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sexta-feira, 26 de junho de 2009

MEMÓRIAS DO MUNDO BIZARRO

Nos anos setenta do século passado - os famigerados “enlatados” da TV Americana faziam grande sucesso no meio da garotada. Curiosamente três ícones muito cintilantes dessa era deixaram o mundo por agora, em um período muito próximo. Primeiro foi o gafanhoto David Carradine, astro da série Kung Fu quem nos deixou.


Que grande barato era assistir aquelas lições de moral made in China in Box, o discípulo aprendendo a caminhar numa folha de papel de arroz sem a desmanchar e depois pelas areias do deserto sem deixar pegadas. David se foi de maneira meio torta, mas felizmente não aprendeu bem as lições do sábio mestre do Kung Fu, seus passos permanecem impressos na memória de inúmeros admiradores do mundo inteiro.


Agora se vão Michael Jackson e a panteríssima Farrah Fawcett, que inicialmente tornou-se conhecida com o sobrenome Majors, porque era casada com o ator de outro enlatado famoso “O Homem de Seis Milhões de Dólares”, do qual tenho vaguíssima lembrança e, nem sei por quê, associava esse seriado com a furacônica passagem pelo Brasil do “paranormal” Uri Geller, um indivíduo que entortava colheres e fazia relógios funcionar, tudo somente com a força do pensamento.


As crianças corriam pela casa procurando algum relógio quebrado pra tentar fazer funcionar também, eu mesmo me lembro de ficar olhando sério pro relógio e ordenar concentrado: funciona, funciona! O que funcionava mesmo era o marketing esotérico desse esperto e boa pinta israelense que tempos depois caiu em completo descrédito taxado de charlatão.


As panteras faziam a cabeça das meninas da minha rua e a SWAT a dos meninos. Eu corria desembestado pelos prédios que tinham em frente da casa de meus pais, empunhando uma estrambótica metralhadora de plástico que tinha uma coisa laranja na ponta que entrava e saia e fazia barulho, era quase uma experiência sexual. Eu no meio da mulecada realizando bravatas imaginárias, ali no limite de Santa Lúcia com a Praia do Canto.


Uma das homenagens mais bacanas feitas à belíssima pantera loira foi a peruca do personagem Hedwig, do filme Hedwig: Sexo, Amor e Traição, um musical de 2000 baseado numa peça Off Broadway, que confesso não saber direito o que é. Aliás, deve ser como sair de cartaz do Theatro Carlos Gomes e estrear em Guaçuí. É Off Downtown Vitória. Huahuhauhauhauha!


Hedwig é um travesti líder de uma banda de rock cuja peruca imita os leoninos cabelos de Farrah Fawcett, o resultado é hilário, porém convincente. Quem gosta de roquenrou não pode perder esse filme, as piadas são ótimas, as letras criativas e inteligentes e a estrutura das canções lembra a dos anos setenta, com várias pontes, seções e viadu-tos.


Farrah já estava desenganada, mas a morte de Michael Jackson pegou o mundo de calças curtas. O Jackson 5 é uma banda que sempre ficou embaralhada em minha lembrança, confundo com a Família Dó Ré Mi e até com os Harlem Blobetrotters que em algum lugar do passado estiveram em Vitória com grande estardalhaço.


A Morte do excelente cantor e dançarino Michael Jackson me lembra a de um outro ícone da música só que da dita erudita, um fabuloso pianista canadense chamado Glenn Gould. Guardadas muitas proporções devidas, ambos eram cheios de famosas excentricidades, tinham um fã-clube fiel, viveram cercados de especulações quanto à sexualidade e eventualmente se retiravam da vida pública para curtir, ou amargar, longos períodos de reclusão.


Eram dois músicos muito diferentes capazes de fazerem coisas impossíveis e decolaram para o sucesso com muita velocidade. Em ambos os casos, a mídia adorava as esquisitices destes artistas e as destacava mais do que a própria música, as gravadoras, conseqüentemente, se aproveitavam para vender e estava tudo certo. Not! Gould era muito admirado por sua execução da música para teclado de Bach, mas nas apresentações ao vivo suas caretas ao tocar e a mania de reger e cantarolar, tudo ao mesmo tempo, denegria sua imagem junto ao conservador e sisudo público da música clássica.


Michael passou pela vida se debatendo contra a própria imagem, tentando se desconstruir, mas, como no caso de Gould, seu drama dava o que falar à mída e, mais uma vez, estava tudo certo. O problema com ele foram os escândalos sexuais, acusações de pedofilia que denotavam no cantor uma clara falta de centro emocional e realmente acabaram maculando para sempre sua carreira brilhante como dançarino e cantor pop.


Glenn Gould, que era o protótipo do hipocondríaco, morreu subitamente aos cinqüenta anos de idade em 1982, logo após regravar a obra que o tornara famoso na juventude “As Variações Goldberg” de J. S. Bach. Michael estava se preparando para voltar aos palcos e faleceu com a mesma idade de Glenn.


Coincidências à parte, fica a dor e a certeza de que a mídia, o público e as empresas que fornecem alimento para a indústria pop adoram bizarrices e excentricidades, mais do que a arte e, sobretudo, os seres humanos que a realizam. É triste, mas fica a sensação de que Michael e Glenn partiram para a eterna lembrança de suas loucuras, mais que suas maravilhas.

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