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sábado, 15 de março de 2014

PARA ENTENDER UMA PIADA NO MOMENTO CERTO MESMO QUANDO NO LUGAR ERRADO...



Eu não sei, mas alguém deve saber, onde começou a fama do baiano, enquanto indivíduo, ser o modelo preguiçoso do Brasil. Sei “apenasmente” que um dos principais ícones desse jeitão descansado sempre foi o mestre Dorival Caymmi, como bem relata Arnaldo Jabour: “O letrista compositor e intérprete baiano era conhecido como pai da preguiça. Passava 4/5 do dia deitado numa rede, bebendo, fumando e mastigando. Autêntico marcha-lenta, levava 10 segundos para percorrer um espaço de três metros. Pois mesmo assim e sem jamais ter feito exercício físico viveu 90 anos”. 

Henrique Cazes, em seu livro de causos musicais - “Suíte Gargalhadas” (Ed. José Olympio 2002) – conta que a cantora Cristina Buarque, irmã do Chico, foi a Salvador para algumas apresentações e depois da estréia tomou todas com os sambistas locais. No dia seguinte, estendida na piscina do hotel, amargava uma rebordosa de fazer inveja a Heleninha Roitman. Vendo os coqueiros em volta pensou: “água de coco é um santo remédio pra ressaca”. Chamou um rapaz que lhe mandou o peculiar: “tem não”. A cantora protestou: “Como assim? Olha esse monte de coqueiro!” E o rapaz apenas respondeu: “Ô dona, peça não”...

Encerrados os preâmbulos introdutórios, porque este é o tutorial de uma piada, passemos logo aos “finalmentes”. Domingo passado, tive a honra de apresentar o espetáculo Maria Maria em homenagem ao dia internacional da mulher no Theatro Carlos Gomes. Para quem não sabe, essa é uma produção muito bacana, protagonizada por várias cantoras e músicos da nossa praia capixaba e dirigida pela muito querida Simône “Diva” Devens. A cada ano o espetáculo aborda a obra de um compositor da nossa MPB e a bola da vez agora é o símbolo da baianidade conhecido por cantar a Marina morena e outras mulheres. Vai guardando...   

Baixei e saravei no Teatro no final da passagem de som e fui aos bastidores me inteirar dos detalhes para configurar o meu “script”. Lá me apresentaram a um rapaz muito solícito e explicativo que só não me disse o que e como eu deveria falar, porque isso eu já sabia, mas tem “gente que faz”. Ô se não tem... Em seguida me passou um microfone sem fio já com a luzinha verde acesa e tudo mais. As coxias da direita estavam tomadas por uma espécie de ala de baianas, algumas faziam orações e aparentavam o nervosismo de quem está prestes a pisar num palco importante. Quando finalmente soou o terceiro toque da campainha me dei como ok entendido e nem testei o microfone, caminhei tranquilo e confiado até o centro do palco...

A plateia estava quase lotada, mesmo ainda na penumbra as pessoas já haviam percebido minha presença. Logo veio de cima, do quarto ou quinto andar, um canhão de luz baixando em minha direção e para provar a máxima de que tudo que pode dar errado dá, assim que a luz banhou minha sonora silhueta, fui falar e o som não saiu. Sorri amarelo ovo, dei aquele tapinha no microfone e nada. Olhei de lado, o contra-regra desaparecera, mas não por muito tempo, logo havia um monte de gente correndo pra lá e pra cá e nada do microfone ligar. Nesse meio tempo o iluminador desligou o canhão de luz, aproveitei a deixa e fui saindo do palco de mansinho, as baianas estavam solidárias...

Dos dois lados das coxias os rapazes testavam outros microfones, o show contava com umas dez cantoras e tudo tinha parado de funcionar! No meio da confa ouvi alguém perguntar indignado: “Mas cadê o cara da mesa”? Pois é produção, no “house mix” não tinha ninguém. O “engenheiro de som” devia ter saído para fumar um cigarrinho justamente na hora do espetáculo começar e para impedir de algum futucador vir estragar seu trabalho desligara até o cabo da parede. É curioso como é comum acontecer desses desaparecimentos, não pode ser coincidência.

Depois do pânico e da correria ligaram-se os microfones e volto eu para o palco pensando, o cara de mesa deve ser baiano e foi nessa que me ocorreu a ideia de fazer uma pequena brincadeira...

- Boa tarde pessoal. Vocês viram que nós tivemos alguns problemas com o som, não é? – era possível ver várias pessoas na plateia concordando com o óbvio - Pois sabem o que aconteceu? – Pausa para criar suspense - É que o pessoal da produção descobriu que os microfones estavam ligados no modo Dorival Caymmi...

Quase ninguém riu Lombardi! Apenas uma sonora gargalhada ribombou lá de trás do teatro, era daquelas que o cara ri mais forte ainda quando vê que riu sozinho. Deve ter sido meu amigo Godinho, que vi de relance quando entrei apressado, querendo ser solidário com o apresentador. A ousadia de fazer graça com o homenageado não colou, mas não chegou a ser nenhum vexame. Emendei direto no texto e logo o palco estava repleto da música do Caymmi e de alegorias baianas. Piada boa a gente não tem que explicar, sabe? Mas quem sabe com essa pequena croniketa de domingo eu não consigo ao menos iluminar um sorriso preguiçoso no canto dos lábios de vocês...

Juca Magalhães escreve todo domingo para o blog A Letra Elektrônica, é autor do Livro do Pó e da Biografia da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo, intitulada Da Capo. Também é Mestre de Cerimônias da Prefeitura de Vitória e apresentador oficial de quatro edições do Festival de Inverno de Domingos Martins.

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