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sexta-feira, 16 de novembro de 2012

UM POUCO DE ENGENHARIA MUSICAL

Recentemente a imprensa de Vitória-ES deu destaque à história de Rony Chagas, o chamado “pedreiro pianista”; um jovem trabalhador braçal que “despontou” para o mundo porque aproveitava suas horas de folga para dedilhar as 88 teclas na residência em reforma de uma advogada no centro da cidade. O fato foi tratado pela mídia como algo assombroso e peculiar, mas curioso mesmo foi o interesse da população em torno do assunto - afinal, inusitado “ma non troppo” - enquanto os tópicos mais acessados são geralmente sobre fofocas de famosos e sangrentos casos policiais.  
 
Pois o blog do ITC tem para contar uma história de transformação social mais profunda e contundente: a trajetória do maestro e professor do projeto Canto na Escola, Elias Salvador, que começou a vida trabalhando como mecânico e abandonou as “repimbelas e parafusetas” para se dedicar profissionalmente à regência em canto coral. O professor Elias termina no final do ano o curso superior de licenciatura em música pela Faculdade de Música Maurício de Oliveira - FAMES, com um trabalho escrito sobre suas descobertas musicais e o resultado alcançado em seu trabalho com as crianças da EMEF Governador Lindenberg, em Barro Branco na Serra.

Elias Salvador em meio aos alunos e outros músicos em concerto recente.
 
Blog do ITC: Vamos começar por onde?

Elias Salvador: (Tímido) Não sei... (Risos).

Blog do ITC: Você tem quantos anos Elias?

Elias Salvador: Faço trinta em março do ano que vem.

Blog do ITC: Você começou a estudar música onde, quando e por quê?

Elias Salvador: A influência da música na minha vida foi dentro da igreja Assembleia de Deus. Meus pais são evangélicos e eu comecei a aprender lá, cantando, tocando bateria, depois violão.

Blog do ITC: Quantos anos você tinha quando começou a tocar violão?

Elias Salvador: Foi aos doze anos de idade.

Blog do ITC: E quem te ensinou?

Elias Salvador: Eu tenho um irmão músico autodidata que toca muito bem, mas ele não tem conhecimento teórico como eu tenho hoje. Não lê música, mas é um grande profissional, o nome dele é Daniel. Ele tanto compõe quanto toca, faz letra, toca bossa nova, ele é muito bom mesmo pra música, mas de ouvido. E hoje ele é empresário em São Paulo, a música é só um hobby pra ele.

Blog do ITC: Mas pra você não...


Elias Salvador: Eu, aos dezenove anos, quis realizar meu sonho que era aprender a ler partitura. Porém, todos que eu procurava para aprender não me ensinavam. Na realidade eu sempre tive vontade de mexer com música então a minha irmã Eliane entrou no coral da CST (Hoje ArcelorMittal Tubarão)...

Blog do ITC: A família é grande então?

Elias Salvador: É grande, somos oito filhos e eu sou o caçula. E minha irmã me levou para cantar no coral com ela. E quando eu entrei no coral da ArcelorMittal Tubarão foi uma mudança na minha história, eu já sabia ler música, tinha feito um ano de teoria musical na minha igreja. Então fiquei cinco anos no coral, tive essa vivência musical e foi lá que eu me encantei pela música profissional mesmo, de querer fazer coral. Então passei a ensaiar o coral da igreja, comecei a tocar o saxofone lendo partitura...

Blog do ITC: E isso só olhando o trabalho do maestro Adolfo Alves e de Alice Nascimento?

Elias Salvador: Foi a minha referência e inspiração, eu, praticamente, ia aos ensaios pra cantar, mas também para aprender. Observava tudo, os detalhes da regência a condução do ensaio e foi isso que me deu esse “feedback” para fazer igual na minha igreja e depois o desejo de cursar também uma faculdade de música... Eu trabalhei como mecânico na ArcelorMittal Tubarão e lá todo mundo me falava pra fazer uma faculdade de engenharia mecânica, porém eu sabia que se um dia fosse fazer uma faculdade seria de música, porque é o que está no meu sangue. Eu gosto muito de música. 

Elias (1° à direita) com parte da equipe do projeto Canto na Escola, tendo ao centro a maestrina Alice Nascimento

Blog do ITC: E sua família achava o quê disso?

Elias Salvador: É... Tive pouco apoio... Meus pais queriam que eu fosse mecânico mesmo (Risos)... Mas eu sabia o que eu queria pra mim e no dia que passei na Faculdade de Música do Espírito Santo – Fames, falei para o meu encarregado na ArcelorMittal Tubarão: “Eu quero que me mande embora pois quero estudar...” Mas ainda fiquei lá por mais um ano.

