Entrevista  com a bailarina Gabriela Moreira, 19 anos, em 26 de julho de 2012.  Professora da turma de Balé do projeto Canto na Escola no bairro Barro  Branco, Serra-ES. O projeto tem apoio da empresa ArcelorMittal Tubarão e  é coordenado pela maestrina Alice Nascimento. 
O depoimento de Gabriela demonstra, de maneira tocante, vívida e emocionante, a importância das ações desenvolvidas pelo Instituto Todos Os Cantos e outras instituições voltadas para os projetos culturais.
O depoimento de Gabriela demonstra, de maneira tocante, vívida e emocionante, a importância das ações desenvolvidas pelo Instituto Todos Os Cantos e outras instituições voltadas para os projetos culturais.
ITC: Gabriela você começou a participar de projetos sociais desde pequena não é?
Gabriela: Sim, desde os nove anos que foi no Arco Íris (atual Instituto João XXIII), aqui no Itararé mesmo (Vitória-ES). 
ITC: E como é que isso começou? Sua mãe que ficou sabendo, você nem lembra não é?
Gabriela:  Não, eu lembro! Eu é que fiquei sabendo na escola, mas não me  interessei; não dei meu nome, nem nada. Aí de tarde eu fui na casa de  uma amiga que falou que ia e me chamou pra ir junto e eu fui. Inclusive  eu fui de intrusa, meu nome nem tava lá. Minha primeira aula foi com  Alice (Nascimento), eu lembro até hoje. E nisso eu fiquei lá até tarde,  quando voltei levei o maior esbregue da minha mãe porque não tinha  avisado. Depois eu pedi pra ela ir lá, que eu tinha gostado e tal, aí  sim ela foi.
ITC: Quando você soube do projeto na escola, por que você não se interessou em participar?
Gabriela:  Porque eu nunca tinha feito, não tinha conhecimento de nada, para mim  aquilo era alguma brincadeira. Quando fui no primeiro dia e vi que era  aula mesmo de coral, aula de flauta e de violão é que eu me interessei.
ITC: Você já tinha vontade de aprender música ou algo assim?
Gabriela: Não, nunca tive vontade.
ITC: Mas aí, quando conheceu você quis...
Gabriela: Sim, aí eu falei que queria. E entrei pras três oficinas oferecidas na época, isso foi em 2003.
ITC: E a dança?
Gabriela:  Meu primeiro contato com a dança também foi lá dentro do Instituto  (Arco-Íris). No ano de 2004 anunciaram que ia ter uma oficina nova, de  balé, com a professora Liviane Pimenta e eu me inscrevi. Eu sempre achei  bonita a dança, mas nunca tinha tido nenhuma convivência, então comecei  as aulas de balé e gostei. Não era aquele balé assim tão rígido e  cobrado como as aulas que tenho hoje, mas era balé, a gente ensaiava e  fazia apresentações. E eu me interessei mais do que as outras oficinas,  mesmo gostando, porque depois vieram de percussão, teatro, e eu entrava  em todas, mas a que eu mais gostei foi a dança mesmo, o balé. E aí eu  fui ganhando destaque, fui descobrindo que tinha jeito praquilo. Eu me  destacava porque queria fazer aquilo, eu sempre me empenhava, não estava  ali porque não queria ficar em casa, eu queria mesmo dançar e  continuei.  
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| Gabriela e sua turma de dança. | 
ITC: Você disse que “naquela época o balé não era tão rígido quanto o que eu faço hoje”. O que você faz hoje?
Gabriela:  A história toda foi assim: teve um ano em que eles cortaram o balé do  projeto Arco-Íris e eu senti muita falta, mas então entrou a oficina de  vivências corporais que também era dança, só que popular e contemporânea  (Com a professora Danubia Aires). E eu gostei também, conheci esse  outro lado, descobri que gosto da dança no geral, mas falei pra Danubia  que gostaria de continuar estudando balé e ela me falou das aulas que  tinham na Fafi (Escola FAFI da Prefeitura, fica no centro de Vitória),  mas que tinha prova, audição pra entrar e que era muito difícil. E minha  mãe não ligava muito pra esse tipo de coisa não, tanto que minha  inscrição na Fafi foi a primeira vez que eu andei de ônibus, sozinha, na  minha vida - eu tinha doze pra treze anos – porque era uma coisa que eu  queria muito. Liguei pra Fafi pra descobrir quando abriam as  inscrições, fiquei ligando durante o final do ano, e a Danubia também  estava me ajudando, descobriu o dia e me avisou. Fui eu e mais duas  amigas lá na Fafi e ficamos meio perdidas, aí a Bianca (Corteletti, na  época a coordenadora da Fafi) veio e me perguntou: “Tá, mas você quer  fazer balé pra quê? Porque aqui a gente tem o balé pra quem quer fazer  por hobby e temos o que é de formação mesmo”. Aí falei com a maior  determinação que queria o de formação, que eu queria ser bailarina. 
ITC: Quantos anos você tinha mesmo?
