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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

CORRESPONDÊNCIA ELEKTRÔNICA ZIG-ZAG


Estava procurando umas coisas aqui em casa e me deparei com um texto que fiz em 2003 para a jornalista Veruska Seibel - que na época assinava a coluna Zig-zag – puto da vida que fiquei com uma foto que ela tinha publicado afirmando que homem ligava pra moda, porque a sunga tradicional havia desaparecido nos últimos verões. Resolvi contar pra ela a historinha bacana que segue:


SERÁ A MODA UMA FORMA DE DITADURA?


Não foi com muita alegria que eu e meus colegas da época (a maioria tirados a surfistas) saudamos a chegada da sunga em nossas praias, falo - por quê qui-lo - das sungas anos oitenta e não daquelas geringonças de super-homem que usavam as pessoas mais velhas. Nosso descontentamento vinha - como acontece com adolescentes - carregado de preconceito, porque no início daquela década o Fernando Gabeira apareceu com a famigerada tanguinha considerada trés indecente e, guri, você sabe como é: cheio de paranóia, quer chamar atenção só que sem pagar mico. A maioria da galera compartilhava a opinião de que sunga era coisa de gay e ponto final, o mais indicado para a categoria era o então chamado “calção de surf”.


Foi só pro final dos anos oitenta que acabei aderindo à sunga, por sinal, graças a uma sacação meio sexual que tive. Estava em plena onda de saltar de para-quedas e naquele outono fazia um calor dos diabos. Em dias assim, a piscina do aeroclube da Barra do Jucu virava o “point” onde a galera se reunia. Nos dias de saltos e atividades da equipe rolava também muito churrasco e cerveja, dependendo do estado do motorista era bem mais perigoso voltar dirigindo pra casa (a terceira ponte ainda não havia sido inaugurada) do que efetivamente se jogar de cabeça de um teco-teco em movimento.


Em um desses dias carcomidos pelo tempo, enquanto rolava a maior atividade na piscina do aeroclube, eu estava de fora porque não tinha lembrado de levar o meu calção. Os amigos insistiam pra que eu participasse da bagunça de qualquer jeito.


- Pega um calção ahê emprestado com alguém! - Procurei, mas ninguém tinha. Até que um dos colegas, que estava com a perna engessada, falou:

- Cara, eu sempre trago minha sunga pra dar um mergulho, mas com a perna desse jeito não vai dar mesmo... Se você quiser usar...

- É muito pequena? – Perguntei desconfiado.

- Que nada... - Não pintou outra alternativa, fui no banheiro e vesti a sunga que acabou servindo; porém fiquei que nem menino arteiro depois de aprontar: todo escabreado. Fui chegando junto da galera me sentindo “à vontade” como se estivesse peladão de tudo. Sentei na borda da piscina, perto de uma garota que estava tomando sol estendida em uma canga. Fiquei batendo os pés na água até que falei.

- Cara, tô morrendo de vergonha com essa sunga. – Sem nem mudar a posição da cabeça ela falou.

- Eu achei que você ficou um gato. - Não bastasse o elogio disparado à queima roupa, percebi na fala dela uma onda sexy que nunca tinha me passado pela cabeça de mulher ter, ainda mais pra cima de mim e que reparar e desejar o corpo das pessoas não era bem uma exclusividade da homarada. Obviamente, daí pra frente adotei oficialmente a sunga como “roupa de praia”.


Deixando essas memórias bizarras de lado, vamos dar um salto até o momento em que pintou o tal do sungão.


Quando chegou dezembro de 2002, eu não agüentava mais a encheção de saco de minha mulher contra a minha velha e valente sunginha. Seus argumentos entravam por um ouvido e saíam pelo outro sem a mínima cerimônia. Só resolvi tomar uma atitude mesmo quando outras pessoas começaram a perguntar se aquela sunga não era a mesma de outros anos, etc... Eu, que nunca reparo neste tipo de coisa, achava muito ingênuo que ninguém reparava também. Como estava errado, dei a mão à palmatória e, por mais que a missão não me agradasse, fui às compras em busca de uma substituta à altura da minha velha sunguinha.


Procurando evitar a muvuca do Shopping Vitória, ainda mais em tempos desesperados e aflitos de final de ano, rodei o Centro da Praia, onde, aliás, tinha adquirido a tal da sunga. Fui, inclusive, na mesma loja e o que encontrei? Um tal de Sungão. Uma enorme e colorida coleção de sungas largas e esquisitas que estavam sendo lançadas com estardalhaço. Tomado pelo pânico falei pra vendedora.


- Não tem mais aquelas sungas normais? - Ela pareceu surpresa com minha pergunta, e com um certo ar professoral de indiferença respondeu:

- Não moço. A moda agora é este tipo de sunga. – Atordoado ainda respondi, que nem uma criança em frente a um prato de buchada.

- Mas eu não gosto desses sungão. – Desdenhosamente a moça me lançou uma maldição.

- É moço, você vai ter dificuldades neste verão.


Daí pra frente rodei mais umas dez lojas (boutiques?) atrás de uma sunga pelo menos semelhante à que eu estava acostumado a usar e nada. Só encontrava o diabo do sungão e explicações idem: - Agora a moda é essa. - Fiquei puto. Então é assim? Lançam uma nova moda e o resto que se dane? Aquilo era extremamente grave, quase a volta da ditadura. Já pensou se, por exemplo, aquela moda de homem usar saia tivesse pegado e, de repente, ninguém mais conseguisse comprar calças? O pior era a expressão incrédula estampada na face dos jovens vendedores das lojas que visitei, como se eles não conseguissem me classificar como incrivelmente antiquado, ou simplesmente gay. Não sabiam se o que eu queria era a tanguinha do Gabeira, ou o calção do super-homem. E eu não queria nenhuma das duas coisas.


Finalmente cansei. Já tinha rodado a rua Aleixo Neto toda e não estava mais com saco de procurar nada, estava resolvido a mandar todo mundo cuidar da vida e continuar usando minha boa e velha sunguinha. Foi só com muita insistência de minha mulher (que resolvera fiscalizar a minha “via crucis”) que entrei na última loja, já desenganado, pra fazer a derradeira tentativa. E não é que lá achei uma sunga que me atendeu? Não era tão legal como a outra, mas dava pro gasto. Acho que comprei aquela só pra acabar com o sofrimento, fui vencido pelo cansaço, o que é uma merda para um consumidor nada consumista.


Portanto e mais um pouco, cara jornalista, não se apresse tanto a alardear a volúpia do macho com relação à moda, porque, na verdade, quase todos os que conheço acham comprar roupa um saco! Deveria era se denunciar essa ditadura infeliz, que nos obriga a vestir o que dá na cabeça dos outros como se isso fosse uma coisa muito natural. Espero não ter tomado seu tempo tanto assim (se é que você leu até aqui este textículo), desculpe o desabafo. Quem sabe não nos vemos algum dia destes em Manguinhos? Mas, seguramente, sem sungão!


No dia 24 de fevereiro ela me respondeu com a mensagem acima agradecendo o email, disse que tinha morrido de rir com o texto e que meu comentário ia virar uma nota de resposta... Que eu saiba isso nunca aconteceu. Então para sanar essa injustiça publico aqui na Lektra para deleite de vocês que estão entediados em casa com tanta chuva nesse feriadão desinfeliz.


Beijo do coiso!


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