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segunda-feira, 2 de março de 2009

CARNAVAL NA BARRA OP. 9 - INTERMEZZO


O carnaval não é lá uma época muito boa para a maioria dos tirados a doidões, não tem graça nenhuma em ser maluco quanto o resto do mundo enlouqueceu também... Os meninos maluquinhos querem dar uma de que são diferentes, pra eles a farra dos caretas é tediosa, artificial e, o que é pior, simplesmente não há como se escapar da “música” que costuma animar os eventos do período.


O meu grupinho de meninos botocudos metidos a roqueiros era muito cioso e orgulhoso de sua modernosa pseudo-doideira artificial, nos anos oitenta a piração de boutique era a principal temndênnncia entre os jovens de retinas descoladas, hoje respeitáveis senhores pançudos que frequentemente negam até a morte terem sequer participado de esbórnias do gênero, especialmente quando percebem que os rebentos estão enveredando pelo mesmo caminho.


Minha mãe era diferente. Quando questionávamos, por exemplo, o direito de falar palavrões - com os quais ela pontuava a grande maioria de suas frases - ouvíamos a tradicional resposta, por sinal cunhada para ser pendurada no portão de entrada da lendária “Fábrica de Fazer Doidos”: façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço.


Como filhos se criam com atitude e não palavras, em 1989 eu dei uma banana pra minha família e fui curtir o carnaval... Acho que pela única vez.


Valente e inconseqüente coloquei o Monza vermelho na estrada - com o radiador furado e tudo mais - até a longínqua província de Conceição da Barra. O carro já era famoso na Rua da Lama, tinha dois grandes plásticos da marca THC (O princípio ativo da Cannabis) colados em suas laterais. Era uma época em que usar adesivos de marca funcionava como uma espécie de identificação visual, o mais comum era da Zoomp com aquele raiozinho amarelo.


Perdido pelas ruas históricas da Barra, caranguejos perambulavam de ré, e nós íamos de lado, que nem navio emborcado, nau à deriva. Já não estava muito dentro da normalidade quando me deparei com a bandinha de fanfarra formada na praça, os caras com aqueles uniformes de domador de circo. Eu e Cello corremos em meio aos músicos que – apesar da gente - não paravam de tocar suas marchinhas animadas, o maestro ficou uma fera e nos botou pra correr, estávamos atrapalhando a apresentação.


Encontramos umas garotas replicantes, desdenharam de minhas unhas dos pés, diziam que precisavam ser cortadas, me senti um urtigão. Só de sacanagem falei que éramos cariocas, em pouco tempo estávamos nos pegando. Como adolescente gosta de beijar na boca! Meu amigo passou mal, vomitou e sentou num canto da calçada. Eu mesmo não sabia mais dizer onde ficava a casa em que estávamos. Murta também se perdeu, desistiu de procurar o pouso certo, foi encontrado dormindo no sofá de uma varanda qualquer. A dona era uma alma caridosa...


- Deixa ele dormir tadinho, deve estar cansado...


No último dia do carnaval encontrei um amigo pela rua, queria me contar fofocas de Vitória, alguma briga escabrosa de mamãe com um cabeleireiro. Eu, que estava fora de casa há mais de uma semana e curtia a liberdade de fazer só o que me desse na telha, não quis nem saber. Era como um menino perdido na terra do nunca, desde que saíra nem sequer dera um telefonema pra dizer que estava vivo, tinha mergulhado na fase revolucionária de auto-afirmação, queria dar um golpe e fundar minha própria república. Muito antes do que eu pensava meu desejo iria se realizar... Mas essa “conquista” não chegaria da forma pacífica e romântica que eu imaginei.


O hotel no centro da cidade, o hotel de Conceição da Barra! Suas paredes cobertas de ilustrações e quadros que retratavam cenas da botoculândia. O piso pirou, seu chão era coberto de coisas assimétricas, figuras geométricas, o piso era louco de tudo! Andamos pelos corredores do hotel sem ligar para o estranhamento de seus funcionários que pareciam hesitar em nos abordar, fomos nos esborrachar num sofá da recepção. Não demorou e fomos tragados pela crise de bobeira. Fodam-se, é carnaval!


Aquele era o dia em que viríamos embora, zunindo e zoando através da noite, parando de vez em quando pra colocar água no radiador do velho Monza vermelho... Nunca houve um carnaval como aquele. Nunca mais. Depois disso tive que escalar a outra face da montanha, mas isso é assunto para outras sextas-feiras. Além do mais, já não sei mais direito pra onde esse texto vai. Virei refém de minhas próprias lembranças...

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