Páginas

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

EUFEMISMOS MOTO-CLUBE: DINHEIRO FÁCIL

Na semana passada recebi uma intimação de meu amigo Grilo Falante:


“Juquinha, queria saber por que você ainda não escreveu no blog sobre aquele encontro de motoqueiros que você apresentou. Me divirto contando essas histórias pra amigos e você até hoje não escreveu. Senta o dedo moleque!”


É curioso como certos jargões e eufemismos tomam proporções de coisa importante dentro de um grupo. Quando saltei de para-quedas uma das primeiras coisas que me orientaram no curso foi sobre a importante diferenciação entre pular e saltar. Diziam que quem pulava era sapo, para-quedista saltava. Importante isso, né? Faz uma diferença... Que nem esse negócio de moqueca capixaba e o resto ser peixada... Semana passada vi aquele filme da Garota de programa, curiosa relação: quando estava tudo bem o cara se referia ao trabalho dela como uma coisa bacana, acompanhante de alto nível e coisa e tal. Quando brigavam a primeira coisa que ele fazia era dizer o quanto ela não passava de uma puta rampeira que vivia de trepar por dinheiro.


Coordenei o cerimonial da Prefeitura de Vila Velha por uns cinco anos de muito trabalho e dedicação quase exclusiva: se não era à prefeitura era aos bicos que eu arrumava por fora. Um desses pintou numa sexta-feira: um cara apareceu querendo um apresentador para um encontro de motociclistas que ia rolar o fim de semana na Ponta da Fruta. Não bastasse ser longe pra caralho o cara ainda queria pagar uma miséria - tipo cinqüenta paus por dia - e ficou tentando me convencer a topar a roubada. Falei que não poderia, inventei uma história, mas que ia arrumar alguém e que se não conseguisse eu mesmo o faria... E foi nessa que entrei pelo cano de escape. Ninguém topou a empreitada, nem o Wllisses (assim mesmo) um amigo que mora na Barra, pô, pertinho da Ponta da Fruta. Tive eu mesmo que ir, numa má vontade filha de acompanhante de alto nível, pra lá.


O organizador do evento era um cara chamado Dondoni, fundador e único membro do motoclube O Estradeiro Solitário, a única inscrição do grupo não era por falta de candidatos: dizia ele que se aceitasse mais alguém deixaria de ser solitário, ora... Era um coroa alto e magérrimo com um bigode fino e gigantesco, lembrava o pintor Salvador Dali. Tinha um triciclo todo paramentado ou como diria Paulão Sardemberg: mais enfeitado que sela de burro de cigano. Me avisou logo de cara pra tomar o cuidado de não chamar motociclista de motoqueiro de jeito nenhum! Era uma ofensa para a classe rebaixar suas nobres figuras aos inséticos motoboys, castas impuras que viviam de fazer merda pelo tráfego das grandes cidades lotando os hospitais públicos com suas patuscadas.


Além de ser longe e do cachê ruim, o evento era interminável, a primeira noite foi de um tédio inacreditável, varias vezes troquei as denominações motocoisadas, talvez porque não conseguisse perceber mesmo a diferença. O encontro fora montado numa grande extensão de terra batida ao longo da praia esquerda da Ponta da Fruta. Tinha um palco cedido pela prefeitura onde se apresentaram bandas de rock o que aliviou um pouco meu drama; completava o cenário barracas de bebidas, comidas e breguétes de motociclista: adesivos, isqueiros em forma de caveira, revolver, granada e facas, canivetes, lanternas, jaquetas, o diabo à quatro. A estética era Heavy Metal anos setenta com muitas concessões e emprestimos ao movimento Hippie, inúmeros velhos calveludos e pançudos desfilavam suas motos e jaquetas de clubes com latinhas de cerveja na mão. Born to be wild, yeah!


No dia seguinte resolvi levar Alice comigo pra ver se ajudava o tempo a passar, só que antes de seguir pra Ponta da Fruta demos uma parada estratégica na casa de Alvarito - então Secretário de Cultura - pra ajudar a escolher os finalistas de um concurso de bandas que estava acontecendo em Vila Velha. Compondo o júri estavam também Adson e Helinho “Bico Doce”, guitarrista cuja alcunha já insinua muita coisa. Começamos a ouvir as músicas, eram mais de cem, e tome de Alvarito abrir uma cerveja atrás da outra. Lá pelas tantas eu já estava de saco cheio, dei a sugestão de examinar as letras e eliminar sem nem ouvir as músicas que rimassem “amor com dor”, todos concordaram, mesmo porque a onda da birita começou a bater e eu precisava ainda apresentar o encontro dos meta-queiros, heavy-motors, enfim a roubada em que eu tinha me metido.


