em alcançar uma música que pudesse expressar a mais completa indignação com as mazelas sociais de nossa sociedade e que também fosse veículo de idéias positivas, como acredito conseguir fazer em meus textos escritos. Enquanto não volto ao mercado musical, deixo a árdua tarefa para esses tantos velhos e queridos amigos. Vou é pegar o meu já antigo DVD do The Wall para o rever essa noite. Quem sabe não consigo simplesmente usufruir o roquenrou em paz, pairando acima de toda essa insanidade e até do bem e do mal que as coisas do mundo nos faz?

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O POP DO REI MORREU?


O rapazinho aí resolveu homenagear Michael Jackson e inverteu as budegas. Me lembrou de um comentário que li uma vez - acho que do Jabor - sobre a letra de uma música de Claudinho e Buchecha. No afã de gastar um inglês a dupla cantava "e com você fica tudo blue", pra representar a felicidade que o brazuca sente com o azul do céu, dia de sol e praia, essas coisas. Ocorre que lá pros gringos o "Blues" é sinônimo de tristeza, uma especie de fossa pra gente. Então, como disse o cronista, na onda de se expressar em uma língua que desconhecia a dupla não conseguiu se fazer entender em nenhuma, exatamente como o caso desse menino pintoso aí que afirma estar de luto pelo "pop do rei".

terça-feira, 7 de julho de 2009

FLAGRANTES DE HIPOCRISÍA ONLINE...


Da famosa série "me engana que eu gosto", um flagrante tomado em fartas goladas pelas noitadas da ilha. Infelizmente - para quem quiser conferir in (mutcho) loco - não podemos revelar que o bar e restaurante fica ali no Hortomercado.

A moral da parada é a seguinte: Bebida é prejudicial a saúde, a família e, - se te pegarem dirigindo - ao bolso e, principalmente, à reputação. Afinal, se o cara sair doidão por aí fazendo merda corre o risco de ir parar naquele programa novo, é isso mesmo, o "Balança mas não sobe".



PROJETO “VITÓRIA VIOLÃO IN CONCERT “

A partir do dia 12 de julho o violonista Fabiano Mayer vai realizar uma série de nove recitais solo, levando para o espaço público a tradição dos grandes concertos.


O projeto se chama “Vitória Violão in Concert” e conta com patrocínio da Lei Rubem Braga, as apresentações terão entrada franca e acontecerão nas principais igrejas e capelas da cidade de Vitória onde se encontra um ambiente acústico favorável a este tipo de atração cultural. A primeira apresentação acontecerá na Basílica de Santo Antônio (conhecida como Santuário) a partir de oito da noite.


O violão é o principal instrumento solista Latino Americano, no Brasil é um dos mais importantes legados de nossa colonização e naturalmente possui raízes profundas na cultura do Espírito Santo, especialmente na cidade de Vitória que se construiu debaixo dessa influência portuguesa. Desta herança musical surgiram instrumentistas fundamentais ao desenvolvimento do violão, como é o caso de Maurício de Oliveira. O músico Fabiano Mayer honra e dá prosseguimento a esta tradição capixaba.


Apesar do violão ser um instrumento musical muito popular - e estar tão intimamente associado à cultura latina desde os tempos de Dilermando Reis, Augustin Barrios, e Vila Lobos - o grande público raramente tem oportunidade de travar contato com as chamadas “composições eruditas”. É muito comum encontrar em qualquer roda de amigos dois, ou mesmo três, bons tocadores de violão, mas isso, seguramente, não quer dizer que a música composta para este instrumento seja bem difundida, o violão paira absoluto no âmbito da música popular. A Proposta do projeto “Vitória Violão In Concert” é levar para o povo essa música - por muitos considerada elitista - democratizando a cultura, despertando novas platéias e novos instrumentistas.


