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terça-feira, 16 de março de 2010

A DOCE CRÔNICA DOS PENETRAS...


No meu perfil da Letra Elektrônica menciono algumas coisas que foram marcantes na minha infância e adolescência, tipo a prancha de surf Jacaré que era de isopor e vendida em supermercado, uma espécie de avó do bodyboard que enchia a barriga da gente de assaduras todo verão. Outra coisa que falo é das festas de casamento que rolavam num salão anexo à Igreja Santa Rita e que eu e minha turma de desajustados tínhamos costume de entrar sem sermos convidados, os chamados penetras. Ainda sobre aquela rua em que morei, a mesma dessa igreja, me veio uma outra lembrança...


Não que a gente precisasse entrar de penetra em festa pra tomar refrigerante e comer bolo, docinho e salgadinho de graça, a verdadeira diversão era conseguir fazer algo proibido, enganar os trouxas dos adultos. Só pra fornecer uma idéia, o ponto alto da penetra era cumprimentar os noivos, ainda mais praquele bando de guris ainda não iniciados nas artimanhas do sexo que fantasiavam mil e uma sacanagens com as emperequetadas moças casadoiras, elas, prestes a fabricar nenéns, coisa que pra gente era simplesmente um mistério.


Foi no início de uma noite de sábado que chegaram lá em casa o Toninho, Valtinho e seu irmão Marquinhos, todos ouriçados porque a rua estava lotada de carros e a Igreja de gente, casamentão rolando. Tinha uma linha de ônibus que passava naquela rua - alvo constante de ovadas - e nesses dias o motorista passava sufoco pra manobrar em meio aos carros mal estacionados. Meus amigos chegaram de banho tomado e cabelo penteado, muito diferente dos calções e chinelos do dia a dia em que vivíamos escalando o morro do Cruzeiro caçando calangos com tiros de espingardinha Rossi ou cortando pedaços de cactos e jogando pra baixo na esperança infeliz de ver alguém furar o pé.


Coloquei uma roupa “de festa”, desci correndo as escadas que nem um raio - morávamos em uma casa de dois andares o que na época era chamado de sobrado – e ganhei a rua com o resto da turma. Não sei se nessa noite alguém deu bandeira, ou pode ser também que as penetras de tão freqüentes estivessem começando a incomodar, fato é que havia um cara muito do mal encarado na porta pra fazer a filtragem dos “convidados”. Muito ao invés de nos desencorajar, de repente o desafio da penetra ficou mais interessante.


Quando a longa cerimônia de casamento finalmente acabou e as pessoas lentamente começaram a se dirigir pro salão, tentamos chegar na entrada nos misturando aos verdadeiros convivas, fazendo a mais doce expressão de meninos comportados, praticamente cristãos praticantes. O Marquinhos que era hiper cara de pau chegou a pegar na mão de uma senhora e com ela entrou de mãos dadas. Eu não era assim e pra piorar era o maior cagão. Telegrafei a minha tentativa na entrada, só faltei pedir pro porteiro me barrar; meus amigos já estavam todos lá dentro, dei alguma bandeira, aí não deu outra:


O cara botou a mão no meu peito, perguntou com quem eu estava e eu não soube o que dizer, fui tomado de um pânico catatônico, que nem um pateta: dã, dã.... Tomei um passa fora moderado e fiquei lá da entrada com a maior cara de madalena arrependida vendo meus amigos desfilando livremente pelo salão, enchendo a pança de doces e salgadinhos. Valtinho mesmo me acenava com um copo de refrigerante, eles tinham conseguido enganar o temível cão de guarda e eu estava lá fora com cara de otário. Sucesso total! Barba e cabelo no suvaco da perua.


Voltei pra casa abatido, desencantado da vida, tremenda derrota, shame on me! Devia ser umas oito da noite e encontrei minha mãe se arrumando pra sair, como já falei outras vezes ela escrevia uma coluna social muito badalada na cidade e: adivinha onde é que ela estava indo? Volto eu pra festa de casamento confiante como o quê, muito macho do lado da mamãe e para minha decepção o cão de guarda não estava mais na porta barrando ninguém, pelo que parecia sua presença só se fizera necessária na entrada dos convidados e com a escassez dos bicões foi fazer outra coisa.


