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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

PEDALADAS INCONSCIENTES

Estava copiando alguns planos da agenda do ano passado para a atual e vi quantas ideias boas foram deixadas para trás. Projetos que vinham andando tiveram que ser colocados em stand by, porque sou um só e minha desorganização está intimamente ligada à capacidade criativa. Ainda assim, tentei reservar horas do dia para iniciativas encostadas: duas horas para escrever isso, outras duas para desenvolver aquilo e, se sobrar, um tempinho para estudar piano. Na contramão disso, uma das prioridades era voltar a ter contato físico comigo mesmo, deixar um pouco de lado o cabeção.


Uma das anotações mais antigas, por volta de fevereiro ou março, era a ideia de comprar uma Caloi KS. Isso me faz perceber que levei quase um ano para decidir voltar a pedalar. Na verdade, desde que Luciano Rezende venceu a eleição para prefeito - falando das bicicletas como alternativa de transporte urbano - que a ideia me perseguia. Depois até acabei apresentando o lançamento da ciclofaixa e todos os domingos e feriados passei a ver um monte de gente pedalando pra lá e para cá, famílias inteiras e eu só da janela a ver a banda passar.

Não me pergunte quando foi a última vez que andei de bicicleta com regularidade, faz muito tempo de circunferência abdominal. Sei que lá pelos vinte e poucos anos eu parti para a “carreira solo” da vida e nunca mais tive uma. Mergulhei na época das sucatas e dos abismos: paixões e angústias; tesão e tensão; inocência e desilusão. Com o tempo isso esfria, regenera, mas as cicatrizes são pontes resultantes desse atravessar. O quente passa, o frio passa, mas e a sensação de gato escaldado? 

Passei 2015 sabotando a onda de comprar a bicicleta: um dia eu não gostava do atendimento, no outro eu achava o preço caro em comparação com a internet, em outro eu gostava de tudo e na hora de decidir vinha o vendedor dizer que não tinha como encher o pneu. É verdade! Fiquei quase um ano empurrando a ideia com a barriga. Veio então o meu sonoro aniversário de 50 anos e dias depois o natal, então Alice me intimou a acabar com a novela, afinal queria me presentear.

Que surpresa curiosa é constatar na prática o conhecido ditado sobre andar de bicicleta, que o diga aquela parte estratégica que negocia o peso do corpo com o selim! Fato glúteo do “forévis” que, aliás, desmente aquela velha musiquinha idiota dos trapalhões. Senhores, confesso que pedalei. Foram pedaladas sentimentais, muito diferentes daquelas dadas por nossa presidente, um reencontro muscular com a memória de um rapazinho esquecido.

A cidade é hoje muito diferente, pedalar por aí foi mais fácil do que eu pensava e também mais seguro. Toda calçada tem uma rampinha, muitos motoristas dão preferência quando você está na sua razão e o número de ciclistas é muito maior. Falando nisso, a “camicleta” veio até com um negocinho que faz “tlim!” O que não mudou foi o vento. Pegar o nosso nordestão furioso pela testa não é brincadeira.   

Ao dobrar uma esquina o ventão soprou meu boné das Indústrias Stark, adquirido numa loja Geek de São Paulo junto com uma camiseta do Capitão América, quase me esborracho ao reagir institivamente com uma manobra enferrujada. Logo estou traçando rotas e trocando marchas. Ouvindo aleatoriamente Prokofiev, Simon and Garfunkel ou o novo disco de Keith Richards. Lembrando o celular, baixei um diabo de um aplicativo para medir as distâncias e o tempo e nunca lembro de usar.

O meu tempo é hoje! E o lema da família é “a gente capota, mas não freia!”

Sim, defeitos podem ser qualidades e vice-versa. Melhor chama-los de características. Se o amanhã te incomoda e eu não, qual é o problema? Tem duplo sentido, triplo talvez, mas saiba que ninguém é tão bom quanto pensa. Lembra do Renato? Ele dizia “o seu medo de ter medo não faz da minha força confusão”. É... Eu também não sei o que isso quer dizer, mas faz um sentido danado.

Passo pela grande pedra embaixo da ponte e o sol começa a desabar; passo pelo muro dos amores abandonados e descubro que alguém pichou uma advertência: “abra a sua cabeça, seu cérebro não vai cair”. Desemboco na Praça do Papa e descubro uma enorme bolota de metal. Dou uma volta em volta da esfera, dou uma volta no tempo, as rodas giram e minha cabeça roda...

P.S. O final é referência a uma música da banda Pó de Anjo que fez relativo sucesso na Vitorinha dos anos 1980, época em que eu pedalava e não sabia.

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