Fabiano Mayer é um músico de currículo extenso: Bacharel em Música e Pós-graduado em educação foi maestro da conhecida Orquestra de Violões do Espírito Santo e leciona na FAMES desde 1994. Estudou nos Estados Unidos e Europa, participou também de Festivais e Palestras em todo o Mundo. Além de Violonista Concertista, Fabiano Mayer tem se apresentado com o grupo experimental denominado “Fabiano Mayer Instrumental Acústico” Grupo esse que vem obtendo sucesso de público e critica. Tem um CD gravado em duo de violões gravado em 1998 com o parceiro Moacyr Teixeira. Em 2006, lançou o “Livro Primeiro de Violão” e em 2007 o “Manual Prático de violão”. Seus livros têm sido adotados por professores de violão em todo o território Nacional.


VITÓRIA VIOLÃO IN CONCERT – SERVIÇO

Recital solo de Fabiano Mayer

Local: Basílica (Santuário) de Santo Antônio.

Dia: 12 de julho de 2009 (Domingo)

Horário: 20h

Endereço: Avenida Santo Antônio, 2030. Santo Antônio. Vitória/ES

Entrada Franca

sábado, 4 de julho de 2009

VIVA MARIA!


Olha mãe, com a publicação deste seu texto aí em baixo quase premonitório, quase uma despedida, encerro essa homenagem que quis fazer à sua memória. Outras pessoas queridas estão me escrevendo e me telefonando para lembrar de você e estou combinando com elas que chegou o momento de falar mais sobre o que aconteceu, então vou publicar aqui a opinião dessas pessoas também. Descanse em paz sabendo que hoje somos muito felizes graças ao amor que você nos deu e quando somos tristes é somente pela falta que você nos faz.


Com amor e carinho, Juca Magalhães.


Bom dia Juca,

Li A Gazeta de hoje e passou um filme em P&B na minha mente... engraçado pensar nos anos 70 sempre em P&B... acho que é um reflexo dos anos negros que a ditadura militar provocou na vida brasileira.


Quando falo de Maria Nilce, falo de uma guerreira que enfrentou a todos, se impôs pela inteligência, pela irreverência, que tanto assustou a sociedade dos homens pelo simples fato de verem uma mulher falar, escrever e assinar no rodapé da página o que muitos deles precisavam ouvir, ler e saber, e suas mulheres submissas engoliam em seco por serem totalmente dependentes deles.


Sua mãe foi uma revolucionária, uma pioneira do movimento feminista na sociedade capixaba. Ela demonstrou com sua capacidade de iniciativa, que a mulher podia e deveria sair da beira fogão, largar a vassoura na varanda, levantar da cama cedo e ir à luta, batalhar por um ideal, por um lugar ao sol e entrar nos ambientes "dominados" pelos machos de plantão, que eram muitos e compunham as altas posições nas empresas, nas redações, nas instituições e no governo. Falo de sua mãe, da mulher que saiu lá de Timbuí e conquistou um espaço que incomodou os acordos da fraternidade, igualdade e liberdade existentes naquela época. Quando falo de sua mãe... falo com orgulho de ter sido "genro" dela no ano de 1979, por ter convivido com Fernanda, Milla, você, Paloma e Melissa (e Melissinha). Lembro de ir com a Fernanda na loja Artes Del Peru, de onde sua mãe comandava como uma deusa inca a luta do império contra os "invasores espanhóis". Maria Nilce foi julgada e condenada em sessões plenas de pôquer... em rodadas amargas de uísque... mas cumpriu com louvor a sua missão e, mesmo sendo avisada que seria impossível, ela foi lá e fez.


Em Vitória falta muita coisa... falta segurança, falta saúde, falta educação, cultura, futebol (qual time de Vitória está da 1ª à 4ª divisão do futebol brasileiro?)... mas falta acima de tudo, dignidade para reconhecer os nossos heróis... Maria Ortiz é uma heroína por jogar baldes de merda nos invasores franceses... e Maria Nilce foi uma heroína por jogar baldes de merda no crime organizado. Faltam praças, ruas, avenidas, monumentos e escadarias com o seu nome >>> MARIA NILCE MAGALHÃES.

Um forte abraço.

Flávio Salles


***


Oi Juca,


Só hoje leio com calma seus desabafos reais e inteligentes.Estou com voce mais uma vez...vamos rezar, vamos orar por essa gente podre que comanda ainda a criminalidade capixaba.Tenho também pensado muito nos crimes sem solução e os endemoniados impunes...e, assim vamos vivendo mais dias; mas tenho certeza que os que aqui fizeram pagarão mais cedo ou mais tarde.