Gabriela:  Doze! Aí ela falou “Então tá Gabriela” e me deu uma ficha de inscrição e  foi a maior confusão nesse dia porque eu não tinha levado foto nem  nada, a minha sorte é que meu pai trabalha perto da Fafi e peguei  dinheiro com ele, rodei o centro, tirei foto e foi essa correria. Aí fiz  minha inscrição, marcaram o dia do teste, eu fui e quando voltei pra  pegar o resultado tinha passado. Foi uma pena que minhas amigas não  conseguiram, mas eu fiquei muito feliz que passei. 
ITC: Suas amigas estudavam também com você no Arco-Íris?
Gabriela:  Sim, eram a Denise e a Ana Carolina. Só eu passei. E eu também  continuei no Arco-Íris, ia pra lá quando não tinha aula de balé e nos  espetáculos, nas apresentações eu sempre estava presente porque era um  lugar que eu gostava muito de estar. E foi assim até 2009, tive aula de  música, história da dança, balé contemporâneo, ponta, tudo, mas não  cheguei a me formar pela Fafi. Eu recebi uma proposta, ganhei uma bolsa  do Balé da Ilha e resolvi ir porque é uma escola muito boa, vamos dizer  que os melhores bailarinos do Estado estão ali e eu não poderia deixar  passar uma oportunidade dessas, fui graças a professora Patrícia Miranda  que me dá aula até hoje. 
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| Gabriela em ação com a turma do Balé da Ilha | 
ITC: E você nunca pagou por nada disso?
Gabriela: Não, nunca paguei para ter aulas.
ITC: E se você tivesse que pagar você acha que sua família teria condição?
Gabriela:  Não, não teria não. Imagina se eu tivesse que pagar por figurinos,  viagem. Porque eu sempre tenho que estar comprando meia calça,  sapatilha, collant que é uniforme, coisas que gastam muito fácil para  quem faz aulas todos os dias. Se, além disso tudo, eu ainda tivesse que  pagar pelas aulas eu já teria desistido há muito tempo.  
ITC:  Alice Nascimento te convidou no início do ano para dar aulas de balé no  projeto Canto na Escola e como é isso pra você, a Gabriela agora estar  ensinando para crianças que não têm condições como foi a sua própria  história?
Gabriela:  Eu nunca imaginei de estar dando aulas, o meu objetivo era dançar e  daqui a pouco estar fora... Mas a gente vai vendo que essas coisas não  são bem assim. Dar aula é para mim uma experiência nova, mas muito boa,  estou gostando muito de passar o que eu aprendi e da forma como eu  aprendi. Uma forma boa sabe? Não foi uma coisa mais ou menos. Eu ensino  da mesma maneira que aprendi na Fafi e no Balé da Ilha e eu vejo que as  crianças do projeto se interessam muito, eu me vejo no lugar delas. Se  na época que eu comecei igual elas, no projeto, eu tivesse tido um  ensino de mostrar o que é certo e de mostrar a realidade... Porque o  balé exige muito, aquela coisa da técnica e da seriedade; e eu fico  feliz porque elas se interessam. 
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| Turma de Balé do Canto na Escola na apresentação de encerramento do ano passado. | 
ITC: Você acha então que você faz um trabalho mais sério do que o que você teve quando começou?
Gabriela: Sim. 
ITC: Talvez porque você tem uma experiência de vida que aquelas pessoas que te iniciaram não tiveram.
Gabriela:  É verdade. E hoje, assim, em festivais, em apresentações eu sempre  encontro com a professora que começou me dando aula e fico muito feliz,  porque ela não imaginava onde eu ia chegar.
ITC: Como saber não é? Quantas crianças você dá aula hoje no Canto na Escola?
Gabriela:  Em torno de sessenta. É isso, são quatro turmas de quinze. Quem sabe no  futuro eu também não me surpreenda e possa estar esbarrando com alguma  destas minhas alunas. O que vai ser muito gratificante pra mim, por ter  conseguido passar à frente o que eu aprendi.   
ITC: Se você não tivesse essa oportunidade o que você acha que teria sido da sua vida?
Gabriela:  Sinceramente não sei, porque não me vejo fazendo outra coisa. Hoje em  dia eu quero muito começar uma faculdade, quero dar continuidade ao  estudo, mas não sei o que fazer (no Espírito Santo ainda não há ensino  superior de dança). Eu não me vejo fazendo outra coisa, eu quero  continuar dançando. Não adiante escolher um curso qualquer e empurrar  com a barriga...
ITC:  Quando você olha para sua comunidade, o lugar de onde você veio,  aquelas suas amigas, por exemplo, que tentaram a prova junto com você e  não passaram: o que aconteceu com elas? Elas se tornaram dançarinas? 
Gabriela:  Não, não... Hoje eu não convivo muito mais com elas, eu sei que  trabalham no projeto Menor Aprendiz e estudam, eu acho, uma delas ainda  estuda. Seguiram um caminho totalmente diferente do que eu faço.
ITC:  A gente vê então que a oportunidade é dada, mas ela não é tudo. Tem que  fazer igual você falou “Eu estou aqui porque eu quero e não porque  cansei de ficar em casa olhando pra televisão. Eu quero dançar e vou  perseguir o sonho.”
Gabriela: Sim.
ITC:  E essa é a qualidade do verdadeiro artista, o artista tem que saber o  que quer. Não dá pra ser mais ou menos artista, ou você é ou você não é.  
Gabriela: É verdade.
ITC: Obrigado pela entrevista Gabriela.
 

 
 



