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sexta-feira, 11 de março de 2011

DELIBERADAMENTE INCOMPREENSÍVEL


Um amigo fala pra outro: - Carnaval é que nem vestibular.

Mas esse outro nunca presta atenção e responde distraído - Sei. Porque todo ano tem né? Você sempre fala isso...

- Sim. – Responde agora engraçado - E também porque um monte de gente vai levar pau...

Em seus termos ele era engraçado, especialmente no que dizia respeito às mulheres. Ele achava que era importante divertir para depois abocanhar, como um cão brincando com a comida. Na verdade tinha lido isso em algum lugar, em um livro como o Kama Sutra que até pouco tempo ele pensava ser apenas fotografias de pessoas transando.

Os japoneses têm um código de ética dos samurais, o Hagakure. Nesse código descobria-se a arte de guerrear, mas tinha cosmética também. Da importância de não deixar que os outros percebam quando não se está muito bem, de ressaca, por exemplo. Sugerem passar até um pó no rosto e ter sempre a melhor aparência possível.

Os que acham importante divertir os outros têm, às vezes, que se perguntar sobre a importância do riso, a tristeza do palhaço e a diferença da alegria.

Passava o tempo, mas eu mesmo não passava, eu ainda não passei. Faço uso do passado. Um dia vi a chuva, mas a maior parte destes era o sol. Fiquei e tudo aconteceu comigo. Tudo e nada, sempre a mesma coisa diferente. Chega uma hora você cansa de procurar e passa a esperar, sem saber muito bem o quê.

O tempo passa, mas qual a diferença? Talvez que de tudo eu não me lembre mais de mim. Do que eu era, das coisas que eu queria, os pensamentos que um dia tive, os sonhos que eu já cultivei. Passou tudo, mas todo ano tem.

Esse estado de ciência imaginária - só eu sei o que estou sendo agora - não me coisa nem descoisa, é apenas uma pequena faísca numa pedrinha polida agarrada no asfalto. Por ela tudo passa, mas ela mesma não é nada.

Então não quero ser prolixo, ou deliberadamente incompreensível, é que as palavras não me ajudam... E se bobear elas até atrapalham. Às vezes eu escrevo para não ser lido com a mente, como se quisesse despertar sensações, sei lá, imaginação. Não tem coisas que nos fazem sentir assim? Então porque não podemos também? 

Deixa rolar... Todo ano tem...

Um comentário:

Anônimo disse...

Mui buena crônica. Uma alternativa, deliberadamente anárquica e anarquista, aos "Jabor" que por vezes nos saturam com suas lógicas costuradinhas, parecendo roupas de bicho grilo, mas costuradinhas.

Não sei como, nem por quê, o texto me fez lembrar de um Bocagge desencavado pela minha avó, a partir do qual ela defendia a tese de que o dito cujo havia antecipado a gíria "pintar", no sentido de "pintar no pedaço", "aparecer" etc.

Sempre gostei da tal tese:

"Se amas o vestido,
és mau amador.
Tu não vês que o amor, se pinta,
é no despido?"

Abraço,

Leonardo Tristão