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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A Estranha Docilidade dos Escravos sem Exigências

Recebo um email com ares de manifesto indignado, que circula pela Net desde o lançamento do filme “Cazuza, O Tempo Não Para”. Trata-se de um texto inacreditavelmente moralista, escrito por uma pessoa que se apresenta como Karla Christine – lembrei até da Daniele Aparecida da TV Pirata – e que se diz Psicóloga Clínica. A mensagem vinha com o provocativo e valente título de A Psicóloga X Cazuza... Briga injusta, já que o nosso poeta já não está mais aqui pra responder ofensas, quem sabe podemos refletir um pouco em seu favor?

Na contra mão da história a tal psi entrou numa de dar uma de polícia ideológica em pleno final da década do milênio seguinte e, dizendo-se preocupada com o nariz, o cabaço e sabe-se-lá-mais o quê de sua filhazinha, escangalhou Cazuza taxando o cara de menino mimado, traficante, o caralho à quatro e que pessoas como ele não poderiam jamais serem endeusadas nem tidas como heróis ou modelos de nossa sociedade. Bom, defeitos todos nós os temos e pagamos caro por eles, o jovem Agenor Miranda pagou a sua conta em praça pública como todos bem nos lembramos com tristeza e saudade.

Pelo que parece, Cazuza era mesmo mimado pelos pais que deixaram o filho viver da maneira que queria. Mas, amigos, não é isso o que todo mundo quer? Ver seus filhos curtirem a vida, cometer suas loucuras, viver sua arte e suas paixões? Só não vive assim quem não tem escolha e vira escravo do sistema, deixa seus sonhos de lado pra viver atado à infinita corrente produtiva. A grande maioria das pessoas que amamos pena dessa maneira, talvez porque ainda não conseguimos nos organizar em uma outra forma de sociedade e, evidentemente, os rebelados pagam bem mais caro por sua liberdade.

Pra piorar, algumas coisas ditas pela psicóloga não eram de todo verdade, especialmente quando ela fala que Cazuza “só começou a gravar porque o pai era diretor de uma grande gravadora”. Há que se admitir, pelo menos, que os meninos tinham talento não é? Não fosse assim, ela teria pelo menos que explicar como é que o Barão Vermelho até hoje faz sucesso e é respeitado e querido em todo o país. Sorte talvez? Coincidência? Caetano Veloso cantou a pedra quando disse que Cazuza era o maior poeta de sua geração, aliás, alguém tem um “flint anti-monotonia” pra espirrar nessa chata de galochas?

Depois é citado um tal juiz Ciro Darlan – nem sei quem é – que afirmou que “a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não”. Cara, não me lembro de ter ouvido nenhuma poesia desse traficante em lugar nenhum, então não entendo porque é que o fato de compartilharem uma ligação qualquer com o universo das drogas o transformam na mesma coisa. É como dizer que quem toma uma pinga é um cachaceiro quando este não a fabrica apenas consome.

Cazuza era jovem, bonito, talentoso, famoso e de família tradicional. Esses caras queriam mais o quê? Que ele fosse eunuco, abstêmio e cristão carismático? Não quero fazer apologia às drogas, coisa que também acho uma merda, mas Deus me Livre de um mundo musicado apenas por Sandys e Padres Marcelos!!! Prefiro ficar com Piaf (viciada em morfina), Ray Charles (mesma coisa), aquela galera toda da bossa nova - que vivia em clínicas de desintoxicação, enfim: a lista é imensa, envolve quase todo mundo da música que vale a pena ser ouvida e muita da que não vale também...

Procurando fundamentar a sua tese, lá no final, a doutora Karla Coisada sapeca a explicação para o que aconteceu: “a morte de Cazuza foi consequência da educação errônea a que foi submetido.” Eita! Quer dizer que a Aids agora se aprende na escola? Ou será o contrário? Que na escola se ensina e fomenta a produção de poesia, de canções e da livre expressão do amor entre os seres humanos? Ensina nada! Nesse instante nossas crianças estão fazendo curso de robozinho, aprendendo os valores dessa sociedade de consumo hipócrita pra ter como lutar por um lugar no grid de largada dessa corrida contra o tempo, que é dinheiro, e “o tempo não para”. Poetas não se fazem assim, nenhum gênio que caminhou pelo mundo se fez através de meios convencionais de educação, nem teve pai nem mãe que dessem conta de segurar a onda. Por essa via tradicional temos apenas “pessoas deformadas pelo medo, pelo cansaço e pela docilidade de escravos sem exigências (ADORNO)”.

Por último quero evocar a figura doce e rebelde de John Winston Lennon, um grande missionário da paz mundial, considerado um mártir, mas que também tinha lá as suas “peculiaridades”: era declaradamente usuário de maconha, entre outras drogas, e em algumas ocasiões até andou sendo grampeado pela meganha internacional. Imagine o John um cara careta, é muito difícil tentar... Ou então um sujeito religioso, apoiando guerras, Imagine John Lennon um herói militar (!)

Imagine também um gênio prontinho pra consumir. Ah sim, ele viria novinho, empacotado e esterilizado, dentro da lâmpada encantada de Aladin. Então querida: esfrega, esfrega, senta e espera... Porque a verdade é a seguinte: Não se fazem poetas dizendo NÃO, nem dizendo SIM! Nesse mundo existe quando muito um TALVEZ. E só pra arrematar, já que a bruaca é da área da psicologia: é preciso ressaltar que algumas das obras geniais de Sigmund Freud surgiram no embalo de muita cocaína... E nem por isso os austríacos deixaram de o homenagear com parques e estátuas.

2 comentários:

Silvia disse...

Olá, primeiro lugar te dou os parabéns pelo teu blog. Tá legal e bem sincero. As fotos escolhidas tá super coerente com o texto.
Sucesso Juca!
Abração
Silvia

Anônimo disse...

Aprendi muito