Páginas

quinta-feira, 2 de julho de 2009

CHEGADAS E PARTIDAS

Muita gente fala mal, faz ironia, esnoba e achincalha o pequeno Aeroporto de Vitória, eu inclusive. Mas já teve hora que ele ficou grande... Surgem lembranças da torre quadriculada e daquele conjuntinho de casas que tinha à direita de quem estava chegando. Tinha uma loira muito bonita que - sei-lá-como-sei - morava numa daquelas casinhas com arquinho na fachada e que eu era doido pra namorar. Meus pais viajavam de avião com freqüência, a festa para recepcioná-los na chegada ao aeroporto era um acontecimento.


Lembro do cheiro no interior da banca de revistas que tem lá até hoje e que curiosamente é diferente de outras bancas e livrarias. Eu sempre convencia meu pai a me comprar alguma revistinha, o chamado gibi. Ganhei uma do Batman, devorei a história em casa ouvindo uma música estranha que tinham colocado no toca-discos. Babahum-ma-ma, babahum-mamama! Experimentei uma deliciosa sensação de medo. Uma história dark com grandes caras fantasiados e aquela música endemonhada em uma língua que eu desconhecia.


Uma vez o aeroporto estava tão lotado que me perdi, não sei o que aconteceu. Eu devia ter uns seis, sete anos, quando olhei à minha volta não tinha mais ninguém conhecido. Nessa fase da vida o gatilho do pânico fica mais embaixo. Abri logo o carão: buáaaa, me largaram aqui! Buáaaa! Eu quero a minha mãe!


As pessoas me viram chorando e vieram socorrer, me pediam pra ficar calmo, perguntavam meu nome e o dos meus pais. De repente mamãe apareceu e, como se pode ver, logo esqueci o episódio. Mas digo uma coisa: naqueles momentos em que me vi sozinho no mundo, nosso acanhado aeroporto nunca foi tão grande! Além do mais, tamanho é relativo, assim como a alegria e a tristeza. E se, quando crianças, mergulhamos nestes sentimentos com grande velocidade, com o tempo aprendemos a traduzi-los em outras coisas, como esse texto mesmo.


Como é chata a saudade, mas, por outro lado, como era bacana a alegria de reencontrar meus pais no acanhado e achincalhado aeroporto de nossa cidade. Pois é. Mas hoje ele não me ajuda a acabar com a falta dessas pessoas queridas, especialmente Maria Nilce, minha mãe, morta há vinte anos. Ela está deitada eternamente um pouco mais além de Goiabeiras e não vai voltar de nenhuma de suas deslumbradas viagens ao exterior, já me conformei com esse fato, mas nessas duas décadas a sua falta e sua presença a transformaram num ser quase mitológico.


Imagino como seria ela com quase setenta anos, mil e duzentas plásticas depois, mandando os netos não a chamarem de avó. Nunca teremos isso. Nunca. Por causa do medo, da nóia e do desejo de vingança de algumas pessoas que simplesmente decidiram eliminá-la da face da terra. Louco isso, não é? Já fui ameaçado de morte uma vez, é coisa de gente doida, só a ameaça já deveria dar cadeia. Imagine se dar ao trabalho de arquitetar um crime, fazer reuniões com a equipe para decidir os detalhes, contratar gente pra executar o plano e depois comemorar como a final de um campeonato qualquer... Gente doida de merda!


Com o falecimento de meu pai, no ano passado, herdei o cargo de porta voz da família. Hoje dei uma entrevista para o jornal A Gazeta, mas nem falei do crime direito, desses vinte arrastados anos de processo judicial. Procurei destacar o mesmo que sempre escrevi: que, acima de tudo, Maria era apenas uma mulher, mãe de cinco filhos, uma pessoa divertida que trabalhava, escrevia, adorava as artes e conhecia muito de cultura. Dane-se se ela era uma personagem folclórica dessa ilha controvertida e hipócrita. Tiraram a vida de um ser humano a mando de pessoas que estão impunes até hoje colocando, inclusive, a nossa vida em risco.


É como no crime da Araceli, disseram que a menina era aviãozinho que a mãe dela era traficante e o diabo à quatro. Mas não interessa nada disso não é verdade? Estupraram e mataram de forma grotesca uma menininha de oito anos (!) Se a mãe dela vendia drogas não é a questão, não passa nem perto. O que fizeram com essa menina e, mais tarde, no que deu todo o processo é o que importa, especialmente para entender a sociedade capixaba. Não vou ficar aqui falando, basta pesquisar na Internet, tem material à vontade.


Talvez a saída para o Brasil seja mesmo o aeroporto, como diziam em forma de piada na época da ditadura. Mais uma vez meus pensamentos se voltam para nosso pequeno e desprezado aeroporto de Goiabeiras, já anunciaram que iam o aumentar e nada, até o presidente Lula veio aqui, fez discurso e o coitado ficou do mesmo jeito: pequenininho e mal afamado. Mas é certo que ele existe e ainda vai ver muita gente ir e vir, uns para sempre voltar, uns para nunca mais...

4 comentários:

Beto Mathos disse...

Dentro da gente, Juca, chegar e partir não são apenas dois lados da mesma viagem. Chegar e partir nos trazem lembranças que nem o maior dos Airbus irão tirar do ar.
Grande abraço!

Beto Mathos disse...

**correção: irá tirar do ar..rs

Juca Magalhães disse...

Valeu Betho.

Érika Sabino disse...

adorei seu texto, até porque sei muito bem do que voc~e tá falando...sei o que são despedidas sem reencontros...beijo