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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

ENTRE A COROA E A CARAPUÇA.

Uma homenagem a Rabelais, Lao Tsé e Pierre Dubois,

um texto inpirado nas idéias do sertanista Sydney Possuelo.


Amiguinho, amiguinho, tão cioso e preocupado com as aparências que até se esquece da essência das coisas e do que é fundamental. Que dor e que deleite é para você viver assim amiguinho, na pressão de um vulcão expelindo lava, especialmente em cima dos que o circundam na vã ilusão de o ajudar. Que belo espetáculo de sua natureza! Sempre em busca da velocidade vistosa de seu alazão, pena que seu trote alucinado é conseguido mais com esporadas violentas do que com afetuosas demonstrações de encorajamento.


A solidão do alto da montanha, o prazer ilusório de ser um déspota a quem ninguém quer esclarecer. Os animais irracionais são feitos para servir ao homem e estes aos reis, mas isso não seria motivo para os regentes tratarem seus súditos como às feras. Queima com escárnio e cinismo as orelhas de seus cavalheiros e dos servos mais fiéis, todos são incompetentes só te trazem problemas. Amiguinho, amiguinho, se tu continuardes assim logo só te falarão do céu e das estrelas, enquanto o chão arde em chamas queimando nossos pés! E essas aparências de nada mais te valerão.


Por que será que você, menino caprichoso, sempre se encontra furioso atrás de pequenos detalhes? Suas piadas azedas não divertem ninguém, em geral são recebidas como tapas na bunda de prostitutas ou sorrisos em fotos amareladas. Mas amiguinho, quero dizer, distinto e bem amado folgazão, sua opinião é tão importante para os que o cercam, que às vezes ela tem até o poder de curar feridas, pena que vossa alteza prefira usá-la como espinho. Por que perder tempo com mesquinharias, você que é tão plácido e benevolente, que assume gestos largos como um papa, que até os ventos comanda e que nem às fases da lua obedece?


Eis a solidão do alto da pirâmide, deuses pairando absolutos acima do bem e do mal. Eis porque Maria Antonieta mandou os pobres famintos de Paris comerem brioches. Lá do alto o sol a tudo vê e tudo ilumina, porém ele também queima e resseca aos que demasiado se expõem à sua luz. Terríveis cascos do seu alazão, voando baixo, levantando poeira; o pelo bem tratado, a sela e os arreios cintilantes ofuscando a visão. Mesquinho porque no fundo és um medíocre. Nasceste com a bunda voltada para a lua e um trono lhe caiu pela cabeça. Nada tens de importante além dele.


Importante somos nós que prestamos o verdadeiro testemunho de nosso tempo!


Quem era o Rei nos tempos de Homero amiguinho? Quem era o político mais influente na Rússia quando Dostoiewsky perdeu até as calças nas rodas de carteado? Quais os homens importantes que respiraram o mesmo ar de Dante e de Cervantes? Ninguém se lembra. E eu te digo: tão pouco irão lembrar de você também. Quando os jovens estiverem na escola lendo versos e os estudando para o vestibular, ninguém mais vai se lembrar de você. A não ser que algum artista importante o queira imortalizar, perigando eternizar somente a lembrança de seus caprichos fúteis.


É uma pena amiguinho não queria te dirigir palavras duras, mas sabe? Você bem que as merece receber. Então espero que aceite de bom grado, porque elas refletem a verdade. Não duvide, todos criticam duramente suas ações, enquanto você canta aos quatro ventos o saldo efêmero de suas próprias aventuras. Quer uma sugestão? Faça um dia como alguns imperadores romanos fizeram: disfarce-se de mendigo e vá para rua descobrir o que realmente pensam seus súditos desavisados. Mas não se entristeça, vaidosos cascos de seu alazão, apenas aprenda a aceitar... O verdadeiro mundo em que vivemos não é nada parecido com o que mostram as vistosas propagandas na televisão.

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