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domingo, 18 de outubro de 2009

MISSÃO DADA É MISSÃO COMPRIDA!


Quinta passada apresentei um evento sacudido que teve como atração principal uma palestra “motivacional” com o Secretário de Segurança Pública de São Gonçalo, uma das cidades mais violentas do Rio de Janeiro. Bom, mas o palestrante não era qualquer um, era nada mais nada menos que o “Capitão Caveira” Paulo Storani, do famigerado BOPE (Batalhão de Operações Especiais) e um dos principais colaboradores da equipe que realizou o controvertido filme Tropa de Elite. Storani se envolveu na produção desde a concepção do roteiro, dando entrevistas, contando suas lembranças e as histórias mais marcantes do período em que atuou em situações críticas de violência no Rio.


Quando Zé Padilha estava com sua produção em fase de preparação, Storani foi convidado para colaborar, desta vez realizando a seleção e treinamento dos atores que iam participar das filmagens, seguindo sua linha dura adotou os mesmos padrões que estava habituado. Perguntado sobre qual atores ele achava que deveriam ser chamados respondeu: divulgue que haverá a seleção e vamos ver o que aparece. Para entrar no BOPE o aspirante não é convidado, é voluntário e selecionado entre os que se candidataram à vaga. Com o filme foi da mesma forma que a coisa se deu.


Mais de oitenta atores apareceram para se candidatar às filmagens, o jeito foi peneirar. Storani mandou divulgar aos interessados que haveria um programa de treinamento nos moldes do BOPE - duríssimo - e que as filmagens aconteceriam nas favelas ocupadas pelo tráfico, geralmente de madrugada e que não haveria moleza para senhor ninguém. Debandou a maioria, ficaram 24 aspirantes e destes somente 21 chegariam a participar realmente das filmagens. Ainda bem, porque o número anterior estava mais para a tropa do BOFE de Elite do que qualquer outra coisa!


Nesse meio tempo Wagner Moura - então estrelando a principal novela da Globo - pediu para ler o roteiro e retornou dizendo que queria o papel do Capitão Nascimento. Pelo que entendi na fala de Storani, a equipe ficou lisonjeada com o interesse do ator de maior exposição na televisão nacional, mesmo após saber das regras espartanas que a produção impunha. A presença de Wagner foi vista como certeza de sucesso junto ao povão, especialmente o feminino. O treinamento aconteceu em duas semanas numa propriedade no interior do Rio de Janeiro, região de montanha, inverno. Não houve regalias para ninguém, todos iam e voltavam juntos diariamente em um mesmo ônibus, faziam as refeições em grupo e no treinamento não houve moleza nem exceções à regra. Três atores acabaram abandonando o projeto ainda durante esse treinamento: dois “pediram pra sair” e um teve que ser desligado. Essa foi a história que eu achei mais interessante.


Storani disse que esse ator era um cara de excelente compleição física, porém, errava os exercícios com tanta convicção que induzia quem estava perto ao erro também. Ora, as ratas eram punidas com flexões, corridas e mergulhos numa piscina de água gelada. Logo estavam todos encharcados por causa do “Rambo” desligado e passaram a o evitar. Na volta do treinamento o galerão no ônibus zoou o colega, já colocando em prática a pressão e os ensinamentos aprendidos que despreza os frascos e os comprimidos e persegue implacavelmente um ideal que está para além do melhor impossível. Lá pelas tantas o cara ficou puto e mandou o motorista parar o ônibus em São Conrado desafiando os companheiros a descer e invadir junto com ele a Favela da Rocinha, ante a surpresa e a indecisão de todos saiu desembestado em meio aos carros, chatomóveis, e se embrenhou na favela de selva atrás da Chita ou talvez da banana do Tarzan.


No dia seguinte o maluco não apareceu para treinar, foi encontrado em Copacabana correndo atrás de uma viatura da Polícia Militar, obrigou os policiais a pararem o carro, assumiu posição de sentido e entoou a canção do BOPE. A produção do filme foi informada do problema, foram lá buscar o renegado. Ao chegar na área de treinamento o maluco colocou o uniforme e se jogou na água, perguntado porque estava molhado ele disse que já estava se punindo por antecipação. Resumindo: saiu de lá direto para alguma clínica psiquiátrica. Quando Storani contou essa história, não sei porque, lembrei daquele biruta que participou do programa A Fazenda, Theo sei-lá-das-quantas.


Como eu disse o Capitão Storani é um cara pilhado e exigente, parece um Bernardinho militarizado, nada está bom, tudo pode ser melhorado. E foi aí que eu percebi a confirmação de uma impressão que tive quando vi Tropa de Elite: Wagner Moura não era o cara para aquele papel. Todo ser humano tem suas limitações, o fato de um ator não se adequar a uma personagem/pessoa não é culpa dele é só que, às vezes, uma certa pegada é necessária e a forma de se evitar isso é na seleção. Mas como rejeitar um ator hiper famoso e que participou dos treinamentos, não se portando como o astro global que todos temiam?


O Capitão foi só elogios à pessoa do Wagner Moura: um baiano excelente, muito bem fisicamente, um sujeito humilde; ocorre que para dar vida ao Capitão Nascimento é preciso muito mais do que aprender a manejar um fuzil e fazer cara de mau. Wagner Moura se revelou um cara muito zen e, pra piorar, estava super feliz porque tinha acabado de ser pai, abraçando todo mundo com os olhos cheios d’água. Storani pensou: “arrumamos um problema” e passou o recado pra produção. Mas fazer o quê? Mandar o astro do filme ir embora? Resolveram arrancar a fórceps/psicológicos uma espécie de Capitão Nascimento de dentro daquele monge budista.


Trancaram o ator com o Capitão Storani em uma sala e este caiu matando no que ele chamou de pressão psicológica, precisava descobrir se algo irritava aquele baiano pasmaceiro. O Capitão Nascimento era uma personagem de pavio curto, uma pessoa que acorda sem saber se vai chegar vivo ao final do dia, Wagner era só felicidade. O resultado dessa sessão de terapia ficou famoso, o ator explodiu com um murro e quebrou o nariz de seu treinador que enfim se deu por satisfeito: Nasceu o Capitão Nascimento! O diretor do filme ficou preocupado, Storani tinha machucado a mão do astro: o que o sindicato dos atores ia dizer? Enquanto isso o Capitão respondia: pô bicho meu nariz tá quebrado...


Fazer um homem pacato explodir em um acesso de fúria é algo possível, mas transformá-lo em um militar, um soldado belicoso obcecado com o cumprimento de sua missão, é outro papo. O que vemos na maioria dos filmes de ação são caricaturas grosseiras de homens invencíveis, os Rambos e G.I. Joes. A performance do protagonista de Tropa de Elite não arruinou seu resultado, longe disso, mas minha intuição diz que, como eu, Storani teria convocado outro soldado para cumprir a missão dada. Boa mesmo foi a palestra do Capitão, porém a sua motivação não vai ao encontro do desejo de todos hoje: mais do que estarmos preparados para essa terrível guerra civil, queremos a paz. Isso sim é que é missão difícil de se realizar, basta ver o que acontece no Rio agora...


Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Juca,

Adorei o texto que voce enviou hoje, ri a beca, principalmente que esse tipo de cara que voce descreveu e super comum aqui nos EUA. Uma caracteristica do povo americano que eu acho engracada e a de cultuar boot camp, ou seja, treinamento militar. Eu nao sei se as pessoas aqui sao indisciplinadas ou se nao conseguem se impor limites elas proprias, mas o fato e que pras pessoas viverem aqui tem que ser com alguem berrando ordens nos ouvidos deles. Eu tenho horror de disciplina militar porque eu acho exagerada demais, mas tem gente que procrastina tanto que so consegue alcancar seus objetivos se tiver alguem com o chicote em cima, voce concebe isso? Em academias de ginastica tem uma aula que e estilo esse treino militar e fica o professor igual a este capitao que voce descreveu a berrar com as gordas que, coitadas, se esfalfam pra fazer o que ele manda. Eu nao entraria numa aula desse cara nem que o clube me pagasse thousands of dollars, ta sabendo?

Enfim, darling, gostei do teu texto. Keep doing the good work.

beijo,

Milla