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terça-feira, 8 de maio de 2012

TEORIA DA CONTRADIÇÃO - PRELÚDIO: ARACELI VÍTIMA DO PRECONCEITO CAPIXABA


Como se aproxima o julgamento de dois acusados do crime que vitimou a jornalista Maria Nilce, antes de realmente entrar no assunto - que vai ficar para o próximo texto – vou tecer algumas considerações sobre o fenômeno social de criminalização da vítima usando um caso muito emblemático acontecido em 1973. Este texto tem por base alguns trechos do documentário “O Caso Araceli - A Cobertura da Imprensa”, com direção de Tatiana Beling:

“A mãe de Araceli (Lola Cabrera Crespo) começou a ser indicada como uma das responsáveis pela morte da filha. Ela estaria participando da orgia com a rapaziada”  

Fala de Marien Calixte, jornalista que na época escrevia para O Diário. As suspeitas levantadas contra familiares da vítima ou a própria são recorrentes nos crimes que envolvem membros da elite social, neste caso, de Vitória. Servem para tumultuar as investigações, desviar a atenção da imprensa e manipular a opinião pública. Infelizmente Marien não explica como é que surgiu a acusação contra Dona Lola, parece dar a entender que a “indicação” partiu da própria polícia e os jornais simplesmente publicaram.

Logo depois vem a fala de um jornalista chamado Zé Maria Batista que cobriu o caso pelo jornal A Gazeta, a acusação à atuação da polícia é um pouco mais clara:

“Relatam que ela seria uma espécie de avião. Há informações, que também não chegaram a ser confirmadas, até porque a polícia não permitiu, atrapalhou demais as investigações - atrapalhou ela mesma - de que essa cocaína vinha de Santa Cruz de La Sierra onde Dona Lola morava.”

Como já dito de outra maneira, afirmações difusas como “relatam” ou “há informações” serviam apenas para adicionar mistério e cortina de fumaça ao caso. Nos atuais tempos politicamente corretos, até para evitar processos, dificilmente são divulgadas “informações não confirmadas” nos meios de comunicação mais sérios.

Contradizendo as graves acusações da polícia há o depoimento de Aurélio Marques um vizinho e amigo da família:

“Jamais, jamais, jamais. Dona Lola era uma pessoa hiper ..., era mãe. Mãe que não tinha ligação com nenhum ... Esse bairro aqui era um lugar ermo, isolado.”

Na seqüência do documentário vem o jornalista Zé Maria novamente, dessa vez com uma fala bem mais contundente e prenhe de opinião pessoal, botar a culpa na mãe de Araceli:

“Permitir que uma menina que morava no Bairro de Fátima e estudava na Praia do Suá andasse a pé até (!) o Bairro de Fátima? (aproximadamente quinze quilômetros) Passando aquela Praia de Camburi toda ali a pé? No mínimo uma mãe irresponsável, né? Parcela de culpa nessa história toda ela tem também, talvez por isso que ela tenha se omitido um pouco no período da investigação.”   

Zé Maria estava dizendo simples e imponderadamente o que muita gente pensava e afirmava na época: “Pobre é tudo irresponsável, deixa a filha largada por aí é isso o que acontece!” E o pior, mas o pior de tudo isso mesmo, é que a informação de Dona Lola ser traficante e Araceli “aviãozinho” tem sido publicada ou mencionada costumeiramente como fato em vários blogs e sites. Na Wikipédia está assim:

“Também foi apontada como suspeita a mãe de Aracelli, Lola, que teria usado a própria filha como "mula" (gíria conhecida para pessoa que entrega drogas) para entregar drogas a Jorge Michelini. Lola, que seria um contato na rota Brasil - Bolívia do tráfico de cocaína, desapareceu de Vitória em 1981, residindo atualmente na Bolívia, tendo o pai de Araceli, Gabriel Crespo, falecido em 2004.”

É bom saber que, uma das exigências feita aos autores da Wikipédia é a confirmação das informações publicadas através de referências, uma espécie de validação acadêmica que, infelizmente, nem sempre funciona bem; basta dizer que o artigo se utiliza do próprio documentário de Tatiana Beling para afirmar o que está dito no trecho acima sem fazer a devida ressalva da não confirmação das informações.

Assim um boato vira notícia e à vítima, ao invés de obter solidariedade e justiça, herda a reprovação da sociedade. Porém, não é só a impunidade que deixa margem para especulação. Um crime assim provoca medo paranóico nas pessoas causando diferentes reações sociais. Após o crime de Araceli as famílias capixabas passaram a se preocupar mais com o paradeiro dos seus filhos, outras aceitaram e difundiram a opinião de que a menina morreu porque estava envolvida com drogas e que aquele perigo não lhes pertencia.

Imaginemos, entretanto, que Dona Lola fosse mesmo representante de um perigoso cartel de drogas da Bolívia. Será que essa história teria terminado tão bem assim para os acusados? Rogério Medeiros conta que o máximo que a mulher conseguiu fazer – provavelmente quando entendeu para onde apontava a investigação - foi dar uma bofetada no rosto do delegado.  Dado as circunstâncias, deu sorte de não parar na cadeia.

Araceli deveria ter hoje perto de cinqüenta anos e a data de sua morte – 18 de maio – marca o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Enfim, não custa lembrar, é na semana que vem...

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