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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

DESCONSTRUINDO TOM ZÉ

Radiguet* dizia: “O público nos pergunta se a obra é séria. Eu lhe pergunto se ele é sério” Pois então! As obras geniais exigem um público genial. Jean Cocteau.


No Detran ouvi uma frase a la Nelson Rodrigues hoje de manhã: “todo José é um Zé”. Antes que vocês pensem, não lembrei do Zé da Pizza, lembrei foi do Tom Zé, artista cuja obra nunca conheci e com o qual eu não simpatizava muito por causa de uma impressão ruim que tive numa participação feita no Programa “Nossa Língua Portuguesa” do Pasquale Neto. Pendurado numas barras assimétricas o “cantor” contava uma história sobre Saint-Saëns ou Fauré não terem gostado da música de Stravinsky e toda a cena me pareceu coisa de gente pretensiosa que quer dar uma de quê. Um homem comum – que todos nós somos – se debatendo contra a realidade esmagadora de sua insignificância, mas pensei: bom, isso pode ser só uma impressão.


Tenho um livro que gosto muito, chama-se “Ópio – Diário de Uma Desintoxicação” do francês Jean Cocteau, do qual retirei a epígrafe deste texto e quero mencionar mais um trecho antes de prosseguir: “Detesto a originalidade. Eu a evito o mais possível. Para empregar uma idéia original é preciso tomar grandes precauções para não se ficar com jeito de quem botou roupa nova.” Pois foi essa a impressão que tive e que me desagradou na figura do Tom Zé, mas - sei lá porque - resolvi dar uma segunda chance pro cara. Peguei o filme “Fabricando Tom Zé” para assistir. Um verdadeiro tour de force pra tentar colar nesse baiano de Irará a alcunha de “gênio”.


Tem uma parada estranha aqui no Brasil: qualquer um por aqui que faz algo diferente (coloca roupa nova) é logo incensado por uma parcela da crítica e dos intelectuais de boutique como gênio. Nos últimos tempos foi assim com Chico Science, Zeca Baleiro e especialmente nesse resgate do Tom Zé que andava sumido e foi redescoberto pelo músico David Byrne da ótima banda de rock Talking Heads. Pois não é que o Tom Zé, em meio a sua verborragia pseudo-humilde, disparou a seguinte frase: “o Rock não é música Brasileira, é música americana traduzida pro português.” Ai, ai, ai... Se juntar Alceu Valença com esses três últimos “gênios” nacionais já citados, não vamos encontrar com o que fazer um Raul Seixas, aliás, parodiando Mozart** se é que vocês me dão essa licença.


Esse tipo de frase é pra mim coisa de gente mal resolvida, saca? Como o Marcelo Nova em um show do Camisa de Vênus aqui em Vitória, que ficou menosprezando os caras marombados falando que eles tinham o pinto pequeno. Como é que é isso? Falei no Alceu Valença porque ele atacou ferozmente o Rock Brasil com essa conversa de música de gringo, justamente quando as novas bandas viraram mainstream nos anos oitenta desbancando essa leva de nordestinos que haviam tomado conta do pedaço: Fagner, Zé Ramalho, o próprio Alceu e companhia. Até parece que só os ritmos nordestinos são música brasileira. É como dizer que Villa Lobos não fazia música nacional só porque compôs várias obras em estilo europeu. Quer dizer então que a poesia de Arnaldo Antunes, Cazuza e Renato Russo é gringa? Bem que os aculturados da “iú-és-séi” queriam...


O filme Fabricando Tom Zé, por retratar um músico, é curioso em vários sentidos. Não tem nem uma canção inteira, apenas trechos de velhos melismas do agreste e agogôs na lixadeira, numa tentativa tanto vã quanto insistente de tentar demonstrar a tal da criatividade. Destas a pior foi na hora em que o cantor mostra sua idéia “genial” de gravar a dita “Aria da Quarta Corda” - terceira suíte orquestral de Bach, segundo movimento - em ritmo de bossa nova e ficam insinuando que aquilo é uma inovação. Ora, primeiro que esta melodia batida que a gente ouve em tudo quanto é casamento já foi transformada em samba canção faz tempo (Amigo é Pra Essas Coisas – Aldir Blanc e Silvio da Silva) e segundo que até a Ave Maria de Bach/Gonoud já foi gravada em ritmo de pagode e nisso tudo, amigo, transborda apenas um tremendo mau gosto.


Tem outra hora que o cantor reclama que o povo francês não gosta que se fale a sua língua erradamente e tacha logo de frescura de gente rica, de europeu metido a besta. Bom, eu penso que quando a gente vai visitar a casa de uma pessoa, a própria educação nos convida a respeitar os costumes do anfitrião, tentar impor nossa vontade é, no mínimo, grosseria. Pois foi o que Tom Zé fez – por ingenuidade e não provocação, fosse assim até estaria desculpado - e tomou uma tremenda vaia. Ficou recitando a letra traduzida de sua música num francês dolorosamente rocambólico, lendo em um tosco pedaço de papel, a platéia ficou ofendida. Até lembrei dos manés da banda Scorpions no Rock In Rio de 1985 cantando Cidade Maravilhosa com sotaque espanhol, que coisa deprimente... Xiráriiii mahavirióssa xêa decantos miiirrr. Aquilo beirava a zoação de nosso terceiro mundismo e a platéia ainda aplaudiu, se tivessem alguma auto-estima teriam vaiado também.


Antes de acabar o filme ainda foi documentada uma tremenda baixaria com um técnico de som no prestigiado Festival de Montreux na Suíça. Tom Zé partiu pra cima do cara - que mal falava inglês quanto mais baianês - gritando: Ôoo é uma porra cara, é uma porra! Assim mesmo, macho pra caralho, vixe mãinha! Nessa hora ficou patente todo o drama desse artista inseguro, que por anos se sentiu menosprezado por todos, e o mal que faz a um cara amargar por tanto tempo o ostracismo, parece que o medo de ver ruir o castelo outra vez o atormenta e persegue como um fantasma. No frigir dos ovos e no espocar da sibilina, ficou a impressão de que, ao invés de genial, o Tom tem muito mais de Zé do que suspeita a nossa vã filosofia... E ainda fez um filme inteirinho para o provar.


* Raymond Radiguet (1903-1923) foi um precoce escritor francês, seu livro "O Diabo no Corpo" causou polêmica e alcançou sucesso. Morreu com apenas vinte anos vítima de febre tifóide.


** Diz-se que um músico foi procurar Mozart, feliz da vida, porque havia encontrado um erro em uma partitura de Haydn e, depois de muito encher o saco do compositor austríaco, acabou tomando essa: “escute aqui meu amigo, se juntar eu e você não vai se encontrar com o que fazer um Haydn.” Em tempo: Haydn tinha o prenome de José (Joseph) o que, não necessariamente, o faz ser um Zé também...


2 comentários:

Anônimo disse...

Só pensei que eu iria comentar e dizer um grande tema, não é o código por si mesmo? Realmente parece excelente!

Anônimo disse...

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