Páginas

domingo, 7 de março de 2010

EM UMA PALAVRA SÓ: BOMPRACARÁLIUUUU!


Não costumo gostar muito de refilmagens, acho que foi uma implicância que desenvolvi quando fizeram aquela versão lamentável e imbecil de “A Gaiola das Loucas”, depois dessa sempre que os gringos entram numa de dar a versão Bigmac pro que eles consideram um bom filme “estrangeiro” eu prefiro passar batido. Peguemos, por exemplo, o clássico suspense “O Silêncio do Lago” que em sua versão Hollywoodiana ganhou até um inaceitável final feliz. Tem o caso também de outra comédia francesa chamada “Os Visitantes”, ótimo filme, mas que em sua versão USA ficou uma porcaria. Até com produções do passado deles mesmo eu tenho o pé atrás, caso do filme “Os Produtores” - que por aqui em sua versão original (1967) ganhou o nome de “Primavera Para Hitler” – por amar o original nem quis ver o falso, fico pensando como é que o Mel Brooks deixou...


Daí que quando fiquei sabendo da refilmagem de FAME – um clássico do início dos anos oitenta – fiquei cético e até ofendido em minha memória cinematográfica afetiva. Mas acabei me surpreendendo com essa nova abordagem e estou aqui pra pagar a minha língua. Nova York é um puta centro cultural e as escolas de arte de lá – entre muitas outras, evidentemente - fornecem mão de obra para a Broadway continuar funcionando. É numa dessas escolas que a história se passa enfocando os jovens que – guardadas as devidas proporções – manifestam as dúvidas e vivem os mesmo dilemas daquela rapaziada de trinta anos atrás. A arte é dinâmica como a moda e a cultura de forma geral e a maior qualidade desse novo FAMA é justamente nos apresentar uma boa história sob o viés atual de um determinado fazer artístico. Essa nova versão não é uma cópia do roteiro anterior – como no caso grosseiro de A Gaiola das Loucas - mas uma atualização bem feita e deliciosa.


O dilema das artes e de seus intérpretes não envelhece, indefinidamente ilude inúmeros corações e mentes e constrói todo um pano de fundo para a vida das outras pessoas. Os artistas nos divertem, distraem nos momentos de tédio e solidão, embalam nossos sonhos e amores com suas canções. O que seria do mundo sem os artistas? Por isso alguns se tornam tão amados e perseguidos, criticados e bajulados, por isso tantos perdem o contato com o mundo real e tantos são os que por isso sofrem; o que me leva a abordar o próximo assunto deste texto: vi também dois filmes imperdíveis que têm histórias muito parecidas, sua parte mais importante se passa na mesma época, mas os finais acabam sendo bem diferentes.


Primeiro vi o excelente “Simonal – Ninguém Sabe O Duro Que Eu Dei”, uma verdadeira pedrada na mente! Eu lembro pouca coisa do Simonal, mas vendo o filme descobri que a versão de “País Tropical” que eu sempre gostei era com ele e não a do Jorge Ben. O filme tem depoimentos muito bacanas de caras populares na época - e até hoje - como Pelé e Chico Anysio, só para citar dois. Mostra a meteórica ascensão de um menino pobre que viria a se tornar o mais popular entertainer do país na virada dos anos setenta, depois veio a derrocada da carreira e as inúmeras hipóteses para razões de tantos porquês. É uma história triste, mas contada de forma muito respeitosa e emocional, como penso que deve ser.


Depois vi o Loki que dá conta da trajetória do músico Arnaldo Batista. Uma história parecida com a de Tom Zé, que aparece no filme falando de maneira amalucada sobre ter participado da segunda escola vienense e do rompimento da tonalidade (como assim?). Arnaldo foi do céu ao inferno em poucas lições, o início idílico com Os Mutantes, o casamento com aquela linda adolescente chamada Rita Lee, depois a descoberta do LSD e o início da fase negra que terminaria com internações em manicômios até a trágica tentativa de suicídio na noite de ano novo, que era também aniversário da ex-mulher. As feridas deixadas por aquela relação parecem ser muito mais profundas do que até então havia se falado e do que o próprio filme explicita; só para dar uma idéia, a verdadeira matriarca do Rock Nacional se recusou a dar seu depoimento no filme, mas felizmente cedeu o uso de suas imagens.



Ressurgido das cinzas após um longo período de ostracismo – exatamente como na história de Tom Zé – Arnaldo, mais precisamente Os Mutantes, são garimpados por gringos fuçadores de música “diferente” como o David Byrne e esse resgate trás de volta o peculiar criador para o mundo que ele mesmo decidiu abandonar em tempos passados. É feita em Londres uma exposição sobre a Tropicália com um muito esperado show dos Mutantes, tendo Zélia Duncan no vocal, com um monte de artistas gringos pagando pau pros caras. O ponto alto destas é o aparecimento do músico “sui generis” Devendra Banhart que rasga um monte de seda sobre o show e termina seu depoimento assim: in one word (em uma palavra): bompracaráliuuu!


E eu pensei uma só palavra com meus botões: debuquisondetêibou! Mentira, eu ri foi “pracaráliuuu”. É delicioso ver os gringos tentando falar nossa língua pra variar, mal posso esperar o dia em que o congo será descoberto por David Byrne também e a nação botocuda se tornará mainstream “ao vivo e a cores” para todo o Brasil e quiçá o universo. Já imaginou as crianças lá no Harlem estudando as sutilezas interpretativas de instrumentos complexos como a casaca ou o tambor de pele de marreco e em tudo quanto é telejornal do mundo dando a cotação do café? Eu mal posso esperar...

Nenhum comentário: