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sábado, 12 de abril de 2014

MÍDIA FASCISTA E SENSACIONALISTA

Faz um tempo, nem sei quanto, assisti de passagem a uma discussão no ótimo Observatório da Imprensa comandado por Alberto Dines. O assunto era os programas televisivos de cunho supostamente jornalístico, mas que tratam descaradamente as notícias mais escabrosas como um show de variedades, tudo pontuado com críticas, comentários agressivos e frases de efeito. Apesar de soar francamente antiético do ponto de vista do jornalismo sério, os programas desse gênero conquistaram o público e alcançam grande audiência no horário do almoço e início da noite.

ESTILÃO DE PORRETE NA MÃO


A título de indignação e empatia com o sofrimento alheio, figuras histriônicas como o apresentador José Luiz Datena, cobram Leis mais rigorosas e punições exemplares à bandidagem. Aos berros reclamam de tudo, menos da polícia, geralmente retratada como mais uma vítima do sistema. A mais enfática campanha atual desse pretenso “defensor da justiça” e seus similares é a redução da maioridade penal, infelizmente, sempre calcado em achismos e preconceitos sociais, maneira no mínimo irresponsável de se abordar uma questão que merece ponderação profunda.

Antes do Datena conquistar seu espaçozinho na mídia nacional – ou paralelamente - outras figuras fizeram esse jogo sujo de encarnar um defensor dos “frascos e dos comprimidos”, quando na verdade buscavam apenas um pretexto para legitimar a exposição da frágil intimidade e a violência presente no cotidiano das pessoas simples. Se você pensou no Ratinho pode crer que está com a razão. Brandindo um indefectível porrete e dando uma de macho alfa, Carlos Roberto Massa fez fama e fortuna no SBT. O estilo tragicômico do programa fez sucesso e foi imitado Brasil afora, alternando pavorosos casos de incesto, estupro e homicídio com humor negro.    


AS PALAVRAS LEVAM À AÇÃO

Na esteira da popularização destes programas pipoca outro fenômeno que pode ou não ter a ver: o crescimento de linchamentos perpetrados por uma população cada vez mais convencida da incapacidade dos poderes constituídos cuidarem da segurança. Essa sensação de abandono à própria sorte é alimentada diariamente pelos bojudos apresentadores televisivos que vociferam refrões como “Não pode! Cadê a polícia?” ou então, um de seus prediletos, o sonoro “Cadeia neles!”. Sem falar das inúmeras vezes em que comemoram a prisão de um suposto estuprador, mencionando alegremente o seu provável e merecido destino como “noiva da cela”.

Paralelamente à banalização da violência, livremente divulgada por esses programas, os linchamentos começaram a pipocar pelo Brasil. No início da semana uma multidão no bairro Vista da Serra II (Serra ES), espancou até a morte um menino de 17 anos porque suspeitavam ser um estuprador. O apresentador de um infame produto local do gênero até mudou a direção de seu tradicional “Não pode!”, mas a mensagem implícita de seu discurso e de mais uma galera pelo país é sempre o mesmo “alguém tem que fazer alguma coisa”. O problema é a maneira como esse discurso é interpretado pelas populações desfavorecidas que diariamente os assistem eletrizadas.


CADA UM POR SI E DEUS CONTRA

O movimento por soluções violentas é comum também nas redes sociais vemos pessoas aparentemente responsáveis apoiando barbáries ou mesmo divulgando frases e ideais fascistas. Muita gente apóia, por exemplo, a, felizmente, improvável volta dos militares ao poder. Recentemente circulou bastante no Facebook a foto de um homem que teria sido violentado por mais de vinte na cadeia, era estuprador do próprio enteado de um ano e pouco. A “Lei do retorno” perpetrada pelo invasivo “código de ética” dos bandidos encarcerados foi relatada com requintes de crueldade e compartilhada por varias pessoas íntegras como fora a própria expressão da justiça.

Falando de jornalismo, o cerne da questão ética é a maneira francamente hipócrita com que esses apresentadores emulam difundir um clamor por justiça institucionalizada, promovendo a denúncia pública de um Estado falido e corrupto, mas na verdade incutem na população a sensação do “faça você mesmo”, ou como dito no filme Macunaíma: “agora é cada um por si e Deus contra”. É o momento em que são feitas concessões à uma suposta liberdade de expressão, entretanto, não se pode esquecer que o exercício público de divulgação de informações não pode abrir mão de uma responsabilidade que possuiu fingindo não saber que a tem.


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