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domingo, 21 de março de 2010

O LADO DE FORA OU QUANDO CAI A FICHA

O lado de fora. A luz forte da manhã. O dia começando para um monte de gente, mas não para mim, eu estava deixando o trabalho naquele instante e pensei: cara isso é loucura. Comecei a desejar uma vida normal, dormir cedo, acordar, tomar café e ir pro trabalho.


Henrique Cazes cita Bolão em seu livro, um frasista que disse o seguinte “Na minha vida de músico eu já fiz de tudo, eu só não fiz sucesso”. Daí me ocorreu de parodiar uma velha canção e dizer: “Todo artista tem que ir aonde a grana está”.


Na minha roda de amizades instrumentais sempre imperou um certo metaleirismo, já falei sobre isso, não é música para ouvir, é música para calar e abalar. Não é música de protesto, é um som que gera protesto e talvez esse seja seu aspecto mais divertido.


Resolvemos então montar uma banda com música dos anos cinqüenta e sessenta, o repertório ia de Paul Lanka a The Everly Brothers, mas o grosso focava a fase inicial do Elvis. Não causamos muita espécie e eu achava que a culpa era da sonoridade estridente, mas talvez fosse por eu ser o cantor da banda, afinal, entoar músicas do Rei (falo de Elvis Presley) nunca foi mesmo o meu forte.


O cachê vinha do couvert e aquela noite estava um verdadeiro fracasso, três ou quatro gatos pingados espalhados pelas mesas e a gente lá tocando a toda altura sessenta músicas divididas em três sets de vinte como fosse para uma multidão.


Duas da manhã era geralmente o horário em que o público rareava e o repertório se esgotava, de repente o boteco lotou, parecia até sacanagem. Uma turma de formandos rodara a cidade e o único lugar aberto que encontraram foi o bar em que estávamos.


Fazer o quê? Tínhamos que faturar aquela grana. Resolvemos começar outra vez: mais sessenta canções de fio a pavio. Não preciso nem mencionar que durante a noite vai-se tomando umas e outras, nada de mais, mas dobrando o turno a coisa ia ficar feia.


Com aquela turma de alegres formandos embriagados o bar virou uma zona, logo os outros notívagos que vagavam que nem almas penadas foram parar lá também. Surgiu um primo meu completamente louco, entrou engatinhando no palco, queria cantar ou dedicar uma canção para uma loira meio gorducha que deveria ser o seu fim de noite.


O nome do lugar era Píer Sielemann, ou algo assim, ficava no pé do Barro Vermelho e era escuro que nem breu lá dentro. Os fundos da casa davam para o canal de Camburi, fora em tempos remotos uma casa de “conveniências” e o novo dono manteve a atmosfera obscura.


No final da noite já era dia, mas não teve galo cantando e se tivesse também quem é que ia escutar? Durma-se com um barulho destes. 120 músicas depois eu estava podre, bêbado e pedindo para morrer de mansinho, mas faturamos um gordo cachê, o Beto, dono do bar estava feliz da vida.


Foi só quando saímos daquele inferninho que vimos o céu azul, as nuvens brancas, era dia claro. Bateu aquela sensação de loucura, saca? Não dava pra continuar assim. Foi naquele instante que eu resolvi escalar a outra face da montanha, mas essa é uma história que vai ficar pra depois.


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