Páginas

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

EMBALOS DE UM PASSADO DISTANTE


Cara, galera, okay, falou, tá legal. Comecei a escrever a tal da história do Midas de nossas bandas, mas fiquei tão enojado com o rumo que a coisa estava tomando que tive que parar, pelo menos por enquanto. Além do mais, eu nem tinha realmente começado a abordar o assunto pra tentar entrar no tema e já tinha dado uma página. Ou seja, Narceja – bate palminha vai – ESQUILO!


Pois é, a história estava triste, sorumbática, como é, aliás, a vida dessas pessoas que se consomem dentro de suas próprias desventuras. Vou ter que parar para escrever com calma, nem que seja para um dia mostrar para meus sobrinhos-netos, um dia, quem sabe... Retomo então um assunto que agrada a turminha saudosista e falar mais sobre os primórdios da onda disco-dance aqui na cidade de Vitória.


Lembra aquele verão desgramado - aliás, como o atual só que ao contrário - em que choveu sem parar durante três meses? Foi uma calamidade pública para os capixabas, o Rio Doce transbordou alagando o norte todo: Linhares, Muquirana e Mucurici. Circulava o boato de que uma represa estava prestes a rebentar por aquelas bandas e que nossa cidade ia ficar embaixo d’água, para sempre. Era a Tsunami, o final dos tempos... E eu me lembro claramente de ter ficado triste somente e exclusivamente pela decepcionante perspectiva de não mais haver domingueira da Boite Mario’s pra gente ir.


Eu era um pré-adolecente botocudo, minhas irmãs mais velhas é que tinham os discos da moda, especialmente a trilha sonora do filme “Os Embalos de Sábado a Noite”, uma película muito badalada que espalhou pelo mundo a onda “Disco”. Enquanto os Sex Pistols amargavam a goela dos ingleses e a cena british bombava, nós aqui tentávamos aprender a requebrar que nem o John Travolta. Isso e mais todo o pacote Rede Globo, Sonia Braga, novela “Dancing Days” e as adoráveis Frenéticas do Nelson Ned, quer dizer, Nelson Rubens, Ops! Enfim, Nelson alguma coisa (Mota?).


A gente ensaiava os passinhos em casa, é verdade! Eu e minha irmã Milla que tinha um gênio dos diabos e me arrastava pra tudo quanto é roubada que ela inventava. Depois vinha a domingueira do Mario’s, a chamada matinê. Começava de tarde e não passava das nove da noite, mas cidade inteira daquela faixa etária pré-aborrescente e de outras se aglomerava lá. Lembro que no fundo de um corredor tinha um painel com espelho dentro de vários espelhos, cheios de luzes que ia se aprofundando que nem mágica.


O auge da domingueira era o aparecimento da figura, figuríssima de uma cara chamado Ney, que foi sumariamente apelidado, rebatizado, sei lá ,de “Ney Travolta”. Era só tocar o tema principal dos Bee Gees que o Travolta local ganhava a pista acompanhado de uma loira e disparava o repertório rebolativo de Saturday Night Fever, ainda que fosse domingo. O próprio público reconhecia sua superioridade dançarinheira e abria uma roda no centro da pista de dança, onde o casal mostrava sua habilidade em emular a habilidade de outrem.


Logo o Ney Travolta virou lenda e comentários diversos surgiram sobre a sua pessoa. Diziam que ele havia assistido ao filme dezesseis vezes no Cine Glória - ou Juparanã, nem lembro mais – para poder aprender os passos do ídolo. É difícil até imaginar hoje, mas é bom explicar que naquela época ainda não havia por aqui vídeo cassete, muito menos DVD, ou ia ao cinema ou não aprendia a parada. Sem falar que a tal da censura era o cão chupando manga e o filme era proibido pra maiores de dezesseis anos, eu até tentei, mas não consegui entrar. Muitos anos depois é que fui é que fui assistir à película em video e acabei achando uma merda.


Só para ilustrar o texto publico abaixo uma fotografia inédita que vem da coleção particular de minha família e que foi tirada durante o lançamento do livro de Maria Nilce “Crônicas de Uma Ilha Muito Doida”, no dia 22 de setembro de 1977. Nessa foto vemos a pista de dança do Mario’s completamente tomada, o cara de costeletas em primeiro plano é o já falecido pai do Max, um grande amigo. Vemos bem acima também o tradicional globo feito de espelhinhos, esse troço deve ter um nome certo não é? Dá só um beiço na expressão de felicidade daquele tiozinho bigodudo, com o copo lá no alto, como se brindasse à alegria.



Não passaria muito tempo e o Mario – a melhor lazanha verde da cidade – fecharia sua discoteca, certamente a primeira daqui. Na Reta da Penha seria inaugurada a Papagaio’s, depois a Black Horse, sei lá mais quantas e a cidade seguiria essa tendência disco ainda por um bom tempo. Nós bem que tentamos contrabalancear com bandas de Heavy Metal e Pop Rock, mas viríamos a descobrir que o gosto musical do capixaba sempre esteve muito mais pra Praça do Pelourinho do que pra Piccadilly Circus.


Não faço a menor idéia de que fim levou o Ney Travolta, lembro que em meados dos anos oitenta ele tentou a carreira de cantor, infelizmente sem despertar tanto interesse e comentários maldosos quanto em sua fase disco-dancer... Uma das fofocas mais inocentes que circulavam é que, por ser baixinho e muito vaidoso, o dançarino colocava uma almofada no banco do carro para parecer mais alto quando dirigia. Provavelmente intriga da oposição não é? Para vocês verem como é antigo esse costume de falar mal da vida dos famosos...


Depois de um tempão o Mario acabou mudando seu point na Praia do Suá pra Praia do Canto, perto da Igreja Santa Rita, uma região que antigamente era chamada de Praia Comprida - ou seja: Narceja! - era ali a nossa Long Beach. A tradicional cozinha “trentina”, acho que estou correto em dizer assim, ainda pode ser experimentada nesse novo restaurante batizado de “Cantina Fiorentina do Mario”, desculpem a minha ignorância completa dos costumes italianos, afinal não tenho com estes nenhuma forma de parentesco.


Mandem para a Letra Elektrônica suas fotos e suas histórias, quem sabe não conseguimos retomar um pouquinho da trajetória de nossos ilhéus, antes que o Rio Doce transborde outra vez e leve nossas lembranças de volta pra casa do chapéu...

2 comentários:

Renata Peixoto disse...

Juca, viajei na sua postagem!
Eu tinha 14 pra 15 anos e consegui assistir Embalos...e não foi apenas uma vez, foram sete!
Treinamos muito para o "showzinho" que aconteceu no meu aniversário de 15, que foi comemorado sabe aonde? Na Papagaio´s, que ocupou o lugar deixado pelo Mario´s.
Que saudade daquele tempo!
Beijão

Juca Magalhães disse...

Não falei que essa turma saudosista ia logo se manifestar? Tô com vontade de mandar um outro post, já mais pra adiante dessa época, em que uma loira me iniciou na sacanagem dentro da sala de aula. O tempo faz cada coisa com a nossa memória...