Logo estava eu enchendo a pança junto com a gangue, rindo, cumprimentando os noivos. Toninho até falou muito sério para o rapaz: cuida bem dela tá? Putz que diversão! Mas não é que lá pelas tantas eu caí das nuvens? O cão de guarda era na verdade o chefe dos garçons e muito puto da vida ficou quando deu com a minha presença estarrante ali no meio do salão. Me pegou pelo braço aborrecido, falava umas coisas do tipo: ô menino eu já não te botei pra fora? Fiquei novamente sem ação enquanto o garçom me arrastava para a saída, a única coisa que eu conseguia balbuciar timidamente era: mãe, mãe!


- Quê mãe o quê menino, deixa de ser besta que eu já te botei pra fora daqui mais cedo, mas como é cara de pau! – Enquanto ele falava isso, soou à nossa frente a voz da mulher maravilha: - João você ficou doido? – O garçom estacou incrédulo, já tinha trabalhado pra mamãe em inúmeros “eventos sociais”, era um dos mais solicitados profissionais da cidade. Quase sem acreditar na resposta que já era óbvia ele ainda perguntou soltando meu braço como se estivesse pegando fogo: – Esse menino é seu filho Dona Maria Nilce? – Mamãe teve uma puta crise de riso, achou engraçadíssima aquela história do garçom querer me tirar da festa. João, coitado, estava roxo de vergonha, eu juro que vi a hora em que ele fez menção de se esconder debaixo da mesa mais próxima.


Desnecessário dizer que depois desta passamos o resto da festa nos empanturrando sob a guarda vigilante e profissional do Seu João e sua equipe. Sabe que outro dia eu o vi na rua? Não está tão velho como eu imaginava, me pareceu muito bem. Minha mãe eu nunca mais pude ver, faleceu tem mais de vinte anos, mas continua sendo minha heroína em histórias singelas como essa. Precisava contrabalancear seu perfil em relação ao da crônica passada, tem muitas horas que gostaria de chamar por seu nome, mas o que ficou mesmo foram essas lembranças e a saudade... Uma puta duma saudade.

8 comentários:

Anônimo disse...

É isso aí...
Até para mim... que longe estou de Vitória.. há anos, deu a maior saudade! Boas épocas do Morro do Cruzeiro.. Praia do Canto, Santa Rita, andar de bicicleta por essas ruas...
Eu imagino a sua saudade da mãezonha...!
É isso aí... é vida que segue.
bjs,

TÁISSA

Anônimo disse...

Isso é um curta-metragem ,coroné....Muito engraçado...

Abração!

Reginaldo Secundo

Anônimo disse...

Grande Juca....
Adorei!


ANA PAULA SPINASSÉ

Anônimo disse...

PARABÉNS, VOCE TEM O TALENTO DO SEU PAI E DE SUA MÃE...ESCREVE COM A MANEIRA FÁCIL DE ENTENDER O PROFUNDO DE SUA ALMA.BEIJOS, GRACINHA.

Anônimo disse...

A DOCE CRÔNICA DOS PENETRAS-muito legal.No mesmo dia que você comentou sobre seu blog,cheguei em casa e entrei,amei....Cheguei até comentar com o pessoal da turma,acho que é seu cunhado,o pessoal nem acreditou em mim.....

Manu

Anônimo disse...

Olá, Professor!

Obrigada por partilhar seu saber conosco.
Belíssima crônica. Tão doce e tão vívida, que pude ouvir a gargalhada da de fato, mulher maravilha Maria Nilce, criatura única,
gostava de falar o que lhe vinha à telhaa, era um perigo.Tive pouco contato com ela, mas sentí saudades.

Luzia

Anônimo disse...

Bom dia professor!

Obrigada por compartilhar suas lembranças, suas saudades.
Uma vez li em um livro que a morte apesar de nos deixar triste, nos ensina que é preciso amar as pessoas e demonstrar que as amamos, e que assim sempre nos lembraremos das pessoas que foram com amor e carinho nunca com tristeza, com pesar. Nunca sentiremos arrependimento por não termos demosntrado que as amavamos.
E pelas histórias que você escreve de sua mãe, vejo que apesar da saudade, pois dessa não nos livramos nunca,você sempre escreve com amor.
Não conheço a história da sua mãe, pois morei no Rio até 1991, mas sei que a dor de perder uma pessoa importante, ainda mais da forma como aconteceu como sua mãe, nunca passa.
Que bom que você tem momentos felizes para se lembrar!
Aparecida Stelzer

Anônimo disse...

Pois é. Eu li o texto dos penetras e me deu muita saudade também.

Lembro-me bem daquela época, embora não compartilhasse com vcs das aventuras, mas lembro de mamãe contando e dando risada.

Que saudade.

Mil bjs