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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O SEXO COMO NARRATIVA E ESTÉTICA



O mundo é cheio de prazeres fugazes transformados em mercadoria, pequenas coisas empolgantes a princípio e completamente insuportáveis minutos depois. Lembro de uma frase do livro “O Melhor do Mau Humor” - aquela ótima compilação do Ruy Castro – atribuída à escritora Erica Jong que fez fama com um romance erótico (termo que estava na moda e agora soa caretásso) chamado “Medo de Voar”... Jong falava sobre a experiência de ir ao cinema assistir filmes pornográficos e antes que essa afirmação pareça muito estranha é preciso relembrar o período:

Em meados dos anos 1970, alguns “produtores” arriscaram grana e a reputação de atrizes semi-famosas transformando pornografia em arte cinematográfica. A maioria era de “películas softcore”, as tais eróticas, como o famoso Emanuelle (produção francesa de 1974, faturou uma fortuna ao redor do planeta), outras “hardcore” traziam o pacote completo: nu frontal, sexo oral, penetração etc. É dessa época o bastante escandaloso e divertido “O Diabo na Carne de Miss Jones” (1973) e, entre muitos outros, talvez o mais presente na lembrança: “Garganta Profunda” (1972).
 
Pois é, em épocas anteriores ao videocassete, DVD, internet e outras modernidades inclusivas digitais pornográficas, as pessoas se arrumavam todas bunitinhas, sem nenhum (com algum) pudor, e iam ao cinema ver uma hora e tanto da boa e velha “sacanagem”, os tais filmes com “sexo explícito”. Imagine o que isso fazia com a libido dos mais desavisados! Pois o efeito podia ser bastante inesperado, vide a tal da frase da autora americana:

 “Minha reação a filmes pornôs é a seguinte: nos dez primeiros minutos, quero correr pra casa e trepar; depois de vinte minutos, nunca mais quero trepar na vida.”

De uns anos pra cá vem renascendo esse movimento de incluir sexo de verdade no cinema, os diretores franceses e os italianos são recorrentes no enfoque natural das ditas “práticas ancestrais de acasalamento” e o dinamarquês Lars Von Tries anda roubando a cena. Desde a época do movimento Dogma 95, com o seu maluquíssimo “Os Idiotas” (Idioterne, 1998) que Von Tries já ostentava os balangandãs de seus atores na telona. Não parecia haver a intenção rasteira de chocar, pelo contrário, parecia querer mostrar que o sexo é uma coisa banal. Não sei se é o que acontece na primeira parte de seu comentado “Ninfomaníaca”, não tive ainda oportunidade de ver...

 
A atual abordagem francesa parece pender para o naturalismo também. O que mais impressiona no polêmico e ótimo filme “Azul é a cor mais quente” (2013), é a habilidade que o diretor teve de transportar para a tela a urgência do desejo sexual entre as personagens (é uma história de amor entre moças). Não há filme da desgastada, repetitiva e lucrativa indústria pornográfica que seja capaz de rivalizar com o que se vê nessa produção. A principal cena de sexo é realmente longa e explícita – na falta de termo melhor - li em algum lugar que levaram mais de dez dias para filmar. Outra característica interessante na cultura francesa, expressa em seu cinema, é a maneira desafetada com que o homossexualismo vem sendo abordado.
 
No filme “Jovem e Bela” (2013), no qual as transas são também bastante realistas, há uma passagem em que a protagonista conversa com o irmão caçula e pergunta casualmente se ele já tem namorada ou mesmo um namoradinho. É interessante notar que o menino não dá a menor pelota ao ser aventada a possibilidade do caso homossexual. De maneira bastante trivial é mostrado que para aqueles jovens o namorico entre indivíduos do mesmo sexo é uma possibilidade. Aqui no Brasil as coisas ainda não são vistas com tanta simplicidade, vide a enorme polêmica que um simples beijo gay causou em uma novela boboca de televisão.

O sexo e o homossexualismo foram temas bastante explorados no passado pelo viés da polêmica, do bizarro, da comédia, na maioria das vezes com a intenção rasteira de fazer escândalo e alavancar bilheteria. O mais interessante no atual momento do cinema europeu é essa tentativa de colocar o ato sexual dentro da articulação do discurso, como elemento da narrativa, crucial para entender a história e desenvolver o drama. Especialmente em “Azul é a cor mais quente”, a pegação das meninas funciona para ilustrar a construção das personagens e sua relação afetiva. Sem esse "recurso” o impacto da história, a sensação de perda e de rompimento, se reduziria bastante.

O cinema de arte, o chamado filme alternativo, sempre atentou contra essas convenções moralistas, mas nunca de forma tão realista e elaborada como a atual. Não são, obviamente, produções que vão agradar a todos. Inclusive, é capaz de agradar a muitos pelas razões erradas. Melhor deixar que as pessoas tenham a escolha de ver e pensar sobre as verdades e as mentiras dentro das relações conjugais e que a força da pulsão sexual está longe de ser retratada nos filmes pornográficos e seus esqueminhas repetitivos. Esse movimento pode ser um sinal de amadurecimento social, do sexo visto não mais pela simples ótica do prazer, mas da dor que pode nos consumir. Vide, para encerrar, o que nos disse o genial Manuel Bandeira sobre o assunto:

“Vou-me embora p’ra Pasárgada!
Aqui eu não sou feliz.
Quero esquecer tudo:
- A dor de ser homem...
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.”

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