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quarta-feira, 23 de março de 2011

UMA VOLTA NA LAMA


O Grilo Falante me enviou o link de um documentário muito legal sobre a dita “Rua da Lama”. 

Produzido e dirigido por Ursula Dart, a película (película?) resgata o iniciozinho dos anos noventa, vinte anos portanto, mostrando bandas como Lordose Pra Leão, Urublues e outras, e muitas pessoas conhecidas do cenário. Alguns entrevistados são amigos de longa data como Carla Osório, Nina (que nunca mais vi), Lobo Pasolini (Que revi faz pouco tempo) Andrea Locatelli, Gloria Kerns, Marcelo Trifin e o próprio Socó  - pioneiro da parada - do qual me lembro bem.

Aparece também uma pá de gente que eu conhecia só de vista, com destaque para “Kraus Kréus”, o maluco que se intromete na entrevista de Andrea. Esse último era uma espécie de “menino de rua”, que vivia enfiado nos barzinhos, ora arrumando confusão, ora quieto no seu canto. Diziam que seu apelido vinha de um skatista chamado Carlos Cléverson, ou algo que o valha. Ouvi falar também - numa dessas conversas do tipo: lembra daquele maluco? - que o coitado acabou morrendo assassinado pelas mesmas ruas onde tinha fixado residência.

Naquele período eu estava atravessando uma barra muito pesada na vida, que foi o covarde assassinato de minha mãe. Foi uma época em que precisei me reinventar, espiritualmente inclusive, aliás, especialmente isso. Então não acompanhei devidamente o pleno desabrochar da lama. Porém, no período imediatamente anterior, metade final dos anos oitenta, eu estava por lá sim e até me considero uma espécie de membro fundador entre os frequentadores.

O filme tem o nome de “Uma Volta na Lama” e começa com a seguinte frase “Não sei se reconheço essa cidade.” É a nítida impressão que tenho de tempos em tempos, aquele estranhamento de sair na rua e não conhecer mais todo mundo e todos os lugares como era antigamente. Em uma entrevista, recentemente, o poeta Ferreira Gullar diz que só sente a idade que tem (oitenta anos) por conta das perdas que vão se acumulando ao longo dos anos. É, eu acho que é por aí...

Então o filme evocou memórias do final de minha fase roqueira, uma época amarga, os anos mais difíceis que se seguiram à morte de mamãe em que me usurparam a família e o final da juventude. Só pra dar uma idéia do contexto, uma vez no socó dois caras pararam ao meu lado, ficaram me encarando e falando em bala de revólver com uma cruz riscada e coisas do gênero. Tinham a mesma pinta dos policiais da equipe do delegado Claudio Guerra e, portanto, a mesma aparência da bandidagem, o que era - pelo que me recordo - bem comum na época.

Me sentia intimidado o tempo todo após a morte de Maria Nilce. Talvez para viver melhor com o remorso do que fizeram, talvez porque é assim que fazem as pessoas do mal, os assassinos tentaram também enxotar daqui seus descendente e tudo que remetesse à sua figura, apagar definitivamente qualquer memória de sua meteórica passagem sobre a ilha de Vitória. A minha sorte é que eu era um pastel na época, não entendi o que estava acontecendo, corria perigo e nem sabia, acho que por isso sobrevivi e para desgosto dos mandantes de seu crime estou aqui até hoje escrevendo sobre o que aconteceu.

Segue abaixo o link do vídeo, soube que ele já tem mais de trocentos acessos, o que é muito legal para a nossa memória de neurônios combalidos. Só lamento que não tenham feito, ou ainda não ter aparecido, um sobre o Adega e aqueles tempos da pracinha de Jardim da Penha que foi a época em que vivi a inocência feliz. Nunca vi sequer uma fotografia daqueles tempos, quem tiver, por favor, digitalize e compartilhe. E também, leiam o Livro do Pó, no qual pelo menos uma parte daquela história está bem preservada...

http://vimeo.com/20388665

2 comentários:

Anônimo disse...

Esse saudosismo genuíno nos remete a épocas não tão distantes assim, pelo menos em nossas cabeças (até porque ninguém aqui quer envelhecer ou assumir isso como Ferreira Gullar) enfim, ... o que trago na memória a respeito da lama é de quando era lama mesmo, literalmente, no início dos anos 80, sentava no Argentino para comer um pastel famoso (que não me recordo muito bem como é chamado na Argentina) e olhava à minha volta e via um extenso terreno baldio e a UFES logo across the road (praticamente porque era tudo bem rústico mesmo).

Dalí partí para "viver a vida sobre as ondas" na Califa por duas vezes e quando voltei à Lama quase 15 anos depois que foi descoberta, já via uma outra situação de desenvolvimento, comercio, asfalto, calçadas, bares, "LOFT", vapores, sexo, drogas e rock'nroll.

Tem uma cara que não paro por lá além de passar por lá a caminho do meu novo habitat (Serra).

Pelo visto está bem diferente e mudado, nem sei se rola ainda aquela essência porra louca que existia no ar.

Aliás, a última vez que parei alí foi naquele posto (antigo ponto de "movimento") para comprar umas latinhas e levar para o Santa Úrsula na noite que minha filha nasceu (16/04/2001) para nunca mais.

Depois que a gente vira pai a gente encareta, se sente ridículo fazendo merda e não consegue mais encarar nossos filhos como eles fossem um espelho mágico, falante, sincero.

Saindo da lama e voltando para antes dela, muitos rocks na pracinha de "Jardã de pã" - Zepocler, barcorela, Chaplin; Praia do Canto, colher de pau, papagaio's, black horse, amarelinho (cachamel-cachaça com mel) bate-bate, canto da tchura...

O engraçado é que a gente vai escrevendo e lembrando dos lugares, mas se perde nos pensamentos embolados e acaba não conseguindo distinguir o que é o que e onde.

Vou parar por aqui, bateu a fome e não consego pensar em outra coisa.

Bom apetite meu bom!

BB

Anônimo disse...

Vi o vídeo Juca..foi legal rever essa época...pensando agora, percebo que também era uma "pastel", não tinha muita noção do perigo..meio no mundo da lua...será que isso é típico dos adolescentes? Parece que os adolescentes de hoje são mais ligados.

Imagino o que você passou na época da morte da sua mãe, deve ter sido uma confusão na sua cabeça. Pena que eu era uma pastel na época, e apesar de te conhecer, não pude te dar nenhum apoio.
Um abraço querido!

Patrícia