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domingo, 10 de outubro de 2010

CRÔNICA DE DOMINGO: O DESTINO DE UM SÓ


Eu comecei a tocar violão lá pelos doze anos, assim mesmo, do nada. Tinha um abandonado lá em casa, encostado num canto, relegado ao esquecimento. Em nossa rua morava um cara que era de Belém, dizia inclusive que morava na mesma rua da Fafá. Não lembro mais nem o nome dele. Sérgio talvez? Acho que era isso. Fica sendo...

O Sérgio tocava violão e era uma simpatia, logo fez amizade com todos batucando a viola pra lá e pra cá. Achei aquela parada legal e entrei numas de aprender, foi esse amigo mesmo quem me deu as primeiras noções de acordes e outros baratos violeiros. Depois de um tempo o paraense foi visitar sua terra e quando voltou falei orgulhoso:

- Já aprendi a afinar o violão. - Sérgio fez uma careta de ceticismo.

- É mesmo? Então deixa ver... - Pegou meu violão, afrouxou as cordas e devolveu dizendo: – Agora afina. - Devo ter conseguido mesmo trazer alguma afinação de volta, porque o cabra ficou surpreso. Então passei a ter aulas mais ou menos formais com Elias Borges, professor querido, que dava suas aulas na Escola Villa-Lobos da Gracinha. No final do ano teve um recital dos alunos então convidei meu parceiro de viola pra gente apresentar lá o então novo sucesso “Romaria”. Aquela foi a primeira vez que toquei em público.

A antiga sala de concertos estava abarrotada, mas por minha cabeça nem passava a idéia de ficar nervoso. Tocávamos por pura diversão, aquilo era para nós como bater uma bolinha entre amigos, música para mim era - e ainda é - o contrário da tensão. Porém, o clima que encontramos por lá não era dos mais confortáveis, tinha qualquer coisa de arena de combate: uma garota estava tocando piano, se embananou toda e desandou a chorar desconsoladamente. Nesse clima estranho fomos lá nos preparar para tocar.

Eu adorava Romaria, para mim tocar aquela música era natural como respirar, nem sabia que podia a errar. Então começamos alegres, mas ressabiados; porque não esperávamos o sonoro silêncio que o público fez. Lá pelas tantas já estava eu distraído e empolgado, pois não foi que me perdi completamente? O Sérgio foi prum lado e eu pra outro, não me pergunte como nem por quê. Só sei que na hora que me bateu aquela até então inédita sensação de “mato sem cachorro” meus olhos encontraram a menina chorona: sentada bem em nossa frente a peste sorria satisfeita, chegou a apontar o dedo.

Fiquei chateado com aquele episódio, tanto que nunca mais quis tocar Romaria, mesmo porque em poucos anos eu estaria embalado no Rock e no meio dos malucos não rolava esse tipo de repertório. Dias depois o Sérgio me chamou para tocar no Asilo dos Velhos, talvez para superar o trauma, não deixar o medo marcar. Fomos recebidos com muito carinho e alegria, não havia aquele clima estúpido de competição. Estávamos nos anos setenta, eu usava uma cabeleira cacheada e era bem pré-adolescente. Após nossa apresentação uma senhorinha entusiasmada me beliscou as bochechas e falou assim:

- Qui minina mais linda! Tão novinha e já sabe tocar violão! - Ê puteza que fiquei meu velho!

Essa semana me deu vontade de tocar Romaria outra vez, que coisa gozada. Rapidamente decorei os acordes e a letra, acho que nunca esqueci realmente. Assim que tiver uma oportunidade vou tocá-la em público pra espantar de vez esses velhos fantasmas. Essa história bateu como uma mensagem que vem ribombando em minha cabeça ultimamente: apesar de toda competição para ver quem é o bom, desde os orgulhosos roqueiros aos esnobes literatos da música erudita, não passamos mesmo de uns caipiras e algumas dessas atitudes bestas ao invés de negar só torna o fato ainda mais evidente.

Um comentário:

Carla Cristina Teixeira Santos disse...

Juca, eu adoro ouvir Romaria, quando você tocar, veja se chama os amigos! :-)