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domingo, 15 de junho de 2014

QUAL É A SUA VIAGEM?




Um dia, numa rua da cidade, eu vi um velhinho sentado na calçada
Com uma cuia de esmola e uma viola na mão
O povo parou pra ouvir, ele agradeceu as moedas
E depois entabulou uma conversa comigo
Que foi mais ou menos assim:

- Diga lá desconhecido. Se você pudesse voltar no tempo, qual o tipo de viagem você escolheria? – Não sou de ficar ouvindo cantador no meio da rua, mas fiquei curioso e, como costumo fazer, respondi com outra pergunta.

- E tem alguma diferença?

- Tem sim. Basicamente tem três “tiuria” pra “viajá” no tempo.

- Só três? – O violeiro percebeu a ironia, mas nem se abalou. Seu jeito de falar me surpreendeu e sua iniciativa de abordar “na tora” aquele assunto bizarro no meio da rua continuaria a surpreender. Ajeitando as cordas da viola ele devolveu a bola.

- Tem que prestar atenção que eu disse “basicamente”, não disse? Note bem meu amigo: o viajante do tempo considerado padrão, é aquele que quer retornar a algum período histórico e ver com os próprios olhos a época de Jesus, Napoleão ou Cleópatra. São os “curioso” metido a cientista.

 
- Que nem naquele seriado “Túnel do Tempo”? – Quando falei isso lembrei que tem gente que até hoje chama os seriados da tevê de “enlatados”, mesmo quando “interagem” com a geração digital que não deve “realizar” nada do assunto.

- Pois é – continuou sem dar pelota pro meu comentário - esses são os mais comuns e também os menos importantes, mesmo porque, até hoje suas investigações nunca trouxeram nada de novo para os estudos históricos acadêmicos.

- Ora, ora estamos ficando eruditos. Então, quais seriam os outros?

- Então, os outros. Tem aquele sujeito que sonha em retornar ao próprio passado.

- Esse aí não seria mais comum? Acho que é a fantasia da maioria das pessoas...

- Do ponto de vista do pessoal talvez “seje”, mas essa volta no tempo é geralmente imaginada de duas maneiras diferentes, ainda que a razão pode até ser semelhante. Palavra que, aliás, vem de sêmen, o amigo sabia? De semente, que gera outro parecido...

- Eu não sabia...

- É, mas isso não tem nada a ver não. O que acontece é que tem gente que sonha em retornar ao passado do jeito que é agora e se “infiar” desconhecido na própria história. Querem tentar melhorar o futuro, dar conselhos para eles mesmos fazer isso ou deixar de fazer aquilo. São os arrependidos, aquele Drummond mesmo fez isso.

- Que Drummond, o poeta?

- Sim, queria dar conselhos pra ele mesmo no passado, parar de fumar e trabalhar até tarde, essas coisa. Isso só pra falar de um que é mais conhecido.

- Isso me lembra aquele filme “De Volta Para o Futuro”... Como era mesmo o nome do ator? Sei lá, mas e a outra maneira de voltar no tempo...

- É a dos românticos. Esses sonham em voltar “nos tempo” que ainda eram jovens e cheios de vida. Imagine “as vantage” de saber o que vai passar no futuro?  

- Isso seria legal mesmo... Rever a cidade como era antigamente, encontrar os velhos amigos, as namoradinhas, tanta gente que sumiu no tempo...

- E falar de igual para igual com os pais e com os professores, dar na pinta da maturidade... – De repente notei o cara me olhou meio maroto, apontou a viola enfeitada em minha direção e falou: - Esse seria o seu tipo de viagem então?

- Se eu tivesse que escolher... Acho que sim... Tem um filme sobre essa experiência também, Peggy Sue, ou algo assim...

- O amigo é meio doido com esse negócio de cinema, não é?

- E você parece saber muito mais das coisas do que dá a entender. – Ele sorriu com dentes mascavos e recomeçou a dedilhar a viola. Retirei uma nota de dois reais da carteira e coloquei na cuia aos seus pés. O velho cantava animado, juntando o povo...

- Eu nasci há dez mil anos atrás e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais... -

 
Quando já ia longe olhei para trás e o violeiro havia desaparecido. Uma corrente de vento passou e trouxe até os meus pés um panfleto anunciando a inauguração de uma Danceteria que fechou há uns trinta anos. Peguei o papel do chão, surpreso como se fosse uma nota de cem dólares.

Em algum lugar ouvi sininhos badalando misteriosamente...

* * * * * * * * * * * * *

Esse é um pequeno conto – que pode ter uma continuação - para lembrar que no próximo dia 05 de outubro teremos a “efeméride” relativa à comemoração dos trinta anos de inauguração da primeira “Danceteria” de Vitória. Foi aquela noite histórica de abertura da “New Wave” que a banda Pó de Anjo realizou sua primeira apresentação. Dedico, portanto, essa historieta ao amigo Mario Gallerani Junior que se dizia o “próprio otário” daquela casa, empresário visionário e tecladista do Pó. 

A banda Pó de Anjo posando para a posteridade no palco da Danceteria New Wave, circa 1985. Gallerani é o do meio ladeado por Juca Magalhães - vestindo o infame terno de oncinha - e o baterista Dodas Bianchi. Agachados estão o baixista Danny Boy e o guitarrista Léo Caetano.

2 comentários:

Bruno Deiques disse...

Eita!!! Muito bom este conto Juca. Senta que lá vem historia. Abração

Gilcarixas disse...

Eu me lembro que pintei o cartaz desse show no quintal da casa do Mario, esse foi dos primeiros que pintei para a banda Pó de Anjo, Grande homenagem ao Mario voce esta fazendo Juca e voce tambem merece os meus aplausos, voce sempre foi o "cara". Um forte abraço!!!