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sábado, 9 de junho de 2012

CRÔNICA DE DOMINGO: LOUCURA OU ESPERTEZA?

No verão de 2007 o prefeito da cidade de Aparecida - a “Meca” católica no interior de São Paulo - José Luiz Rodrigues (conhecido pelo apelido de Zé Louquinho), cansado de receber críticas por não conseguir resolver o problema das enchentes na cidade, numa reação irônica, polêmica, cínica etc. publicou uma Lei proibindo terminantemente a ocorrência das cheias em sua região. A medida flagrantemente tresloucada virou piada em todo o país, mas a mesma coisa acontece de tempos em tempos, e pouca gente se dá conta.

Guardadas as devidas proporções, parece que alguém atacou de “Zé Louquinho” no Palácio do Planalto quando o governo brasileiro editou a Lei que tornava obrigatório o ensino de música nas escolas. Assim como o alcaide de Aparecida, o governo federal decretou a resolução da questão sem apresentar soluções mínimas para os evidentes problemas na falta de estrutura das escolas públicas ou mesmo a maioria das privadas. No site do MEC está assim:

A Lei nº 11.769, publicada no Diário Oficial da União no dia 19, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) — nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 — e torna obrigatório o ensino de música no ensino fundamental e médio.

A Lei entrou em vigor tendo expectativa por parte dos alunos – tanto dos que desejavam aprender música, quanto dos que temiam ser obrigados a estudar – e gerou debate em nível nacional. Gestores e docentes se questionavam como é que iam fazer para por o projeto em prática. Na grande maioria das escolas não há espaço acusticamente adequado, nem professores habilitados e se houvesse tudo isso: com quais instrumentos os alunos haveriam de estudar?

Inexeqüível na prática a Lei soa mais oportunista do que maluca, porque surge num momento em que a demanda por estudo formal de música cresceu muito, especialmente na última década. Só para dar um ínfimo exemplo local, a Faculdade de Música do Espírito Santo, no início deste ano 2012, ofertou 115 vagas para o curso de iniciação musical e foi surpreendida por 1.900 inscrições. Foram forçados a decidir quais alunos seriam contemplados em um sorteio que lotou o pátio da instituição. 

Pátio da FAMES lotado! Sorteio das vagas para o Curso de Iniciação Musical de Piano e Canto
Sempre que as eleições se aproximam começam a surgir soluções para problemas pesquisados junto à população, algumas são até anunciadas na mídia e causam expectativa. Tempos depois fica claro que aquilo não vai dar em nada mesmo, começam as cobranças e as explicações tortas: que a licitação não deu certo, que o projeto continha erros, que isso ou aquilo. O bom seria se todos fossem mais cínicos e assumidos como o prefeito lá de Aparecida, pelo menos poupava o povo da sensação de sempre ser ludibriado pelo velho golpe da urna.

4 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Juca,

Parabéns pela crônica... coisas do Brasil.

Aproveito para informar que neste ano de 2012, estamos atingindo uma marca história, mais de 6.000 alunos com atividades musicais diretamente coordenadas pela Fames, na sede da faculdade e em projetos de extensão, como o Bandas e Corais na Escola e Núcleos de Inclusão Musical do Programa Estado Presente.

Possivelmente atingiremos 7.000 até o final do ano, com as Orquestras de Violões e de Ukulelê e outros pequenos projetos que nos possibilitarão alcançar esse número.

Grande abraço,

Edilson

Anônimo disse...

Pois é Sr Juca neste Brasilsão brasileiro tudo é feito às avessas, vai entender.
Abç Odilson

Anônimo disse...

Olá, Juca, boa tarde. Ao ler a crônica de hoje, me transportei aos meus tempos de estudante do ensino fundamental (que compreendia duas etapas: primário e ginasial) lá na capital secreta. Naquele tempo, não sei se por imposição legal, no período correspondente ao curso primário, o corpo docente do Grupo Escolar "Bernardino Monteiro", onde eu estudava, sob a coordenação das professoras de educação física, promoviam, pelo menos duas vezes no ano letivo, um evento a que denominavam "hora social". Era preparado com antecedência, alunas e alunos eram convidadas/os a se apresentarem e, tínhamos então oportunidade de ver e de participar de esquetes, de grupos musicais e outros gêneros. Mais tarde, no ginásio, que fiz no Liceu "Muniz Freire", tínhamos, desde a 1ª série (quinta atualmente) na grade curricular, aulas de canto orfeônico. Essa disciplina era obrigatória e se estendia até o Curso Normal (atualmente Magistério). Foi através dessas aulas que, a partir dos meus 10 para onze anos, tive noções de música, de canto coral, de respiração e colocação de voz, de bemóis, sustenidos, claves, etc... E, principalmente, fui apresentada a Villa Lobos. Foi um riquíssimo aprendizado que me valeu muito (não sou professora de música) e me vale ainda em inúmeras circunstâncias. As aulas eram ministradas na sala de aula comum, sem nenhum aparato musical. Apenas livro, quadro-negro (era negro mesmo) e giz. Não dispúnhamos de instrumentos nem de som. O diferencial era o entusiamo da professora Ivani Ramos. Não entendi até hoje porque essa disciplina deixou de fazer parte da grade curricular. Também nesse período promovíamos (alunas/os e professoras/es) as "Horas sociais". Participei de muitas.
Este blá, blá, blá, todo é para registrar uma indagação: Não seria interessante que as crianças de hoje tivessem oportunidade de terem, também, noções de música?
Não sei se a intenção (afinal quem pode saber de intenções?) foi eleitoreira, mas eu não considero inoportuna a Lei.
Desculpe-me o alongamento do texto.

Gosto sempre de suas crônicas.

Um abraço

Jandyra

Juca disse...

A Lei é oportuna, o que me parece é que ela não foi feita para funcionar, apenas para dar uma desculpa para pessoas da sociedade que, como você, sabem dos benefícios de se estudar música. No caso, por exemplo, da Fames a demanda era por aluas de canto lírico - em moda por conta de programas de TV e igrejas evangélicas - e piano. No caso do piano, que eu até leciono voluntariamente embora não me considere um profissional da coisa, é que fica difícil: o instrumento é caro, tem que ter manutenção e as aulas têm que ser individuais. O mesmo vale para mais um monte de instrumentos. O que o governo fez é o mesmo que querer ensinar ciências sem pressupor um laboratório, ou literatura sem bibliotecas.

O fato do próprio texto que fiz ter deixados alguns buracos é bom que a gente vai estendendo a conversa, não é?

Obrigado pelo retorno e pela atenção, vamos juntos. Bjs.