Alice que nessa época ainda não tinha carteira de motorista ficou puta com a minha bebedeira irresponsável e sussurrou no meu ouvido: se você tomar mais uma cerveja eu te largo aqui e vou embora de ônibus! - Dei um pulo da cadeira: Alvarito! Suspende a cerveja! - Helinho “Bico Doce” me olhou desconsolado que nem criança de castigo: Porra bicho, eu passo vinte anos estudando música e agora você vem me dizer isso? Suspende a cerveja?! - Saí de lá razoavelmente embriagado e ainda era dia, por algum milagre conseguimos chegar na Ponta da Fruta ilesos e Dondoni, aborrecido com meu atraso, veio logo com a programação, a primeira coisa que eu apresentaria seria uma missa celebrada pelo padre Eduardo Magalhães. Pensei com minhas champinhas de garrafa: agora é que fudeu meio mundo!


Meu xará de sobrenome chegou vestido a caráter em uma grande moto de corrida: botas, macacão, luvas, capacete e tudo o mais. Após estacionar embaixo do palco, subiu na parada e veio elogiar minha voz pedindo para ler na abertura a Oração do Motociclista, cara... E eu com aquele bafo de onça concordei. O que mais podia fazer? Li a oração e, para minha surpresa, os presentes participaram demonstrando uma dócil religiosidade, especialmente para quem ostenta orgulhosamente camisetas e adesivos com demônios, inferno e outros ícones satânicos. Ao longo da missa o padre motoqueiro realizou o milagre de sua transmutação visual, trocando o uniforme de moto-velocidade pela tradicional batina e os demais apetrechos comuns ao seu ofício, mas o ponto alto dessa celebração foi a entrada da bíblia:


Apesar de solitário no moto-clube Dondoni tinha lá sua companheira que parecia muito a fim de dar um jeito de roubar a cena e de certa maneira conseguiu quando coube ao casal anfitrião realizar a entrada do livro sagrado. O Estradeiro Solitário chegou na frente do palco através da multidão pilotando barulhentamente o seu grande triciclo com a patroa em pé na garupa como fora uma sacerdotisa wicca, vestida do jeito nada discreto que só as adolescentes muito bem apetecidas teriam coragem e Deus sabe que... Bem, não era o caso. Quando a moto estacionou na frente do palco a mulher ostentava triunfante uma bíblia enorme como se fosse um troféu de equipe vencedora da copa do mundo, era o espetáculo das - não mais tão - raparigas em flor.


Para não ficar atrás, no intervalo entre um show e outro, o Estradeiro deu um jeito de adentrar o palco dentro de um caixão - um caixão mesmo - que chegou trazido por uma procissão de moto-coisos portando tochas, ao som de uma música fúnebre que Dondoni me disse ser uma marcha qualquer, mas que era a abertura do disco Radioactivity do Kraftwerk, banda alemã pioneira do rock eletrônico. Depois de sua entrada triunfal o anfitrião do encontro fez um discurso amalucado em que afirmou, entre outras coisas, que a calça que estava usando era de um uniforme nazista que ele tinha dado um jeito de catar de um italiano em uma de suas viagens à Europa. Putz...


De madrugada já estávamos de saco cheio de matar tempo e, sobretudo, das prosopopéias dos delinqüentes senis. Alice estava tão cansada e aborrecida que falou: “amor eu te pago o dobro pra gente ir embora daqui agora”. Era mais de duas da manhã e eu ainda estava lá por honra da firma, se é que isso existia. Após apresentar o último show da madrugada fui cobrar a grana de Dondoni e anunciar que estava me arrancando. Deitando-se estrepitosamente num tablado de madeira, o Estradeiro - que já devia estar mais pra lá do que pra cá - meteu a mão no bolso da calça de couro de onde retirou duas notinhas de cinqüenta. Antes de estendê-las para mim insistiu para ficarmos até o final e voltarmos no dia seguinte, o que neguei já no limite da paciência que ele me esgotou dizendo com ironia: - Eita dinheirinho fácil hein?

3 comentários:

Gabriela Galvão disse...

hauhauhauahauh...


(E, mon dieu!, viver de trepar por dinheiro: luxo dos luxos, vms combinar!!! -hahahah-)



Am... Eu penso em ir pro meu casório num daqles trecos q tem um 'apêndice' do lado; viu algum por lah?!


Abração!

Anônimo disse...

Brigadão, Juquinha!!!

Valeu mesmo...Vc não podia viver sem nos descrever a sua dantesca descida ao mundo piegas dos motoqueiros. Saiba que não foi empreitada pra qualquer um não...

Grilo Falanctico...

Unknown disse...

kkkk
DonDoni eh parceiro nosso...
uma vez fiz uma viagem com ele para sao paulo.
e no ultimo encontro que eve aki ele veio.
pena q nao fui nesse evento ai.