Estou fora do país, e lhe envio um grande abraço.


Atenciosamente, Gracinha Neves.


***


Fala JUCA, e ai tudo bem?

Fico triste em saber sobre o dia 05 , isso são mais algumas das impunidades da nossa justiça e dos nossos Hipócritas.

Abraços de Sergio Borgo

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Vergonha mesmo Juca!
Me solidarizo com você. Cada dia fico mais desencantado com as pessoas.
Um abraço e muita força.


Helder Trefzger


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Juca,

Belíssimo esse texto da sua mãe. Comovente mesmo. Um duplo parabéns pra vocês. Para sua mãe, pelo texto. E para você, por o ter resgatado e o enviado a nós seus amigos. Valeu. Um forte abraço.

ALVARITO MENDES FILHO

***

Bela homenagem meu querido. 20 anos se passaram para você finalmente abrir o seu coração e dizer para o mundo que também é de carne e osso. Foi-se o silêncio da juventude, chega o grito do filho homem órfão de mãe. Agora que você já desabafou, descanse em paz. Maria está onde devem estar todas as Marias, enquanto as pessoas que tramaram a morte dela, com certeza estarão onde devem estar os pobres de espirito.

Grande abraço e boa semana!

Bibinho "Dr. Rock"

***

Juca,

Acompanhei todos os textos que escreveu sobre sua mãe... Infelizmente a justiça é comprada, mas com certeza os "grandões" do nosso estado leram ao menos um desses textos que você escreveu sobre a morte de sua mãe; como ela mesma disse "quando eu morrer, uma parte de Vitória também morrerá", não vamos deixar isso assim! Continue lutando pelo nome de sua mãe e pode contar comigo.

Jorge Luiz Pontini Carretta


05 DE JULHO DE 2009 - 20 ANOS DA MORTE DE MARIA NILCE MAGALHÃES!!!


  A PAZ QUE A MORTE NOS TRAZ
Texto escrito por Maria Nilce, poucos meses antes do brutal assassinato que a vitimou

Leio nos jornais que Dina Sfat morreu às sete e trinta da manhã em seu apartamento do Leblon (no dia 20 de março de 1989), ao lado de suas três filhas. Leio também que o seu corpo foi envolto num lençol imaculadamente branco e encomendado através dos rituais judaicos.

Houve um tempo em que a morte me assustava de uma maneira tão terrível que chegava a perder o sono. Quando meu irmão Milton morreu, com apenas quarenta e poucos anos, fiquei tão descontrolada que, pela primeira vez na vida, tive que frequentar um psicanalista. E ele então me disse que o que me apavorava não era a morte de meu irmão, mas sim pensar em minha própria morte. Naquela época fiquei com vontade de fazer muitas coisas que nunca tinha feito antes, tomei porres horríveis e um dia peguei o carro e fui embora... 

Eu não queria voltar mais.

Hoje, vejo que tudo isso mudou. É incrível como há mutações no decorrer de nossas vidas, como nós nos parecemos com a natureza que ora está de uma maneira, ora de outra.

Hoje, a morte já não me aterroriza. Não uma morte da maneira serena e bela como foi a de Dina Sfat. Ao lado das filhas, numa manhã que mal acabara de despertar, com o sol de final de verão ainda forte, mas já mais ameno, entrando por uma janela cuja cortina ficou mal fechada.

Morrer numa manhã ou numa tardinha cujo crepúsculo botou tons rosas no poente deve ser lindo.

Morrer depois de ter vivido, amado, sofrido, feito coisas, deixado coisas para que outros se lembrem. Morrer com dignidade, aceitando aquele dormir eterno como uma coisa racional e lógica como é o nascer.

Morrer deixando ideais que serão seguidos quando nada pelos filhos. Morrer deixando um rastro de coragem, de fibra, de dignidade em todos os lugares por onde se passou... Isto é bonito.

Eu sei que um dia vou morrer tragicamente(!), mas se o destino me deixasse escolher, gostaria de ir assim, serena e tranqüila, ao lado dos meus filhos, de preferência num crepúsculo de prata, onde todas as pessoas e todas as coisas se acalmam, se estreitam, se entrelaçam e tudo fica mais doce... 

