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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

CANÇÃO NO MUNDO DAS ILUSÕES PERDIDAS


Existe em algum lugar uma canção de Buda que li faz tempo e na hora que entrei numas de usar neste texto não consegui mais achar em nenhum dos livros suspeitos. Era um diálogo do mestre indiano com um comerciante, enquanto um cantava as alegrias do ter o outro rebatia com a liberdade de não possuir. Faz pouco tempo recebi um texto que exaltava a superioridade do pensamento dos “ricos” como se estes fossem grandes filósofos, era uma sugestão bem intencionada que defendia mudanças em nossa vida para nos tornarmos mais abastados também. Na hora lembrei daquela passagem budista, me deu vontade de desconstruir o texto ingênuo recebido, fazer paralelos sarcásticos ofensivos, mas desisti por respeito àquela pessoa ou talvez por não me achar mesmo à altura da tarefa.


A trajetória e a companhia das pessoas simples sempre me agradaram e interessaram mais do que a de pessoas poderosas. Sei lá, me parecem mais dignas de admiração, além do mais não existe esse negócio de pessoa simples. Apesar de dividirmos o mundo entre os que têm grana ou não, valorizando os primeiros, mais tarde descobrimos que esse “ter” dinheiro pode ser relativo... Lembram do Homem Aranha que apareceu por aqui faz coisa de uns dez anos? Era um cara descolado e antenado que nem o Chapolim Colorado, estreou nos principais points da cidade a bordo de um carrão importado, pagou generosamente birita pra uns e outros - o dinheiro não era dele mesmo - logo estava muito bem relacionado com a rapaziada bem de vida da cidade. Ao que parece não foram muitos os que questionaram o que aquele completo estranho fazia para ostentar um padrão de vida milionário.


Ganhando a confiança de uns e outras o Homem Aranha foi se tornando uma figura popular, passou o rodo numa gatinha conhecida minha que até o levou em casa pra conhecer a futura sogra. Não demorou e estava sendo convidado para freqüentar casas e apartamentos dos endinheirados da cidade que - mal sabiam eles, ou melhor, depois descobriu-se - nada mais eram do que visitas profissionais de reconhecimento. Passado um tempo o gatuno voltava nas casas que o interessaram escalando as paredes dos prédios, às vezes grandes alturas, coberturas. Foi aí que ganhou a alcunha de Homem Aranha. Minha amiga só descobriu a verdadeira ocupação de seu amado quando o infeliz apareceu em todas as televisões locais, não mais nos chiquérrimos eventos sociais, mas sim na cobertura policial, aquela mesma seguida da cotação do café.


O problema de valorizar as aparências, óbvio ululante, é que elas nos enganam. Quando coloco um terno algumas pessoas me tratam como se fosse um deputado, tudo quanto é mendigo vem me pedir esmola. Daí uma amiga sacana falou: “Isso é porque eles não viram o seu carro Juca!” Tenho um amigo que - apesar do perfil certinho - foi muito malucão quando jovem, fez todo o tipo de besteiras. À medida que amadurecia, foi abandonando os vícios mais nefastos, levando uma vida mais responsável, mas adotando - como se pra compensar - um visual cada vez mais maluco. Fez mil tatuagens, deixou cabelo e barba crescer. Hoje pessoas vêm comentar comigo o quanto nosso amigo ficou doido sem saber que na verdade se deu justamente o contrário...


Enquanto isso, com um bom papo e o visual certo os bandidos continuam a abrir portas e destruir vidas sem o necessário questionamento. Você mesmo já parou para se perguntar de onde é que veio a fortuna de algumas pessoas ditas “ricas”? Pode ser até alguém próximo de você que endinheirou de forma meio sem sentido ou outro que posa de rico faz tempo e não se sabe de onde o dinheiro vem, sempre tem alguma explicação que ninguém vai se dar ao trabalho de verificar, mesmo porque a festa em torno da opulência simplesmente abafa o questionamento... É aí que a bandidagem deita e rola! Imagine, ser um sociopata extremamente perigoso e ao mesmo tempo adorado e respeitado por todos! E o pior é que isso acontece, todos temos nossas histórias pra contar...


Amigos, não me entendam mal, não estou dizendo que é feio ser rico ou que a pobreza pode ser uma espécie de virtude (tá doido!), gostaria muito que a riqueza banalizasse para todos e que pudéssemos morar com conforto, andar de carrão, ter assistência médica, viajar para Europa todo ano - ou para onde nos desse na telha - e ter a liberdade de só fazer o que estivesse a fim, sem as preocupações do trabalho e do dia a dia. Talvez, se isso ocorresse, passaríamos a valorizar o caráter e a decência das pessoas, e - como acontece com os sábios - cultuar as mentes que criam coisas belas e úteis e as coisas simples da vida que são a chave da plenitude e a prova real de nossa humanidade.

Um comentário:

Carla Cristina Teixeira Santos disse...

O que mais me chama a atenção, Juca, é que para que todos tenham conforto, andem de carrão, tenham assistência médica privada, viagens à Europa etc., todos teriam de estar num mesmo nível de produção de riquezas (pois isso tudo demanda muito dinheiro). E todos estão? Ou melhor, todos se disporiam a estar para que todos estivessem?
Se todos nos dispuséssemos a trabalhar para sustentar os desejos de outrem, tudo bem, mas aí seríamos desprovidos de individualidades inatas aos seres humanos (e aí nao seríamos humanos). Grosso modo, se você acha justo trabalhar (ou estudar)a morrer e outro não e dividir o que tem com esse outro, tudo bem. Mas, taí, nem todos acham justo, e por aí vão se vendo as diferenças. Eu acho um roubo pagar 50,00 de gasolina e dar 26,00 de imposto pro governo, tem gente que acha certo e por aí vai.
Sou a favor de uma distribuição de renda, claro, mas com critérios e sólidos critérios. Adoro o bolsa-família, por exemplo, mas ele está provocando movimentos ascendentes (que no meu ver seria tornar as pessoas independentes e produtivas)?
Por fim, eu desejo que essa "piii" de governo aprecie mais a Educação do que mostra apreciar (e não é só com aumento de salário de professor, não). Governinho de merda...
Desculpe o palavrão, Juca, mas não resisti.
Bjs
Carla
P.S.: Perdoe-me, o post saiu enorme. :-(