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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

AMORES ESTRANHOS EM TRÊS MOVIMENTOS


1 Allegro Mordaz:


Ela queria que eu mordesse a sua cabeça porque dizia que aquilo a excitava...


Na primeira vez que íamos transar, ela saiu do quarto exibindo um sorriso confiante, logo pude ouvir o som do chuveiro e uma tênue diminuição da luminosidade quando a resistência da ducha entrou em ação. Aproveitei para colocar pra tocar o disco com a trilha sonora de nosso romance, uma canção melosa da banda Eurithmics.


Ela voltou enrolada em uma toalha, deitou de costas na cama e me olhando inexpressivamente desembrulhou o corpo, revelando-se completamente nua, era como se dissesse: olha aqui o presentão que eu trouxe pra você: pode deitar e rolar. Estávamos embalados em uma paixão furiosa, autofágica, meteórica. O ato sexual – especialmente o que faríamos naquele instante – significou a “sagração de nossa primavera”. O gelo derretendo, o fim do longo e tenebroso inverno, a retomada da vida sentimental.


Gostava de ficar de quatro, jogava a cabeleira loira para trás empinando os quadris num gesto estudado e, talvez por isso mesmo, mecânico - como as garotas da televisão: provocante e vazia – depois pedia agoniada: morde a minha cabeça! Era uma ordem estranha e, sobretudo, difícil de cumprir!


Depois de tudo ela se embolou forte em meu corpo e chorou mansinho, um choro aliviado, feliz. Era como se aquela bela cerimônia sexual pusesse fim a uma longa maldição, praga de feiticeiras, macumba, e que lhe era permitido gozar outra vez a plenitude infinita de um simples amor.


O problema é que ela não gostava de sexo, apenas autorizava a sua realização porque vinha embutido num pacote de benefícios que na época a interessava: marido, lar, família, status social etc. O esperma a enojava, tomava longos banhos após o ato sexual, queria arrancar uma misteriosa culpa de dentro da própria cabeça a dentadas, drama que nada tinha a ver comigo: era ela e seu passado sombrio e um incerto sopro de insanidade que ameaçava tomar conta...


2 Adágio Verborrágico:


O negócio da “Santinha”, uma namoradinha evangélica que tive, era destrambelhar a falar durante a transa. Muito antes de nosso singelo barco do amor cruzar valentemente o oceano ela já disparava o discurso contraditório: “não, não, você não pode, não pode!” A respiração aprofundava, as frases se tornavam mais entrecortadas e rápidas, as palavras ganhavam aspectos dramáticos e excitados: “Você quer, você quer não quer? Quer colocar um filho nessa barriga?” E alisava o ventre com as duas mãos enquanto resfolegava e apitava que nem um trem de doido. Eu estava apoiado nos dois braços, remando firme a baiúca; ela, esparramada e rebelde, sentia o gozo queimando sua alma no inferno, daí gingava pra cá, gingava pra lá, fugindo das deliciosas estocadas do pecado. Pra mim ela estava apenas dando o seu jeito criativo de prolongar a brincadeira: “Não! Não! Eu não posso, isso não está certo. Isso é prostituição!”


Porra! - Pensei. - Eu não estou pagando nada!


Só depois de muito custo, rebolado e negociação é que a “Santinha” se entregava inteiramente ao prazer, mas nem por isso deixava de irradiar a peleja: “Tá entrando tudo, tá entrando tudo, ai, ai! Sim, sim, você pode, você pode! Vai logo seu cachorro. Acaba com isso de uma vez!” Na hora do gozo ela ainda gritava: “Aperta! Aperta!” Sem nunca me dar sequer uma pista do que diabos eu deveria apertar...


3 Presto Ma Non Troppo:


Ela montou em minha pélvis apressada como se tivesse medo que eu pudesse escapar ou algo assim. Ajeitou o corpo com destreza e rapidamente cavalgava a rédea solta, balançando a cabeleira castanha. Então se jogou sobre meu tórax, chegou bem perto de meu rosto e pediu num sussurro: “Me dá uns tapas vai...” Respondi que apesar de meu jeitão confiante de homem maduro e experiente nunca tinha batido em uma mulher e perguntei: “Como é que você quer que eu faça isso?” Erguendo-se novamente sobre a sela colocou carinhosamente as duas mãos em meu rosto e afastando a direita vibrou a bofetada. “Ah... Entendi.” Sorrindo a amazona voltou a trotar, na espera ofegante do que se seguiu. Plaft! Seu rosto foi projetado para o lado, através da cabeleira pude ver um sorriso de prazer, daí mandei outra, outra e mais outra. Assim foi noite à dentro...


No elevador ela sorria satisfeita e feliz. Verificando a maquiagem notou que as maçãs do rosto apresentavam uma coloração muito mais rosada do que o normal. - “Olha só o que você fez comigo.” - Respondi divertido que a vermelhidão lhe emprestava um aspecto mais saudável, afinal estávamos em pleno inverno nada rigoroso dos capixabas. - “Quero só ver o que vou dizer quando chegar em casa.” - Imagine só, depois de tudo, se preocupar com um detalhe besta desses, mas a tranquilizei com o melhor da sabedoria popular: - “O pior que pode te acontecer agora, querida, é levar uns tapas e isso... Você aguenta...”


2 comentários:

Gabriela Galvão disse...

Herói resistente!, hhuahuahuah

Mt bom, Juca!!!


Bisous

Érika Sabino disse...

demais, juca adorei! sacana e engraçado! me lembrou Rubem Fonseca! Sempre quando tem sexo nos meus contos tento não escrever comandada pela "mulherzinha" que habita em mim (segundo o meu marido meu lado masculino é gay) é uma luta não deixar a coisa muito melosa, enjoada e "mulherzinha" (que preconceito meus deus!!!) Aí eu sempre releio rubem fonseca pra me inspirar! Agora vou reler vc tbm! beijos!!!