Até a própria morte.
22 de março de 1989


Jornal do dia 06 de julho de 1989 anunciando a morte de Maria Nilce

CALMA - MAIS UM TEXTO DE MARIA


Foto gentilmente retocada pelo amigo Dino Gracio


CALMA


Eu preciso ter calma.


Eu necessito de calma.


Mas a vida está exigindo cada vez mais pressa. Temos que correr cada vez mais, senão o tempo nos engole e quando a gente vê tudo já passou.


Uma oportunidade perdida hoje poderá acarretar uma grande desgraça para o futuro. Por isto eu aproveito todas as oportunidades. Mas eu queria ter calma.


Queria, por exemplo, acordar de leve e ficar mais um pouquinho na cama. Minha mão tocaria o botão do rádio e eu ficaria ali escutando uma musiquinha gostosa; quem sabe na voz de Vinícius, Chico Buarque ou Frank Sinatra.


Depois queria ter calma para poder tomar um banho gostoso. Nada de pressa. Curtir meu corpo com a água escorrendo, esfregar os cabelos com calma, vestir uma roupa bem transada sem pressa alguma.


Ah... Eu queria poder sentar num lugar e ficar olhando o “couché de soleil” silenciosamente, sem pensar nesta doideira de vida, nesta correria, nestas datas pré-estabelecidas, nesses compromissos que me esperam e que eu tenho a responsabilidade de cumpri-los.


Queria passear, neste verão tão bonito cujas manhãs convidam a uma praia ao nada fazer e às tardes convidam a ficar papeando a troco de nada, dizendo bobagens, comendo caranguejo.


Ah! Essa calma que eu preciso e que eu tanto queria está cada vez mais distante de mim, porque eu engrenei um trem da vida que não dá mais para pisar no freio.


O negócio é correr a cento e quarenta.


Mas eu queria ter calma.


2 de fevereiro de 1989.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

EU RESISTO - TEXTO INÉDITO DE MARIA NILCE MAGALHÃES

Bem amigos, muito já escrevi sobre os vinte anos da morte Maria Nilce Magalhães. De hoje até domingo estarei compartilhando com vocês três textos inéditos dela, espero que ajude a desvendar um pouco dessa figura lendária de nossa cidade, que hoje é, infelizmente, mais lembrada pelo crime que a vitimou do que por sua produção literária.



EU RESISTO


Lendo um depoimento de uma pessoa sobre Vitória me senti a própria cidade, especialmente quando ela diz que gosta de Vitória porque ela resiste. E eu sou como esta cidade...

Tá assim de gente invejosa e cheia de ódio querendo acabar comigo e eu resisto. Fazem macumba, mulheres infelizes que gastam seu tempo jogando biriba e falando mal de mim, porque reunião de “doncoca” para ser boa mesmo tem que ser metendo o pau em Maria Nilce.

Já tentaram me prender, tentam negar o meu valor, mas eu continuo de pé, resistindo e oferecendo sempre a todos meu otimismo, a minha vontade de vencer, a minha “filosofia de vida” que é: “no final dá tudo certo” ou “não há noite sem aurora”.

E eu faço parte dessa cidade hoje, como suas ruas, seus monumentos, suas praias e suas praças. Eu sou Vitória, amada por muitos, agredida por outros, mas jamais alguém poderá ser indiferente a nós duas. Eu aqui virei mito, fiz história.

Sou temperamental, sou incoerente, sou voluntariosa. Sei de todos meus defeitos e gosto deles, porque só as pessoas muito fortes podem assumir publicamente seus erros. Eu não escondo nada, daí o ódio mortal dessas mulheres frustradas, velhas inúteis, que nem identidade própria tem. São filhas de fulano de tal ou são mães de fulano de tal.

Que coisa mais triste a pessoa morrer e alguém dizer: “Morreu a mulher de fulano de tal”.

Quando eu morrer, morrerá um pedaço de Vitória, porque eu faço parte desta cidade, eu sou esta cidade, até nas pedras que lhe atiram, mas que não a destroem jamais.

Escrito por Maria Nilce em 30 de agosto de 1986