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sábado, 9 de agosto de 2014

EDUCAÇÃO POR AUTONOMIA



 O uso de drogas é paralelo à história da humanidade é específico de quem tem consciência querer experimentar com a consciência. Não adianta divulgar a importância, o objetivo central da abstinência, porque quem não pode, não quer ou não consegue ser abstinente fica fora do seu projeto de educação. Então o caminho é a educação por autonomia, que é desenvolver nas pessoas a capacidade de reflexão e ação que seja protetora de si e do seu entorno.

Professora Gilberta Acselrad – coordenadora do núcleo de estudos de drogas, aids e direitos humanos da UERJ.

Uma vez um amigo visitou minha casa com um pirralho naquela idade que quer mexer em tudo e o cara começou a tirar o que fosse perigoso da face do destruidor. Ao invés de dar-lhe um “cascudo” (agora eu fui longe) e dizer para o filho não mexer em nada, aquele “tira e bota” virou uma brincadeira boboca entre eles.

Num segundo episódio, eu almoçava com meu cunhado Marcos e seu filho Matheus - na época com dois, ou três anos - teimava em pegar algo que não podia da mesa. Muito calmamente o objeto era tomado da mão do menino e recolocado à sua frente, daí a disputa recomeçava. Lá pelas tantas eu falei: “tira esse negócio de perto dele”. E meu cunhado respondeu: não, ele tem que aprender que NÃO PODE.

São atitudes diferentes e emblemáticas que podem muito bem serem transpostas para a forma como a “sociedade organizada” - porque geralmente o Estado age como as pessoas do primeiro caso - ao invés de procurar a compreensão, quer ter a pretensão de barrar o acesso a determinadas coisas, o tempo todo. Evidente que isso é uma falácia, ainda mais quando pensamos que muitos fomos criados nesse jogo boboca de que tudo nos é permitido desde que possamos alcançar. A diferença entre as atitudes parece pequena, mas não é. A dita “educação por autonomia” busca o entendimento individual de que podemos ter acesso a muitas coisas, mas algumas - apesar de parecerem muito bacanas e desejáveis - realmente não valem a pena e isso é muito diferente de dizer “você não pode ter e pronto”.

Quero ressaltar duas questões graves bem específicas que são geralmente tratadas com curiosa e histórica hipocrisia, porque a sociedade age como se estivesse perplexa e reage como aquele pai “me engana que eu gosto”.

Existe uma ponte que liga a capital do Espírito Santo a uma cidade adjacente, sabe-se-lá-porque, com o passar do tempo, aquela travessia foi escolhida como “point” predileto dos suicidas. Desde há muito - lembro um episódio em meados da década passada - parentes de pessoas que decidiram terminar suas vidas naquele lugar pedem para que seja instalada uma rede de proteção. Esse é o momento em que é preciso perguntar com dolorosa sinceridade: será que tirar a ponte do alcance do suicida vai resolver realmente o problema?

Outra questão tratada de maneira semelhante é a proibição institucional da comercialização e uso de algumas conhecidas substâncias entorpecentes. Já está mais do que comprovado que não se consegue “tirar as drogas do alcance das crianças” e tampouco se discute francamente o assunto. Ora, é preciso entender porque as pessoas precisam usar drogas ou decidem acabar com a própria vida. Ninguém mete a mão no bolso para comprar uma coisa que não lhe preencha um vazio muito específico. Outro dia vi alguém perguntar: se fosse proibido tomar uma cervejinha, você não tomaria?

No Facebook postaram um vídeo muito interessante com relação ao “problema das drogas”: de um lado temos a repórter da Globo com o discurso rasteiro de quem acha que a solução para o piolho é cortar cabeças. Do outro uma especialista da UERJ com uma postura bastante inusitada dizendo, entre outras, que o  Estado não tem que se meter na vida de quem decide usar droga a não ser para garantir a qualidade do produto. Vale a pena ver o vídeo e refletir sobre o papel infantilizado que a sociedade organizada tem desempenhado nas questões humanas, sobretudo na abordagem das escolhas que as pessoas fazem na vida.


http://www.youtube.com/watch?v=K6kRpsoqeC8

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