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terça-feira, 30 de junho de 2009

CRÔNICA DE UMA HISTÓRIA NÃO CONTADA

A hipocrisia - do Aurélio: afetação (fingimento) de uma virtude, de um sentimento louvável que não se tem - é derivada da vaidade ou algo assim. Os hipócritas negam para todos – especialmente para si próprios - seus defeitos de fabricação, suas características indesejáveis. Justamente por não aceitar a totalidade e as limitações de seu ser, os hipócritas são desumanos. Doa a quem doer vão impor autoritariamente as suas “verdades”.


Na faculdade eu atravessava o auge de minha fase careto-vegetariana e notei que o fato de não comer carne, nem fazer uso de nenhuma droga lícita ou ilícita, incomodava algumas pessoas. Eu sei lá porque, mas tem gente que não gosta de ficar pratrás, especialmente nessa moralidade besta que nos circunda. Tinha um colega que dizia que não bebia também. Passado uns meses ele contava displicentemente que tinha saído com um amigo para um lugar “dechavado” e lá eles tinham tomado umas cervejas. Estranhei:


- Ué cara, você não disse que não bebia? – Pouco importava se ele bebia ou não, só estava curioso com a suposta recaída, mas ele me socorreu todo cioso de sua caretice:


- Não, mas ninguém me viu bebendo não... - É disso que estou falando, se as pessoas negam bobagens assim, querendo passar uma imagem do que não são, fico pensando nas coisas realmente cabeludas e contundentes que devem escamotear.


Um dos grandes problemas dos hipócritas é que eles não deixam a verdade vir à tona, impedem a história de ser contada ou então forçam a barra de todos pra contar do seu jeito. Aqueles que não têm acesso aos verdadeiros fatos de sua história nunca conseguirão racionalizar a trajetória de seu povo, nem filosofar sobre a existência. Esse é um dos pontos fundamentais para se entender o ostracismo cultural em que patina há décadas o Espírito Santo. Cachoeiro à parte, evidentemente.


Aqui não se pode falar certas verdades, geralmente as represálias não valem a diversão. Acho curioso isso porque no Brasil vemos revistas como Isto É descendo o malho nas inúmeras gafes do presidente Lula e, que se saiba, ninguém foi processado por isso. A coluna do Zé Simão, que é uma gozação de cima em baixo, simplesmente não poderia ser editada aqui se os representantes do três poderes e empresários locais fossem o alvo. É como se aqui todos estivéssemos acima do bem e do mal.


Se não aprendermos a nos indignar com nossas burradas e até rir de nós mesmos, de nossos defeitos - que todos os temos, graças a Deus - nunca iremos amadurecer como sociedade democrática. O nosso direito civil de liberdade de expressão torna-se uma falácia, vivemos numa linda Terra do Nunca, “preconizando” (atentem para a erudição) a famosa ilusão de que: “Aparentar estar bem é mais importante do que estar bem de verdade”.


O resultado desse estado hipocrático endêmico (Aiô Silver!) é colhido nas urnas quando reelegemos políticos de passado tenebroso - parece que Gratz está voltando com tudo – crimes pavorosos continuarão sem solução (quem matou Araceli mesmo?), enquanto isso proliferam a fofoca pura e simples, a inverdade é disseminada livremente até se tornar um senso comum. A história não pode ser contada porque é fundamentada na mentira, viveremos a realidade dos hipócritas e ela é uma dura realidade.


Como alguns de vocês já devem estar imaginando, escrevo isso porque se aproxima velozmente o dia 05 de julho, data que marca os vinte anos do assassinato da colunista social Maria Nilce Magalhães. Li sábado no jornal A Gazeta uma nota – se não me engano na coluna Victor Hugo - comentando que agora o crime vai prescrever e que podem dormir mais tranqüilos os demais participantes desse crime de repercussão internacional que ainda não foram apontados ou condenados pela justiça.


Maria Nilce foi uma das primeiras pessoas daqui a ter a ilusão de que dizer duras verdades é que era bacana. Foi agredida, agrediu de volta e o cidadão comum se divertia com esse espetáculo. Diferente de seus colegas colunistas, Maria dizia que o feio era feio, que a mal vestida estava mal vestida e que em Vitória o ridículo era uma tônica e não a exceção. Pagou uma conta cara com essa sociedade por teimar em expor suas chagas, mais caro pagaram seus familiares e os poucos amigos que até hoje lamentam sua perda.


A colunista teria hoje 69 anos recém completados, um número sexy que ela certamente aprovaria. Talvez a sua morte não tenha nada a ver com a incapacidade da elite capixaba rir de si mesma, mas certamente a hipocrisia e a frieza com que seu assassinato foi tratado pela cobertura jornalística e pelas pessoas responsáveis por certas respostas, nos impede até hoje de contar a sua verdadeira história, a não ser que a abordemos do ponto de vista das grandes lacunas deixadas. E isso é uma vergonha... Pra não dizer outra coisa.

Um comentário:

Marilza Correia Lima Dettogni disse...

Juca, meu querido....
Que dizer para um filho que perdeu sua mãe. Que dizer para uma família que ficou em sua vela mestra de forma tão bárbara e sem nexo.
Só posso dizer que os amo muito e que a saudade permanece em mim,tão viva como morta está Maria.
Receba meu abraço, e nós dois temos uma estória de trabalho junto, quando nem sonhávamos o quanto iria frutificar.
Você tem fibra, meu querido.
Aceite o meu abraço carinhoso e meus votos de um 2011 super, super, mega extra feliz.
Beijos
Marilza Correia Lima Dettogni