Páginas

terça-feira, 25 de outubro de 2011

UM SECRETÁRIO SEM EDUCAÇÃO...

A confusão começou mesmo quando desabou a chuva. Até então eu estava me sentindo um corredor em fim de maratona, ou então quando você chega em casa, entra no elevador e se dá conta de uma vontade inexplicável, premente, autoritária de correr pro banheiro... Mas quando a chuva caiu...

O sujeito atravessou a multidão - que oscilava fácil e velozmente entre ordem, resignação e revolta – e começou a gritar com as moças do balcão:

- Minha filha, você não está entendendo! Eu vou entrar nesse avião é agora!! – Falava e olhava à sua volta, um dos que seus olhos meio esbugalhados encontrou foram os meus. Não sei porque ele fazia isso, fico aqui me perguntando. Era como se quisesse mostrar ao redor que ele sim era quem sabia lidar com aquela situação e que, consequentemente, não era uma ridícula “vaquinha de presépio” como todos os demais que pacientemente esperavam uma solução.

O sujeito tinha um sotaque nordestino carregado como aqueles que a gente só vê no cinema ou nas novelas, “vice”? Tinha uma cabeça chata e calva que, dado o sotaque, lhe conferia um ar correto, como fora uma caracterização tradicional do personagem para aquela cena. De repente, em meu tédio conformado, esqueci dele. Lembrei quando ele desferiu uma tapa estrondosa no balcão e gritou que era Secretario de Educação de... Obviamente era um Estado do Nordeste... João Pessoa? É esse que tem a capital em Natal? Se for, então era esse. Ora vejam só: um Secretário de Educação...

Mamãe era boba que nem essas pessoas que gostam de viajar à Paris para comprar perfumes, vinhos e roupas. Ela sempre contava divertida o caso da amiga que, isso lá nos anos setenta, pegou um produto numa loja de conveniência na “Chanselises” e colocou na bolsa “esquecendo-se” de pagar. Na hora de sair da loja foi abordada gentilmente pelos seguranças que estavam ali justamente para ativar a memória dos mais desavisados. A mulher achou um absurdo ser incomodada e protestou em bom português com tempero capixaba:

- Vocês não podem fazer isso comigo! Eu sou primeira dama de Aracruz!!!   

Não sei bem o que o tal do Secretário “cabra-macho” queria em seu “piti” monumental. Talvez que o Aeroporto abrisse para levá-lo embora, que a chuva parasse com aquela má vontade dela e deixasse os aviões voltarem a pousar e decolar, que o caos virasse ordem, que o mundo finalmente se dignasse a girar ao seu redor porque um governador do nordeste o escolhera para representar a Educação não só em sua terra, mas em todo o país como ele bem o demonstrava ao inverso.

Depois de arrepiar para cima das meninas novinhas da Gol, no que ele auferia um incerto prazer masculino de poder, acabou indo para outra sala conversar com o gerente. Tinha já uns dois ou três caras de terno com fones o cercando quando isso aconteceu. Esqueci dele novamente, aliás, esquecemos. Quando passamos uma perrengue daquelas temos tendência a fazer amizades temporárias. Foi o Rodrigo que, passados sei lá, duas horas, lembrou.

- E aquele cabra esporrento que fim será que levou?

- Eu sei lá... - Nem queria saber, só queria ir embora para casa, mas isso não aconteceria tão cedo.

- Será que deram um jeito de colocar ele num vôo? – Com aquela chuva, pensei, só se fosse pro avião cair e depois colocar a culpa na divina providência.

Era por volta de sete da noite, eu estava do lado de fora do Aeroporto de Manaus esperando a Van que nos levaria ao hotel e conversava com o pessoal da Gol, quando o cara reapareceu, rodeado de alguns assessores, um até simpaticamente me pediu fogo para acender um cigarro, daí não pude deixar de ouvir a conversa que se seguiu.

- Olha aqui minha filha, aquela sua amiga hoje escapou por pouco de tomar umas lambadas, vice? Ela escapou por pouco! – Como ele tinha costume de falar e olhar para mim eu, já de saco cheio e estourado, comentei em voz alta pra todo mundo ouvir:

- Êh cabra macho hein? – Seus olhos esbugalharam minha pessoa e eu completei sorrindo, mas quase chamando pra porrada. – Bater em mulher é covardia rapá!

Demonstrando mais inteligência do que educação, dessa vez ele deu as costas e foi embora. Isso era por volta de sete da noite e o meu vôo só sairia às quatro da manhã... Depois ponderei com meus botões que eu fora bastante inconseqüente em minha abordagem corrosiva, não costumo fazer essas coisas, como disse, estava cansado como um corredor no fim da maratona que descobre que tem dez quilômetros extras para percorrer. É nessas horas que mora o perigo e que todo descuido pode ser fatal.

3 comentários:

Anônimo disse...

TioJuca!!!

gostei do estilo literário, uma crônica e tanto.
Repassarei aos amigos, inclusive uns dois ou três capixabas "desterrados" que andam por aqui nesse Rio de Janeiro.
Grande beijo

Tia Marcinha

vidacuriosa disse...

É mais um retrato do que faz o poder conferido a um cidadão, ainda que não possa ser classificado como dono do mundo. E isso, por histórias que li e ouvi, não é privilégio de nordestino, mineiro, capixaba ou gaúcho. Esse secretário do Rio Grande do Norte ou da Paraíba, não ficou claro, não está à altura nem do cargo que tem nem de nenhum. Imagine se vira "senadô", visse?

Felipe disse...

Ah bicho arretado da moléstia... muito bom o texto, não a situação é claro.