Blog do ITC: Você era mecânico de quê, o que você fazia lá exatamente?

Elias Salvador: Mecânico a diesel; consertava caminhão, máquinas...

Blog do ITC: Era uma coisa que te deixava frustrado?

Elias Salvador: Eu não tenho nada contra. Quem está na área de mecânico e não tem curso superior se sente realizado, porque ganha um salário razoavelmente bom e às vezes se acomoda, acha que está “bombando” em ser mecânico. Quando eu fiz o vestibular e passei, eu vi que o meu sonho ia muito além daquilo. Eu hoje me sinto realizado três vezes mais, porque eu fui muito criticado quando larguei a mecânica para trabalhar com música, foi um período muito difícil, mas eu venci aquele preconceito todo e hoje sou realizado. Já até recebi propostas para voltar a trabalhar de mecânico, mas não penso em voltar.

Blog do ITC: Mas como é que você entrou na Fames?

Elias Salvador: Na igreja que eu frequentava tinha uma amiga “Eunice Del Fin” que estava se formando na Fames. Ela foi a pessoa que me informou de quando ia ser o vestibular, então me preparei, estudei muito, me dediquei e passei em décimo segundo lugar no curso superior de licenciatura em música.

Blog do ITC: Como veio então a regência de coral?

Elias Salvador: Quando comecei a cantar no coral ArcelorMittal Tubarão, passei a observar a regência, vendo como eram conduzidos os ensaios, a dinâmica. Da mesma forma como o Adolfo levava os ensaios eu fazia com o meu coral na igreja e a partir de então isso foi me dando a prática da vivência musical, tive muitos erros e alguns acertos e hoje estamos aí.

Sequência de fotos do maestro em ação regendo o Coro Canto na Escola
 
Blog do ITC: No Canto na Escola você é hoje o professor de coral que está a mais tempo, como é essa experiência com a molecada, você já tinha trabalhado com projeto social antes?

Elias Salvador: Eu fui monitor da banda experimentalna Fames, que é hoje a banda jovem. Tudo bem que eram crianças musicalizadas, mas foi uma experiência muito boa. Quando eu comecei a trabalhar no Canto na Escola foi uma experiência fantástica, porque as crianças vão por livre e espontânea vontadepara estudar música. Logo no início eu tive um embate, porque elas estavam muito bagunceiras, iam lá pra fazer bagunça, queriam brincar e cantar uma música só, não queriam aprender música.

Blog do ITC: Como é que você fez pra controlar essa turminha que era mais “barra pesada”?

Elias Salvador: É difícil, você tem que realmente ter “cartas na manga” pra você conseguir dominar...

Blog do ITC: O que você fazia?

Elias Salvador: Eu conversei com nossa assistente de coordenação, que era a Ana Claudia, perguntei se podia tomar minhas decisões e tive todo apoio. Então comecei a enviar bilhete para os pais falando do comportamento ruim dos filhos, outros eu levei para a coordenadora e aos poucos eles foram entendendo que o que eu queria fazer era uma coisa muito séria, um coral de fato. Daí uns começaram a cobrar dos outros e hoje eu já tenho esse retorno deles. Se algum faz bagunça os próprios colegas chamam a atenção, dizem que estão ali para aprender. O meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) está sendo feito com os meninos de Barro Branco.

Coro formado pelos alunos do projeto Canto na Escola em Barro Branco na Serra, posando para a posteridade.
 
Blog do ITC: Qual é o tema?

Elias Salvador: Canto Coral no Ensino Fundamental: percepções desta prática sob a ótica dos alunos coristas.

Blog do ITC: E como você fez, com entrevistas?

Elias Salvador: Sim, primeiro foi feita uma redação onde eles falaram do que fazem, o que gostam, como é a vida deles. Falam da relação da família deles com a música, a relação deles com a música também. Muitos escreveram que o professor tem que cobrar mesmo, porque se ele não cobrar os ensaios viram uma bagunça só. Então eles mesmos já sabem, já reconhecem, que é preciso ter alguém para colocar limite.  

Blog do ITC: Quem é que está te orientando nessa pesquisa?

Elias Salvador: É o professor e doutor Alessandro da Silva Guimarães. 

Blog do ITC: E quando é que termina e você se forma?

Elias Salvador: Agora no final do ano (Dezembro 2012).

Blog do ITC: Boa sorte então Elias e muito obrigado pela entrevista.

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