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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A BAIXARIA É O DESTEMPERO DA VIDA?


Um cara filma e assovia, o que ele quer? A moça está histérica, como as crianças que fazem pirraça, manda o cara enfiar o assovio no cú! Ao longe os cães ladram e as pessoas se divertem. Um psicólogo é convocado para opinar e disse que essa banalização do mau uso da Internet é ruim para as relações. O jovem Pedro, pivô da confusão, não pensa assim, posa sorridente em todos os jornais, vive plena e alegremente seus quinze minutinhos de fama. Os internautas criticam duramente o psicólogo por sua caretice, querem ter direito aos barracos e democratizar a baixaria... Não, o que temos hoje ainda não é o bastante...


Em um dia do passado distante apareceu uma linda garota no escritório em que eu trabalhava, ao alvoroço de sua presença seguiu-se a decepção: dentro de nossas regras ela veio parar em minha mesa de trabalho. Logo iniciaríamos um pequeno romance, era uma mineirinha estalando de nova, uma espécie de pré-lançamento na cidade. Aliás, adoro antiguidades: moro em um prédio antigo, sempre tive carro velho, a única coisa que naquela época ainda despertava minha ambição por novidades situava-se no campo dos relacionamentos afetivos ou dos puramente carnais, se é que vocês me permitem fazer uso de um termo tão caretinha e, ao mesmo tempo, autofágico e estrambótico.


Vivíamos épocas difíceis e fartas ao mesmo tempo, uma espécie de atualização do célebre drama de Hamlet: “Ter ou não ter, eis a questão!” – Possuir, tomar posse, conquistar. Depois de ter o que fazer? Saímos duas ou três comportadas vezes, eu já estava começando a ser acossado por aquela sensaçãozinha chata de que “aquilo não era bem o que eu queria” quando rolou um tremendo grilo. Tínhamos combinado um cinema para aquela noite, no final da tarde a mineirinha me liga aos prantos dizendo que seus pais tinham a proibido de continuar me vendo.


- Foi a dentista Juca, foi a dentista! – Família tradicional de Belo Horizonte, recém chegada na cidade dos capixabas a matriarca resolveu sondar o novo namorado da filha numa consulta dentária - Até hoje, nem que eu quisesse, poderia conceber situação mais espantosamente ridícula - A dentista não me conhecia realmente, disse apenas o que já tinha ouvido falar de minha pessoa: absurdos amigos, calúnias sonoras de fazer corar a namorada sem chip do tal sorridente Pedro. Finalizou seu relatório aconselhando a matrona a afastar a filha para o mais longe possível de minha terrível - e extremamente periculosa, drogada e prostituída, filha de satã - presença.


Era difícil acreditar no que eu ouvia, eu estava no trabalho e logo tinha um pequeno exército querendo ver a cor do sangue da tal “Doutora” Margareth sei-lá-das-quantas que me tinha em tão má conta. Escorado numa das máximas preferidas de Macunaíma resolvi tirar aquela história a limpo: “Falaram mal, preparar o pau!” Descobri que o consultório da peste ficava apenas a uma quadra de onde eu trabalhava, sem nem pensar parti furibundo para ação; cheguei tremendo de raiva, devia ter levado alguém do escritório para me acalmar. A secretaria disse que “a Doutora” estava chegando. Esperei em pé na ante-sala, resfolegando de um lado pro outro, balançando a crina e batendo os cascos no chão que nem cavalo bravio. Aiôu Silver!


Passou um tempo e me acalmei um pouco, mas não achei uma boa a queda de rotação do motor, então caprichei olhares implacáveis de matador sanguinário, facínora foragido dos livrinhos de bang-bang do passado. Logo apareceu uma mulher vestida de branco sorrindo e cumprimentado a todos: nunca tinha visto aquela infeliz em toda a minha vida e pelo jeito nem ela, que me olhou amigavelmente, fazia a menor idéia de quem eu fosse. A infeliz foi entrando e eu, sem deixar chance de reação pra cretina da secretaria dela, a popular secretina, invadi o consultório grudado em seu desagradável pandeiro, parecia - e me sentia mesmo - a encarnação do demônio. “É hoje que eu vou a forra!” (Dentes de Sabre – Uncanny X-Men N° 243, pg. 94)


- Escuta aqui “Doutora” Margareth: você me conhece? – A mulher me encarou sorrindo e fazendo uma careta engraçada, parecia pensar que se tratava de algum tipo de brincadeira. Repeti a pergunta agora demonstrando uma certa tensão na voz o que a assustou e fez com que instintivamente se colocasse atrás da cadeira odontológica, sei lá o nome daquela porra. – Olha bem pra minha cara “Doutora” e agora me diz: a senhora me conhece? – Finalmente ela disse que não, parecia curiosa com o desfecho de alguma brincadeira ou piada. – Pois é, eu sou Juca Magalhães!


- Ai meu Deus! – Colocou a mão sobre o peito e sentou em uma cadeira como se fosse enfartar. Fia das unha miseráviiii!!!


- Meu Deus é o escambau! (Subindo o tom) Como é que você sem nem me conhecer me difama do jeito que você fez hein “Doutora”?! (Sobe mais um pouco) Que merda é essa?!! (Gritando e dando porrada na mesa) Você é doida?!!! – O consultório era em uma daquelas salinhas comerciais, a mulher fez menção de se levantar e tentar se evadir, mas logo me coloquei entre ela e o corredor. Lá de fora, na sala de recepção, comecei a ouvir o zum zum zum. – Pega esse telefone agora e liga pra família da minha namorada, diz que você se enganou de pessoa, que tudo o que você falou não tem nada a ver comigo. Aliás, fala a verdade: que você é doida e que fala mal de todo mundo mesmo, que é um tique nervoso que você tem e que eu dei azar de ser sua vítima dessa vez.


- Eu vou ligar... Olha, você me desculpa.


- Não quero ouvir desculpa, não vim aqui pra ouvir desculpas, porque não se faz o que você fez. O que eu quero é que você ligue agora para a mãe da menina que está lá chorando por sua causa e quero que ligue aqui na minha frente. Anda, pode ligar! – Tremendo que nem vara verde a miserável ligou e desmentiu tudo, disse que tinha sido um mal entendido, mas meu ódio não estava sanado, nem de longe; acho que nunca vai estar, nem que eu a tivesse processado, estripado ou estapeado estaria. Só de relembrar esses fatos tão distantes na memória revivo claramente aquela amarga sensação de injustiça e de indignação que envenena o sangue da gente. Eita!


Fiquei tão desgostoso com todo furdúncio que passado pouco tempo mandei aquele namorico careta – com o qual eu já andava desanimado mesmo - pras cucuias. A confiança e o respeito são as bases de uma boa relação e - falando especialmente dessa ex-futura-sogra de tradicional família mineira – uma pessoa que dá ouvidos e crédito a qualquer merda que ouve pela rua não merece nossa consideração, muito menos privar de nosso apreço e de nossa companhia. Nunca mais vi a tal linda mineirinha, deve estar por aí casada e cheia de filhos. Agora, a tal “Doutora” eu descobri essa semana no Orkut de uma amiga, daí lembrei da história e resolvi mostrar pra todo mundo esse retrato agridoce...


Tomara que o tempo tenha trazido algum juízo para a "Doutora" Margareth não-sei-das-quantas ( aliás, sei sim mas o juízo e a prudência me impedem de dizer) como trouxe para mim, mas se não tiver também que se foda né? Todo mundo espera sempre o pior das outras pessoas, a baixaria é o destempero da vida.


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