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quinta-feira, 21 de maio de 2009

O DEADLINE DOS TROUXAS


Esta semana eu estava pesquisando sei lá o que, quando acabei batendo outra vez no site Intervenções Urbanas - IU. A primeira vez que o visitei foi por conta de uma reportagem sobre a Lei Rubem Braga e percebi que se tratava de um espaço voltado para a divulgação da produção cultural local, especialmente a atual e de um segmento bem específico. Nada contra essa segmentação, mesmo porque, estavam ali reunidas algumas das “coisas”, enquanto pessoas, mais interessantes que surgiram por aqui nos últimos tempos como a Revista Quase e a música da Banda Solana.


Mas fuçando o conteúdo do Intervenções Urbanas me deparei com vários escritos de músicos e profissionais de diversas áreas e resolvi, como diriam os(as) Muquecas, me jogar na leitura. Parei primeiro no Daniel Furlan, porque sempre o achei engraçado, lembra meu amigo Cello Man, cujo humor me lembra Woody Allen, uma veia incomum pra fazer coisa séria soar como piada. Vale a pena ler especialmente suas considerações sobre o barraco que rolou com a Banda Casaca e um outro colunista do site.


Muitos textos me encantaram, especialmente os contos eróticos da Madame D’eu, os quais recomendo com veemência - e demência - para aqueles que andam meio desanimados. Na maioria do que está publicado nota-se a preocupação do artista local em entender seu universo, obter reconhecimento, conseguir sobreviver de sua arte e até descobrir o que é ser capixaba. A maioria fala mal de misteriosas panelas - sejam elas de barro ou não - outros demonstram que já estão militantemente enfiados em alguma, mas que não gostariam de serem taxados de paneleiros, ainda mais com a conotação lusitana da coisa...


Gostei da maioria dos textos, porque vejo que o bolo de gente que discute a cultura local cresceu e o nível da discussão está subindo. Quanto mais gente estiver pensando esse universo, traduzindo suas questões em palavras escritas, mais chance vai haver de solucionar nossos mistérios. Finalmente a comunidade artística local está deixando de apenas reclamar do caos absoluto, para, em uma fase mais amadurecida, meditar sobre suas questões fundamentais.


Como não poderia deixar de ser, em alguns textos achei assunto para tecer dos meus comentários. O músico e produtor Ricardo Mendes, por exemplo, participou da banca que examinou os discos para os editais da SECULT no ano passado e disse que de sei lá quantos projetos só 11 tiveram a documentação aprovada. Na mesma balada puxou a orelha da rapaziada que reclama das coisas, mas não tem organização e são desleixados. Quero contar uma historinha então, não pra defender a incompetência de nossos irmãozinhos, mas pra mostrar que tem hora que as coisas não são bem assim:


No ano passado eu dei entrada no projeto de um romance no edital de literatura da SECULT. A maioria das exigências eram as de sempre, aliás, determinadas por Lei: fotocópias de documentos pessoais, comprovante de residência, nada-constas, currículo, release, três cópias encadernadas da obra sob uma certa configuração etc. Esse meu livro tem quase quatrocentas páginas e rezava o edital que não poderia ser impresso em frente e verso, faz idéia do calhamaço? Estou lembrando agora que eles determinavam um mínimo qualquer de páginas, 250 talvez. Imagine só restringir o tamanho de uma obra dessa maneira...


Consultei um amigo da SECULT que me convenceu a participar, disse que eles estavam pra mudar os critérios, etc. Lá vou eu correr atrás de tudo nos intervalos do trabalho e meus problemas não se resumiam a isso, nesse meio tempo meu pai estava internado no hospital em estado grave. Pela Internet baixei o edital que, no final, trazia três ou quatro formulários de inscrição. Imprimi tudo e segui por ali: tirei nada-constas, preenchi formulários, fiz fotocópias dos documentos pedidos, preparei releases, currículo, o diabo a quatro. Na segunda-feira vem a desagradável notícia que meu padrinho havia falecido...


... E o deadline era no dia seguinte...


Madruguei na SECULT, que ainda era no centro, com um pacotaço de três andares, mais o envelope contendo meus dados, tudo dentro do figurino. De lá teria que ir ao enterro de meu padrinho no Jardim da Paz de Laranjeiras, depois passar no hospital para ficar um pouco com meu pai e pedir que não dessem a notícia da morte do amigo. Perigava ele ficar pior do que já estava. Cheguei na Secretaria de Cultura oito da manhã e toca esperar. A pessoa do protocolo chegou bem “em dia com o seu atraso”, pontualmente às nove horas e me atendeu como se o seu mundo mágico funcionasse em câmera lenta e a velocidade de quem vivia na realidade fosse coisa de trouxa...


No sábado seguinte meu pai encontraria o deadline dele...


Tempos depois a SECULT publicou o resultado dos editais e, para minha desagradável surpresa, meu projeto havia sido recusado por falta de documentação. Sabe o que tinha faltado? Dentro da enorme lista de documentos exigidos, havia unzinho de letra “I” ou “H” que pedia que o concorrente fizesse um texto afirmando ser ele o autor da obra e assinasse. Esse simples texto, que em nada me custaria ter feito, não constava dos formulários inclusos no final do edital e, em função de tudo o que já escrevi, me passara totalmente despercebido. Sabe quantos inscritos no edital de literatura caíram na mesma arapuca? Mais da metade.


Pensei em recorrer e fui convencido da inutilidade do gesto. Bobagem. Mas fiquei pensando. Cara: se você não consegue tirar um nada consta, tudo bem, vai resolver a sua vida. Se você não tem documentos para comprovar quem é, vamos combinar que até pra viajar em transporte público seria complicado. Mas, simplesmente ignorar três andares de documentação que comprovam idoneidade, cidadania e competência, por conta de uma folha ridícula que não prova nada?! Um papel declarando o óbvio e que poderia ser forjado por qualquer imbecil!!! Cara, se isso não se chama “burrocracia” com todas as letras eu desconheço qualquer outro adjetivo, além de incompetência e má-vontade, evidentemente.


Custava pegar o telefone, ou mesmo mandar um email convocando os inscritos que deixaram de incluir esse simples documento? Se todo o resto daquela complicada documentação estava ok, não seria óbvio constatar que alguma coisa estava errada? Mas não, o mais fácil é desclassificar e pronto. Perdeu malandro, perdeu seu trouxa! Estou lembrando agora que o prazo para inscrição nos editais da SECULT 2009 acabou ontem. Hehehehe. Boa sorte para quem está no páreo. Para terminar, uma reflexão: não basta ter panela é preciso colocar alguma coisa dentro dela. Pega essa riminha e faz uma canção. Quem sabe, juntos, a gente não consegue vencer as forças da ilusão...


Um comentário:

Gabriela Galvão disse...

Mérci bocour, caro Juca!

Am... tenho um txt intitulado 'Capixabas e brasileiros" (http://mgabrielagalvao.blogspot.com/2007/12/tenho-falado-mt-do-br-e-fico-eu-e.html) em q penso um pouco este -abençoado- lugar.

Tenho tido vontade de falar mais nisso e o farei.

Sou uma mineiraba em vias de me tornar capixabeira, thank God!