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sábado, 25 de outubro de 2014

O PROBLEMA DE TER TANTO E SER TÃO POUCO



O empresário João se intitulava o “Rei do Triângulo”. Na confusão foi abordado pela Guarda Municipal e afirmou que poderia fazer o que quisesse, já que é muito rico. “Sou milionário, fazer o quê? Tenho muito dinheiro, muito mesmo, tenho dinheiro para jogar fora. Sou o rei do triângulo das bermudas, de tudo, do mundo", disse. João e o filho foram conduzidos para a delegacia após usarem um carro de luxo para fechar a Rua 24 horas na Praia do Canto, em Vitória. Após pagarem a fiança de R$ 14 mil, pai e filho acabaram liberados.

TV Vitória
Redação Folha Vitória em 13/10/2014

Qual a graça de ficar rico “bagaráio” e ninguém saber? Desfrutar da riqueza, certo? Porém, o reles mortal quando põe a mão na grana quer gozar também da respeitabilidade comum aos “poderosos”, quer ser tratado como cidadão “vip” e visto como algo – interna e externamente - muito diferente do povo que se espreme dentro dos ônibus e vive a reclamar da chuva.

Uma vez em um restaurante “de ricos” vi um cara fazendo altas grosserias com o garçom, meu amigo Grilo Falante, que vive de destrinchar a cabeça dos outros, comentou que aquilo era atitude de quem já tinha sido pobre e que a proximidade com o passado incomodava. Muita gente é grossa porque não gosta de lembrar quem é. Ficam piores quando descobrem que o toque de Midas não muda isso.

A notoriedade de alguns “famosos” não está ligada diretamente ao dinheiro, mas a certa posição respeitável dentro de uma comunidade, ao acaso de uma beleza estonteante ou um talento raro genial inato. Reunir uma fortuna é algo admirável, especialmente quando honestamente, mas não faz ninguém ser reconhecido na rua. Quem tem dinheiro é porque se dedicou a ganhar dinheiro, e daí? Não é como vencer um campeonato ou lotar um ginásio com gente pagando pra cantar suas canções.

Nos anos 1970 falava-se com desprezo dos “novos ricos”, cujo (cujo?) mau gosto e falta de “cultura” fazia a diversão de quem achava que uma pessoa fina devia saber que o perfume Patchouli tem propriedades afrodisíacas ou que Fellini era um cineasta italiano e não um coletivo de gatos. Enquanto os esnobes frequentadores da high sonhavam em viver na ponte-aérea Paris-Milão, os novos ricos, que o poderiam fazer, organizavam animadas excursões de pescaria e caça na região do Pantanal.

Quando li a notícia do barraco que rolou naquele domingo no Triângulo das Bermudas - que o Cocó outro dia chamou de “Bobódromo” e eu esquecera o apelido, por sinal, bastante apropriado - lembrei dos “novos ricos” e, ao invés da comum indignação moralista, tive pena. A atitude biruta do auto-intitulado “Rei do Triângulo” foi o mais escandaloso exemplo de baixa auto-estima que já vi e olha que inúmeros outros aparecem de quando em vez.

Ironicamente, como geralmente acontece, desejando mostrar seus carrões e atrair atenções positivas como a vergonha alheia - SQN! - o Rei do Triângulo conseguiu exatamente o inverso e ao pagar caro por isso declarou que a renda não era problema. Ficou bem claro que não. O problema é “ter” tanto e “ser” tão pouco. É se debater em praça pública mostrando para todo mundo que, depois de meio século, não fez ainda a descoberta mais besta da vida: a felicidade reside nas coisas simples e não é o dinheiro que a traz.

Quem dera, ao invés de promover barracos bobocas, esses enricados carentes resolvessem usar o excesso de capital acumulado para apoiar algum artista promissor. Infelizmente não vejo ninguém nessa onda, nem mesmo antigos afortunados. Talvez o contato com pessoas humildes, porém mais cultas e criativas, traga à lembrança os dias difíceis e deles apenas queiram distância. Talvez achem errado bancar “a boa vida dos vagabundos” enquanto deram tanto duro para construir suas fortunas...

... Talvez – e infelizmente mais provável - sequer pensem no assunto.

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